No Chega o regresso ao passado conjugou-se com a adesão ao presente da barbárie neoliberal
Por que razão, nestas eleições legislativas, é importante o 3º lugar na ordem das votações? A resposta é simples: porque é isso que determinará que se consiga barrar eficazmente o caminho do partido da extrema-direita xenófoba, racista e anti-democrática que é o Chega.
Permitam-me, então, que entre diretamente no assunto que aqui me traz hoje: Por que razão, nestas eleições legislativas, é importante o 3º lugar na ordem das votações? A resposta é simples: porque é isso que determinará que se consiga barrar eficazmente o caminho do partido da extrema-direita xenófoba, racista e anti-democrática que é o Chega.
Afinal, o que é política e ideologicamente esse Chega que se esconde sob a verborreia oca, inconsistente e histriónica do seu bufão em chefe? A essência menos visível do seu ideário é, todavia, para levar muito a sério: repousa nas velhas conceções dos setores mais reacionários e conservadores da direita, nos últimos tempos desenterrados da sua falência histórica. A ideia de que a desigualdade, a injustiça social, a violência contra os mais fracos, o irredentismo imperial e a guerra, a hierarquia reprodutora do mando dos que sempre mandaram são fruto inalterável de uma ordem natural das coisas e das sociedades e, por isso, são realidades inelutáveis e que todos teriam que aceitar. Do que resulta um duplo efeito: 1. Para compensar a insegurança e a revolta que daqui decorreriam, seria necessário, diz o Chega, implantar uma ditadura e um Estado autoritário que tudo submeta. Ou seja, impõe-se um regime de repressão e suspensão permanente das liberdades públicas e dos direitos de cidadania; 2. Um tal regime, que o Chega defende, sobrepõe-se autoritariamente como força do destino, como determinação ontológica à livre escolha do cidadão, tanto na esfera pública como na privada.
É um regime que traz o totalitarismo nas entranhas.
Na realidade, a ditadura e a supressão das liberdades públicas como inelutável destino; a normalização da violência anti-democrática e da exploração; a fatalidade e a necessidade das guerras imperialistas; o apelo à conformação social com a opressão e o obscurantismo, sempre estiveram no âmago das ideologias de extrema-direita que o Chega hoje representa.
No passado, conduziram aos regimes fascistas, à guerra e ao extermínio. No presente, disfarçam-se sob o pouco diáfano manto da mentira, da manipulação e da indigência. Mas é aí, novamente, que se esconde o ovo da serpente, a ameaça de regressão social e da barbárie nos tempos de hoje. E o Chega é o porta-vos da regressão civilizacional e da barbárie.
Qual é então a essência dessa pseudo-nação que, espontaneamente, decorreria da ordem natural e se imporia como destino totalitário sobre a liberdade e a democracia? O programa eleitoral do Chega, pela primeira vez, define-o lapidarmente: “Deus, Pátria, Autoridade, Família e Trabalho”. É preciso que os eleitores portugueses saibam que esses são precisamente os valores considerados indiscutíveis e como tal proclamados pelo ditador Salazar em 1936, naquilo a que a propaganda da ditadura, copiando a do fascismo italiano, chamou o “Ano x” do regime. Foi à sombra desse sistema de valores, à sombra do que era proibido discutir que o regime fascista impôs quase durante meio século do século XX a perseguição política, a prisão, quantas vezes sem julgamento, por tempo indeterminado, a tortura e a violência policial, a proibição da greve e dos sindicatos livres e uma criminosa guerra colonial sem fim. É essa nação orgânica da desigualdade, da violência e do colonialismo que o Chega assume como inspiração política para o seu regresso ao passado e quer impor ao povo português mais uma vez.
Mas o Chega não é só essa ameaça de regresso às sombras cadaverosas do passado. A tal “nação orgânica” pretérita fez suas as políticas impiedosas do neoliberalismo. O regresso ao passado conjugou-se com a adesão ao presente da barbárie neoliberal. Por isso mesmo o programa e a propaganda do Chega, cavalgando o desencanto, o descontentamento, e o medo dos proscritos pela violência neoliberal, tem de acobertar-se na mentira, na manipulação e na exploração sem escrúpulos da demagogia e dos instintos primitivos gerados pelo medo e pelo ódio.
É verdade:
- O Chega grita contra a corrupção. Mas o seu chefe pertenceu a um escritório
de advogados especializado na fuga ao fisco e ninguém o viu na Assembleia da
República fazer nada contra os offshores ou pela criminalização das
transferências de capital para esses santuários da corrupção;
- O Chega chora pela saúde pública, mas esconde que propõe o seu
desmantelamento e a privatização do Serviço Nacional de Saúde;
- O Chega preocupa-se com a educação, mas com o exclusivo intuito não só de
acabar com a Escola Pública a prazo, mas de lhe aplicar a receita do Estado
Novo: impor o ensino religioso obrigatório, proibir que se fale dos direitos
das mulheres e das minorias, acabar com a aprendizagem livre da vida em
democracia.
É por isso uma indignidade permitir que esses valores possam, de alguma forma, contribuir para qualquer modalidade de maioria parlamentar, como pretendem o PSD e uma direita em processo de normalização e aproximação da extrema-direita cada vez mais clara a cada dia que passa.
Permitam-me um desabafo final: pertenço a uma das gerações de mulheres e de homens que pagaram com o preço da vida, da liberdade, do exílio, da clandestinidade, o dever de resistir ao fascismo, ao colonialismo e à guerra colonial. Neste ano de 2022, em que a democracia passa a ter mais anos de vida do que o longo calvário da ditadura, apelo a que se honre a memória dessa luta que abriu as portas de Abril e se enfrente a extrema-direita com uma certeza: NÃO PASSARÃO!
Não passarão votando no Bloco como terceira força. Não passarão porque o Bloco é a força melhor colocada para barrar o passo à extrema-direita.
Não te esqueças, e lembra-te da velha palavra de ordem. Nas tuas mãos está o voto do povo. No domingo, traz um amigo também.
Intervenção de Fernando Rosas no comício do Bloco em Almada, 26 de janeiro 2022
*Fernando Rosas -- Historiador. Professor emérito da Universidade Nova de Lisboa. Fundador do Bloco de Esquerda
» Título PG
Sem comentários:
Enviar um comentário