sexta-feira, 19 de novembro de 2021

E SOBRE O FASCISMO NOS AÇORES?

Miguel Guedes* | Jornal de Notícias | opinião

O anticiclone passou mas resistiu um ano. Poucos dias depois do Chega (CH) anunciar um acordo de governação com o PSD nos Açores, Rui Rio brincava com as críticas que o acusavam de normalizar e branquear a extrema-direita ao ter embrulhado o CH na governabilidade dos Açores (naquilo a que apelidou de "aliança democrática" entre o PSD/CDS/PPM, com o apoio da IL).

"Sobre o avanço do fascismo nos Açores, que temos hoje? Alguma novidade em especial?", escrevia Rui Rio no Twitter, imediatamente secundado pelo líder do CH na mesma rede social: "Hoje não há mais nada sobre o crescimento do terrível monstro do fascismo nos Açores? Ou sobre como a Direita portuguesa não cessa de cruzar linhas vermelhas?". O mesmo e inconfundível estilo.

A lógica da escrita dos irmãos siameses tinha uma esperança fundada a nível nacional, expectativa que o líder social democrata não escondia: "Se o CH se moderar, pode haver hipóteses de diálogo". A porta que a Direita abrira para a germinação do CH tinha agora um processo de consolidação efectivo em curso. Muito recentemente, quando Rio começa a fazer o resgate democrático do PSD, só depois de Paulo Rangel ser bastante claro quanto à política de alianças pós-eleitorais do partido, é já tarde demais.

O que fora incompreensível tem agora uma leitura evidente: o PSD foi uma muleta do CH. O abrigo e a reprodução do tom do discurso de quinquilharia da extrema-direita foi uma das razões que levaram uma parte do seu eleitorado (à semelhança de quase todo o eleitorado do CDS) a preferir o original à cópia. O acordo no Açores serviu que nem uma luva ao CH, incapaz de se moderar, capaz de dizer uma coisa e o seu contrário em curta sucessão, aqui encoberto pelas nuvens da autonomia regional. No continente, permitiu que muitos arautos das alianças à Direita não traçassem a cerca sanitária que democraticamente se impunha.

Durante um ano, analistas sopesaram a aritmética das percentagens, defendendo que a Direita nunca seria poder sem o CH. E, como tal, insuflaram o fenómeno, branqueando-o, desvalorizando-lhe os actos e as falsas mutações, incorporando boas pitadas do seu populismo nas listas das eleições autárquicas, testando a aproximação. Agora que André Ventura retira o apoio ao acordo de incidência parlamentar com o PSD nos Açores, agastado com as críticas ao partido pelos candidatos à liderança social-democrata, Rui Rio vê-se obrigado a assistir à vitimização daqueles a quem deu a mão enquanto clamava por um PSD "ao centro".

As máscaras que hoje nos protegem do vírus e que, fruto dos indicadores pandémicos, voltam reforçadamente às nossas vidas, são uma das formas de exercer distanciamento social. Findas as ilusões, o PSD decidiu (e bem) colocar a máscara, escolhendo aqueles com quem quer estar. Que trace então as devidas distâncias. Porque enquanto retirava consequências, já o CH extraía vantagens.

*Músico e jurista

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