domingo, 27 de março de 2022

CONTOS POPULARES ANGOLANOS -- Namanengo Condenada à Mayombola

Seke La Bindo*

Namanengo era a mais bela donzela da aldeia de Carimbula. Seu rosto irradiava mais luz que o Sol. Os seus olhos faziam ciúmes à água fresca. Dançava com a leveza das sombras e a elegância do luar. Entre Cassai e Zambeze tinha fama de princesa. Mas todos os homens que se aproximavam, eram repelidos como se fossem bichos venenosos. Até Rihomba, guerreiro indómito, era rejeitado. E foi ele que se enamorou dela, até à loucura.  

Um dia o guerreiro foi ao feiticeiro de uma terra distante, muito para lá do profundíssimo rio Mbiyje terras do indomável Nzetu, à vista do mar do Ambriz. Implorou um feitiço com força para subjugar o coração fugitivo de Namanengo. O feitiço não pegou. 

A bela donzela continuava a rejeitar Rihomba e todos os jovens a pediam em casamento ao pai Xangongo, fabricante de sonoros issanje e divino tocador. Dedilhava o txissanje como um deus amamentado pelos seios da música.

Pai Xangongo percorria as matas à procura de caça e no seu lar a carne era tanta que dormia na panela, depois de toda a família saciada. Esta abundância acabou quando tremenda tempestade derrubou uma árvore que lhe caiu nas costas quando fugia. A força das suas pernas ficou ali, naquele chão enlameado. A mamã de Namanengo morreu de pena, poucos dias depois. 

A bela donzela continuava a atrair os jovens da região que a queriam desposar. Mas a todos ela dizia que era uma pobre muana china e seu pai tinha perdido as pernas na tempestade. Apenas suas mãos garantiam comida para casa e guiavam o pai em todos os momentos, até quando dormia.

As irmãs e os irmãos de Namanengo partiram para outras paragens, alguns foram acalentar-se no Zambeze e colhiam flores do cobre nas chanas e colinas. Pai Xangongo pedia à filha que partisse e o deixasse com os seus issanje e lamentos dolentes que arrancava das palhetas. Mas ela jurou a si mesma que jamais abandonaria o pai. 

Um dia o guerreiro Rihomba fez-lhe uma terrível ameaça:

- Se me rejeitas, peço ao feiticeiro que te condene a percorrer todos os caminhos entre o Lóvua e o Luachimo. 

Namanengo renegou o pretendente. 

Ele voltou à terra distante e pediu ao feiticeiro que reforçasse o feitiço.

- Agora só posso fazer dela uma matumbola, morta que está viva, fria, fria, como as noites de Cacimbo nas águas do Cassai. 

Perdido de ciúmes e despeito, Rihomba aceitou. Quando chegou à aldeia de Carimbula correu para casa de Namanengo e ofertou-lhe um lenço do Congo que estava enfeitiçado. A donzela, por educação, colocou-o na cabeça. Algum tempo depois começou a sentir-se mal. Pai Xangongo começou a inquietar-se com a filha: todos os dias definhava. 

A tristeza envolveu o coração do Pai Xangongo e em breve morreu. Na hora da morte chamou a filha. Com a voz em extinção disse a Namanengo:

- O meu coração diz que estás a ser consumida por um feitiço. Lembra-te que estarei sempre contigo e quando for necessário venho em teu socorro.

Pai Xangongo morreu e Namanengo piorou. Poucos dias depois morreu também e foram enterrá-la debaixo de uma frondosa árvore, no caminho do rio. Rihomba foi buscar o feiticeiro e passado um mês, regressou com ele. 

De madrugada, o feiticeiro e Rihomba dirigiram-se ao túmulo de Namanengo.

Assim falou o feiticeiro:

- Vou vendar-te os olhos, porque se vires alguma coisa, cais fulminado. E amarrou um pano negro nos olhos do guerreiro.

Fez soar um tambor e instantes depois ouviu-se a voz de Namanengo:

- O que queres de mim, Rihomba?

- Perguntas-me o que quero? Desejo-te com todas as minhas forças. Quero defender-te, acariciar-te, fazer de ti a mãe dos meus filhos.

E num arrebatamento abraçou a donzela ressuscitada. Mas o seu belo corpo estava gelado. Seus lábios, insensíveis, seus olhos vidrados. O guerreiro levou-a para casa, atirou-a para a esteira e a donzela, no auge da aflição, implorou ao Pai Xangongo que protegesse a sua castidade. Impuros são os velhos, nada devolve a sua pureza, nem as ilusões do amor. Mas têm tanta vida acumulada, que mesmo depois de mortos são tão poderosos como deus.

O que se ouviu depois do apelo da ressuscitada causou calafrios aos adormecidos habitantes da aldeia. Um trovão ribombou potente fazendo estremecer o mundo. E começou a chover torrencialmente. Um raio fendeu o céu e caiu sobre o túmulo de Namanengo. Quando amanheceu, as camponesas que iam para as lavras viram Rihomba e o feiticeiro fulminados e ainda fumegantes.  

Namanengo desde então vagueia pelas margens do Cassai. Fala, ri, canta, mas o seu corpo está frio, frio, como a mais gelada noite de Cacimbo. É uma eterna matumbola. E da Mayombola ninguém regressa, nunca mais.

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