“O PS está livre para formar o governo que quiser”
Pedro Tadeu* | Diário de Notícias | opinião
O medo de um governo de direita, que as inúmeras sondagens anteriores às eleições tornaram, erradamente, uma possibilidade viável na cabeça de muitos eleitores, levaram a uma concentração de votos da população de esquerda no Partido Socialista, com sacrifício do Bloco e da CDU, e originaram uma grande vitória pessoal de António Costa.
O PS está livre para formar o governo que quiser.
É uma vitória ao PSD, é uma vitória aos partidos da geringonça, é uma vitória à direita liberal, é uma vitória à direita nacionalista, e é, finalmente, uma vitória ao Presidente da República.
Na verdade, a vitória eleitoral de António Costa é politicamente tão forte e tão surpreendente que qualquer intenção do Presidente da República em influenciar a formação do próximo governo, o seu programa, as suas opções estratégicas, os parceiros a incluir ou a excluir de acordos de governação, toda a matemática no espaço que o estratega Marcelo Rebelo de Sousa certamente esteve a construir nos últimos meses, se esfumou na decisão emanada ontem dos boletins de voto.
O Presidente da República, ao contrário do que seria de esperar, parece condenado a ter um resto de segundo mandato em que tem de se confrontar com duas opções, face a um António Costa praticamente com as mãos livres para fazer quase tudo o que quiser.
A primeira é o Presidente da República começar a comportar-se com António Costa, em contraste com a convivência simpática anterior, como Mário Soares, no seu segundo mandato, fez com Cavaco Silva, que criticava frequentemente as opções do governo, solidarizava-se com os que se queixavam do primeiro-ministro, parecendo quase um líder da oposição.
A segunda é Marcelo Rebelo de Sousa conformar-se, pelo menos nos próximos tempos, a uma palidez política, a uma secundarização do seu papel, ofuscado pelo aumento de poder de António Costa, à espera de uma qualquer crise que volte a equilibrar para o seu lado a balança da capacidade de decidir os destinos do país, correndo o risco de que isso não aconteça até ao fim do seu mandato.
Qualquer das opções implica, de qualquer forma, que nos próximos tempos o homem que decidiu, glosando o seu discurso de sábado sobre estas legislativas, pela primeira vez na nossa história, que o chumbo de um Orçamento do Estado implicava a convocação de novas eleições, é também um dos castigados por essa antecipação do ato eleitoral.
Esta vitória do primeiro-ministro derrota também uma parte do próprio PS, que parecia estar a deixar de acreditar nele: uns criticavam-no pela sua opção de fazer acordos à esquerda, outros denunciaram a sua responsabilidade pelo fim da geringonça. Agora clamam, todos juntos, vitória.
Isto significa que, a partir de agora, o poder acrescido que António Costa conquistou o tornou igualmente um político mais isolado: todas as decisões que daqui em diante tomar vão-lhe ser imputadas, ninguém mais as atribuirá, para o bem ou para o mal, à necessidade de compromisso, a resultados de duras negociações, a cedências necessárias para manter a estabilidade governativa, que serão, obviamente, marginais. Esse tempo acabou.
Este é, portanto, o tempo para finalmente avaliar o carácter ideológico de António Costa: praticamente sem outros freios que não sejam os das limitações impostas pela União Europeia, livre de oposição interna, livre da influência de Marcelo, iremos ver no poder um homem de esquerda ou um homem de centro?
* Jornalista
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