Branko Marcetic* | Jacobin | Tradução de Cauê Seignemartin Ameni
A CIA vem treinando secretamente grupos anti-russos na Ucrânia desde 2015. Tudo o que sabemos aponta que estes grupos são neonazistas - e eles estão inspirando terroristas de extrema direita no mundo todo.
governo dos EUA tem um histórico
bem documentado de apoio a grupos extremistas como parte de uma panóplia de
desventuras na política externa, que inevitavelmente acabam voltando e
explodindo na cara do público norte-americano. Na década de
Com base em um novo relatório, parece que em breve poderemos adicionar outro conluio a essa lista de lições fatalmente não aprendidas: neonazistas ucranianos.
De acordo com uma reportagem recente Yahoo! News, desde
Dados os fatos, há uma boa chance de que a CIA esteja treinando nazistas, literalmente, como parte desse esforço. O ano em que o programa começou, 2015, também foi o mesmo ano em que o Congresso aprovou uma lei de gastos que incluía centenas de milhões de dólares em apoio econômico e militar à Ucrânia, que foi expressamente modificado para permitir que esse apoio fluísse para milícias neonazista no país, como o Regimento Azov. De acordo com o The Nation na época, o texto do projeto de lei aprovado em meados daquele ano continha uma emenda explicitamente barrando “armas, treinamento e outras assistências” a Azov, mas o comitê da Câmara encarregado pelo projeto foi pressionado meses depois pelo Pentágono para remover a linguagem, dizendo que era falsa e redundante.
Apesar da sua histórica relação com o nazismo – um ex-comandante disse uma vez que a “missão histórica” da Ucrânia é “liderar as raças brancas do mundo em uma cruzada final por sua sobrevivência” em “uma cruzada contra os untermenschen [subhumano] liderados pelos semitas” –, o grupo Azov foi incorporado à Guarda Nacional do país em 2014, devido à sua eficácia no combate aos separatistas russos. Armas norte-americanas fluíram para a milícia, oficiais militares da OTAN e dos EUA foram fotografados se reunindo com eles, e membros da milícia falaram sobre seu trabalho com treinadores dos EUA e a falta de triagem de antecedentes para eliminar os supremacistas brancos.
Diante de tudo isso, não seria surpreendente que os neonazistas de Azov tenham sido treinados no programa clandestino de insurgência da CIA. E já estamos vendo os primeiros sinais de bumerangue da história se repetir.
“Vários indivíduos de grupos de extrema direita nos Estados Unidos e na Europa buscaram ativamente relacionamentos com representantes da extrema direita na Ucrânia, especificamente o Guarda Nacional e sua milícia associada, o Regimento Azov”, afirma um relatório de 2020, do Centro de Combate ao Terrorismo da Academia Militar dos EUA de West Point. “Indivíduos baseados nos EUA falaram ou escreveram sobre como o treinamento disponível na Ucrânia pode ajudá-los em suas atividades paramilitares.”
Uma declaração do FBI de 2018 afirmou que Azov “acredita ter participado de treinamento e radicalização de organizações de supremacia branca sediadas nos Estados Unidos”, incluindo membros do movimento supremacista branco Rise Above, processado por ataques planejados a contra manifestantes em eventos de extrema direita, incluindo o comício “Unite the Right” de Charlottesville. Embora pareça que o atirador do massacre da mesquita de Christchurch não tenha viajado para a Ucrânia como ele afirmou, ele claramente se inspirou no movimento de extrema direita de lá e usou um símbolo usado por membros de Azov durante o ataque.
Desde que assumiu o cargo, Joe Biden lançou uma incipiente “guerra ao terror” doméstica com base no combate ao terrorismo de extrema direita, embora a estratégia vise discretamente atingir manifestantes e ativistas de esquerda também, algo está sendo feito. No entanto, ao mesmo tempo, os três últimos governos, incluindo o de Biden, têm fornecido treinamento, armas e equipamentos para o movimento de extrema direita que está inspirando e até treinando esses mesmos supremacistas brancos.
Destruindo a vila para salvá-la
Vale lembrar o absurdo que é a razão pela qual Washington tem dado assistência aos nazistas ucranianos para que eles possam servir como um baluarte contra a Rússia, que os falcões de guerra comparam, como sempre, ao regime de Adolph Hitler e sua expansão pela Europa na década de 1930. Embora a Rússia de Vladimir Putin possa ser um ator malévolo em várias frentes, as recentes incursões de Putin em Estados vizinhos como a Ucrânia são impulsionadas em grande parte pela expansão da aliança militar da OTAN até suas fronteiras e as implicações de segurança que a acompanham.
Em outras palavras, para frear o que os falcões da guerra classificam como o próximo Hitler e a Alemanha nazista, Washington tem apoiado milícias neonazistas na Ucrânia, que por sua vez estão se comunicando e treinando supremacistas brancos nos EUA, que Washington, por sua vez, está alimentando uma burocracia repressiva ameaçadora para combater. É o que alguns chamam de “enxugando gelo” – as forças de segurança nacional dos EUA estão criando as mesmas ameaças que dizem combater. Em vez de acalmar as tensões simplesmente concordando com as antigas demandas russas de estabelecer um limite rígido para a expansão da OTAN para o leste, Washington aparentemente decidiu que o domínio militar planetário ilimitado é tão importante que vale deitar na cama com fascistas reais.
A aliança dos EUA com a Ucrânia, infectada pelos nazistas, já se mostrou estranha para um presidente que está tentando contrastar com seu antecessor de extrema direita para estabelecer a Casa Branca como líder de um esforço global para fortalecer a democracia. No final do ano passado, em uma votação que passou completamente despercebida na imprensa, os EUA foram um dos dois países (o outro é a Ucrânia) a votar contra um projeto de resolução da ONU “que combate a glorificação do nazismo, neonazismo e outras práticas que possam contribuir para alimentar formas contemporâneas de racismo”. Ambos os países votaram repetidamente contra esta resolução todos os anos desde 2014.
O governo Biden empregou uma explicação quase idêntica e clichê para o voto negativo que Donald Trump usou, citando o direito constitucional à liberdade de expressão mesmo para aqueles com opiniões repugnantes. Mas essa preocupação é difícil de conciliar com o texto, que simplesmente expressa preocupação com memoriais públicos, manifestações e reabilitação dos nazistas, condena a negação do Holocausto e a violência de ódio e pede aos governos que eliminem o racismo por meio da educação e enfrentem ameaças terroristas de extrema direita – tudo mais ou menos alinhada a própria retórica de Biden.
A verdadeira preocupação de Washington aqui reside na descrição da resolução como “tentativas veladas de legitimar as campanhas de desinformação russas que denigrem as nações vizinhas” – ou seja, a Ucrânia. Mas as conexões da Ucrânia com o nazismo moderno estão longe de ser notícias falsas russas, e são de fato extensas e bem documentadas: desde a incorporação oficial de Azov nas fileiras da polícia ucraniana e funcionários do governo com laços de extrema direita até tributos patrocinados pelo Estado a colaboradores nazistas e promoção da negação do Holocausto.
Não é pouca ironia que o presidente dos EUA, eleito em grande parte para deter a marcha do fascismo, continue alimentando essa relação histórica com os nazistas no que pode muito bem ser o nexo do fascismo internacional. E se esses nazistas ucranianos realmente estão entre os insurgentes treinados pela CIA, não será uma tragédia pequena se um dia seguirem a mesma trajetória de Osama bin Laden.
*BRANKO MARCETIC - é escritor da redação da Jacobin e mora em Toronto, Canada.
Publicado em Jacobin em 17/01/2022
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