quinta-feira, 3 de março de 2022

Angola | O NINHO DO TRIBALISMO EM CABINDA E NO LESTE

Artur Queiroz*, Luanda

A democracia é muito mais do que eleições. Para mim é, acima de tudo, o regime que garante as condições que dão expressão à liberdade: Saúde, Educação, Emprego, Cultura, Habitação para todos. Sou frontalmente contra as eleições para o Poder Local em Angola, porque esse instrumento democrático vai seguramente servir para fomentar o regionalismo e o tribalismo. Aliás, já começaram as manobras nesse sentido, nas eleições nacionais. UNITA e CASA-CE vendem a soberania nacional para conseguirem deputados pelo círculo eleitoral de Cabinda.  O PRS segue o mesmo caminho em relação às províncias do Leste de Angola. 

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A História não pode ser ignorada. A Independência Nacional não foi um presente da potência colonial, pelo contrário, resultou da luta armada de libertação dirigida pelo MPLA. Cabinda (II Região Político-Militar) foi palco de heroicos combates. Os guerrilheiros naquela frente conquistaram grandes vitórias. 

Agostinho Neto dizia que Cabinda era um laboratório de quadros do movimento. E é verdade. Alguns dos mais extraordinários combatentes da guerrilha nasceram para a luta revolucionária naquela província. Iko Carreira, Hoji ia Henda, Pedalé, Ndozi, Nzaji, Bolingô, Eurico, Margozo, Delfim, Foguetão, Max, António Jacinto e tantos outros, que já não estão entre nós.  Mas também Kianda, um dos poucos comandantes do Maiombe ainda vivo (que seja por mais mil anos). Ou os jovens que em 1974 se juntaram à guerrilha, como Pedro Sebastião ou Bornito de Sousa.  O laboratório de quadros está a ser corroído por doses maciças de oportunismo e tribalismo. 

Depois a Frente Leste. Um passo extraordinário na luta armada com a abertura da Rota Agostinho Neto. Ainda estão entre nós homens que escreveram no terreno da luta, algumas das mais brilhantes páginas da História de Angola. Estão entre nós, heróicos comandantes como Xiyetu, Toka, Ndalu, Omambwe, Nvunda, Kito, Kasesa, Liberdade. Após grandes vitórias, surgiram movimentos tribalistas, capitaneados por Daniel Chipenda. Causaram retrocessos que exigiram gigantescos esforços para serem ultrapassados.

O PRS de uma forma encoberta e um autodenominado Movimento do Protectorado Português da Lunda Tchokwe (MPPLT) querem fazer o ninho do tribalismo no território da antiga Frente Leste, que incluía as províncias da Lunda Norte, Lunda Sul, Moxico, partes do Bié e do Cuando Cubango. Como sempre, exploram a ignorância e a negligência de políticos distraídos, que estão a fazer do MPLA uma espécie de comissão liquidatária do nacionalismo revolucionário, que conduziu Angola à Independência Nacional.

A agência noticiosa Lusa, sempre atenta ao banditismo político, deu destaque a um comunicado do “movimento” no qual faz ameaças veladas. Leiam: “Inviabilizando o debate sobre a questão (autonomia do protectorado), não há espaço para o diálogo e concertação no momento em que a reivindicação é ainda pacífica”. O Presidente João Lourenço, dizem os tribalistas no seu comunicado, tem de dar a autonomia ao “protectorado” porque “é um direito histórico divino e legítimo do povo tchokwe”.

A “Questão Lunda” existiu e foi uma disputa de décadas entre Portugal e a Bélgica cujo rei (Leopoldo II) era dono e senhor do Estado Livre do Congo (Congo Belga). Os dois países reclamavam a soberania sobre o território do Muata Ianvua (ou Muatiânvua). Os portugueses invocavam que a expedição de Henrique de Carvalho à mussumba do soberano, no ano de 1884, “foi organizada com o fim de tornar esses contactos em laços de soberania efectiva”.  

A disputa só terminou com a Conferência de Luanda, que decorreu na capital de Angola entre 16 e 22 de Julho de 1927. Assim ficaram definidas as fronteiras através da troca da região de Mia pela do Dilolo, vulgarmente conhecida pela Bota do Dilolo, sendo o bico da bota, o saliente do Cazombo. Por parte de Portugal assinaram Vicente Ferreira e Carvalho e Vasconcelos e, em representação do Estado belga, F. Cattier e Martin Rutter, governador do Estado Livro do Congo.

Durante a Conferência de Luanda foram assinadas quatro Convenções: Política Sanitária Comum; Estradas, Contrabando Fronteiriço, Regimes Aduaneiros e a Barragem de Mpozo; Livre Circulação de Pessoas e Bens Belgas pelo Caminho-Ferro de Benguela (CFB) e Porto do Lobito e de Portugueses pelo Território e Caminhos-de-Ferro Belgas no Congo e a Troca de Territórios.

A convenção da troca de territórios responde cabalmente aos tribalistas acobertados por Rafael Marques e outros tribalistas. Vejamos: A Bélgica cedeu a Portugal os territórios entre a confluência dos rios Cassai e Luacano, até ao ponto mais próximo da origem do rio Luau, indo uma linha recta deste ponto à origem do rio e, deste, até à confluência com o rio Cassai e para montante deste, até à confluência do rio Luacano, com a superfície total de 3.500 km².

Portugal cedeu à Bélgica um território entre a confluência dos rios Duizi e Mpozo até a um ponto que distanciava entre os dois rios, cerca de 2300 metros, com a área de 3 km². Esta faixa de território foi muito importante porque permitiu ligar todo o território da colónia ao Porto de Matadi, por caminho-de-ferro. O Tratado de Loanda foi ratificado em 2 de Março de 1928 e a troca oficial verificou-se em 15 de Maio de 1928.

Antes, em 1894, foi assinado entre os dois países, o Tratado de Lisboa cujo Artigo 1º refere o seguinte: “Na região da Lunda, as possessões de Sua Majestade o Rei de Portugal e dos Algarves e de Sua Majestade o Rei dos Belgas, Soberano do Estado Independente do Congo, são delimitadas no seguinte modo: 

1.º Pelo thalweg do curso do Cuango desde o paralelo de 6° de Latitude Sul até ao paralelo de 8°; Pelo paralelo de 8° até ao seu ponto de intersecção com o rio Cuilo, pelo curso do Cuilo na direcção norte até ao paralelo de 7° de latitude sul; Pelo paralelo de 7° até ao rio Cassai. 

2.º Fica entendido que o traçado definitivo da linha de demarcação dos territórios compreendidos entre os paralelos de 7° e 8° de latitude sul, desde o Cuango até ao Cassai, será executado ulteriormente, tomando em consideração a configuração do terreno e os limites dos estados indígenas. Os estados de Maxinge (Capenda) e de Cassassa, cuja fronteira setentrional segue ao longo do paralelo de 8° desde a margem direita do Cuango até ao curso de Cuilo, o estado de Amucundo (Caungula), que tem por limite ocidental a margem direita deste último rio e toca no paralelo 7°, assim como o de Mataba (Ambinje), que se estende até á mesma latitude e vai terminar na margem esquerda do Cassai, ficarão sob a Soberania de Sua Magestade o Rei de Portugal e dos Algarves. 

Os estados do Mussuco (Cambongo) e de Anzovo cuja fronteiras meridionais seguem ao longo do paralelo de 8° desde o Cuango até ao Cuilo e os de Cassongo (Muene Puto) Tupeinde (Muata Cumbana) e Turuba (Mai Munene) ficarão debaixo da Soberania de Sua Majestade o Rei Soberano do Estado Independente do Congo. 

3.º Pelo thalweg do Cassai, desde o ponto de encontro deste rio com a linha de demarcação mencionada no parágrafo precedente, até à foz do seu afluente que nasce no lado Dilolo, e pelo curso deste afluente até à sua origem.  A região a oeste do Cassai pertencerá a Portugal; a região a leste deste rio ao Estado Independente do Congo. 

4.º Pela linha divisória das águas do Zaire (Congo) e das do Zambeze até à sua intersecção com o meridiano 24° de longitude este de Greenwich. 

Em anexo a este trabalho envio cópias do Tratado de Loanda (luso-belga), quando foi publicado no Diário do Governo Português. Pode ser que acabe por chegar às mãos dos tribalistas de Rafael Marques, mas também do Executivo. Pode ser que ninguém saiba da existência deste documento que em 1928, fechou definitivamente as fronteiras de Angola. O actual mapa do nosso país, nasceu com este documento.

*Jornalista

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