Os portugueses têm um sentimento bastante negativo quando se fala em paraísos fiscais ou "offshores", o que é perfeitamente justificável quando vivemos num país com uma enorme carga fiscal e sem o nível de protecção social garantido por outros estados. Quando pensamos nestes territórios visualizamos logo uma ilha nas Caraíbas, mas esta realidade é bem mais próxima.
A Ilha da Madeira tem o seu "offshore" e o regime criado em Portugal para captar estrangeiros reformados, isentando-os do pagamento de IRS sobre as suas pensões, é visto por outros países da União Europeia como uma medida típica de um paraíso fiscal.
Na verdade, os países europeus disputam ferozmente a captação de investimento e procuram a todo o custo aumentar a sua receita fiscal, criando regimes e concedendo taxas mais favoráveis a grandes empresas e particulares. Na Europa, há quase um leilão em que cada país procura oferecer melhores condições fiscais do que o vizinho. Os bons resultados de Portugal na captação de reformados não residentes chamaram a atenção de outros países europeus que já estão a preparar uma legislação mais competitiva nesse domínio.
A Holanda, a Irlanda, o Luxemburgo, Malta e Chipre são conhecidos pelos seus regimes fiscais agressivos. Por exemplo, os lucros de algumas das maiores empresas portuguesas são tributados na Holanda. A falta de harmonização fiscal, designadamente a definição de taxas fiscais mínimas, tem prejudicado a União Europeia, como ficou demonstrado no caso da Apple. Membros da Comissão Europeia já se manifestaram no sentido de que situações fiscais como a da Apple têm de acabar, uma vez que foram cobrados impostos inferiores a 1% sobre os lucros obtidos na Europa por esta empresa. Situações como estas indignam os nossos pequenos e médios empresários que pagam taxas muito mais elevadas sobre os seus rendimentos.
A Comissão Europeia e muitos países da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico) não rejeitam a concorrência fiscal entre estados, mas perceberam que têm de existir patamares mínimos para a tributação, em especial no que diz respeito ao rendimento das grandes empresas. As maiores multinacionais deslocam-se de país em país em busca das condições fiscais mais favoráveis, negociando cláusulas específicas que na prática quase as isentam do pagamento de impostos. Já se fala na criação de uma taxa mínima de IRC, o que daria margem aos estados para a implementação da sua politica fiscal, mas evitaria situações extremamente injustas entre os diferentes contribuintes europeus. A harmonização da fiscalidade europeia e a passagem de uma visão individualista para colectiva é a única forma da União subsistir. A conjuntura económica associada à pandemia exige a cobrança de avultadas receitas fiscais a nível europeu e uma maior eficácia fiscal global. A política de saldos fiscais praticada em alguns países acaba por prejudicar todos os europeus. Enquanto não existir uma mudança na política europeia ao nível fiscal, quem sai sempre a ganhar são as grandes multinacionais americanas.
António Ventinhas (magistrado) | Revista Sábado, em 20 de Agosto de 2020
Sem comentários:
Enviar um comentário