Três lugares diferentes do planeta assistem à erupção da violência da extrema-direita, que sacode a água do capote enquanto continua a divulgar o discurso do ódio que alimenta as agressões crescentes.
Nuno Ramos de Almeida | AbrilAbril | opinião
No dia 8 de outubro, um candidato do Chega numa freguesia de Moura disparou contra uma caravana de uma família sueca, com sete filhos menores, entre os 11 anos e os três meses.
A agressão, adiantou a Polícia Judiciária, citada pelo Público, foi «perpetrada na sequência de contenda ocorrida momentos antes, aparentemente determinada por ódio racial».
«Após a altercação com o elemento do género masculino do casal, o suspeito perseguiu a viatura onde seguiam as vítimas, executando o crime assim que se mostrou oportunidade», afirma ainda a PJ. O suspeito, de 53 anos, foi detido, posteriormente ouvido pelo juiz e libertado.
O líder do Chega, André Ventura, demarca-se do crime, garantindo que o partido não é racista, apenas quer obrigar as minorias a cumprir os seus deveres. O político, condenado recentemente a pedir desculpa a uma família negra do Bairro da Jamaica por os ter apelidado de criminosos, voltou a afirmar a sua peculiar tese sobre a cor dos portugueses de bem.
Por mera coincidência, a advogada do criminoso é candidata do mesmo partido no mesmo concelho e protesta com a mediatização do facto, garantindo que se o acusado fosse elemento de outro partido não seria identificado pela sua simpatia partidária.
Como quem diz: é um abuso que identifiquem um elemento de um partido racista que é acusado de cometer um crime racista.
No mesmo dia que um candidato do Chega resolveu disparar contra uma família de estrangeiros, várias centenas de manifestantes de extrema-direita invadiram e destruíram a sede da principal central sindical italiana, a Confederação Geral do Trabalho Italiana (CGIL).
O ataque provocou duas reacções de teor diferente. Poucas horas depois, mais de 100 mil manifestantes saíram às ruas de Roma, sob o slogan: «Fascismo nunca mais». O líder da CGIL, Maurizio Landini, relembrou que o fascismo em Itália foi imposto depois de uma vaga de destruição de sedes sindicais e de partidos de esquerda.
Já os dois maiores partidos de extrema-direita, a Liga e os Irmãos Italianos, condenaram a invasão da sede sindical, mas defenderam os militantes de extrema-direita que se manifestaram nesse dia. Giorgia Meloni, líder dos Irmãos Italianos, declarou a sua solidariedade «também aos milhares de manifestantes que saíram às ruas para protestar contra os decretos do governo [que exigem certificados de vacinação no trabalho], de quem agora ninguém falará», por causa do ataque à sede da principal central sindical italiana. No mesmo sentido pronunciou-se o líder da Liga, Salvini, dizendo que «não confundamos a violência de uns poucos com aqueles que querem proteger a saúde, os direitos, a liberdade e o trabalho».
"Aqui afogamos os argelinos"
O candidato de extrema-direita às presidenciais, que se encontra com 16% nas sondagens, Éric Zemmour, vai repetindo sempre o mesmo discurso dos franceses honrados que estão a ser ameaçados por estrangeiros islamitas. Repete muitas vezes, tantas quanto as centenas de horas que a comunicação social lhe dá, em televisões, jornais e demais plataformas de informação.
«Os franceses devem lutar para defender a França tal como a conhecemos: o que está em jogo é a civilização, a substituição de um povo», disse ao El País o putativo candidato, que acrescenta «uma guerra de civilizações está a ser travada no nosso solo. Se continuarmos, estamos a caminho da guerra civil».
Para dizer a verdade, há muito que há gente massacrada numa guerra, normalmente são pessoas pobres e dos subúrbios, em crimes escondidos que o poder político francês, que sempre alimentou o racismo, demorou 60 anos em reconhecer.
Chovia em Paris no dia 17 de
Outubro de 1961. Mais de 30 mil argelinos, homens e mulheres e crianças, acudiram
ao centro da Cidade Luz, vestidos com as suas melhores roupas. Os homens
levavam casacos e gravatas; as mulheres, os seus vestidos mais bonitos. Todos
queriam protestar contra o recolher obrigatório decretado pelas autoridades
para interditar os «franceses-muçulmanos-argelinos» de saírem de suas casas
entre as 20h30 e as 5h00 da manhã. Essa proibição era ilegal. Mas que
interessava isso? Na Argélia lutava-se contra os independentistas, todos os
árabes eram suspeitos. Paris, a pátria das proclamações dos «Direitos do
Homem». Noventa anos depois do massacre da Comuna de Paris, em plenos anos 60,
as ruas foram novamente lavadas por sangue, e entre
Foram décadas de silêncio total. Trinta anos depois, um jornalista, Jean-Luc Einaudi, que esteve sempre ao lado daqueles que exigiam que fosse quebrado o silêncio sobre a morte dos seus, publicou o livro A Batalha de Paris, em que contava o que aconteceu.
O homem que ordenou o massacre foi Maurice Papon. Durante a ocupação nazi da França organizou deportações de judeus para os campos da morte; no final da guerra, quando previu a derrota, começou a passar informações para a Resistência gaullista. Os nazis perderam a guerra e ele continuou funcionário da República. Da mesma forma que garantiu que 1560 judeus franceses fossem levados para campos de extermínio, onde foram assassinados e cremados, deu a ordem para que os argelinos fossem massacrados. Tanta dedicação valeu-lhe ser condecorado com a medalha da Légion d’Honneur.
O funcionário exemplar teve o pequeno azar de o seu pecadilho no massacre dos judeus ter sido descoberto. Einaudi aproveitou o seu julgamento, em 1990, para denunciar o massacre de 1961. Resultado: foi processado por Papon por difamação. O jornalista pediu que fossem abertos os arquivos da polícia sobre os acontecimentos, para se poder defender. O pedido foi recusado. Conseguiu que dois funcionários do arquivo testemunhassem que tinham visto documentos que confirmavam as acusações a Papon. Einaudi foi absolvido no processo. O Estado tratou de abrir um novo processo contra os funcionários que testemunharam. Até agora, o condenado Papon, pelo seu papel como colaborador dos nazis, é o único responsável pelo massacre de 17 de Outubro de 1961. Einaudi tinha dedicado o seu livro a Jeannette Griff, de nove anos, deportada para Auschwitz em 1942, e a Fatima Bedar, 15 anos, assassinada pela polícia no massacre de Paris.
No último sábado, o presidente Emmanuel Macron admitiu que o massacre de argelinos em Paris a 17 de Outubro de 1961, que este domingo cumpre 60 anos, foi «um crime» e que é «indesculpável para a República». Mas digamos que é um pouco tarde para abafar o discurso do ódio racista que se arrasta há séculos. Só mesmo os povos podem liquidar o discurso de ódio dos fascistas que contou com a cumplicidade dos poderosos de turno.
Na imagem: Líder do Chega desfila em Lisboa exibindo a saudação nazi, tão ao gosto do criminoso Adolfo Hitler ou até mesmo do fascista Oliveira Salazar e outros apaniguados nazi-xenófobos-racistas.
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