segunda-feira, 18 de abril de 2022

CONTOS POPULARES ANGOLANOS

A Viagem do Macaco às Costas do Jacaré

Seke La Bindo

Era uma vez um macaco cheio de fome. Percorreu a floresta à procura de fruta mas nada encontrou. Um dia, fraco e cansado, chegou à margem do rio Lulondo, ali onde Ngoyo e Kakondo são separados pelas águas. Na outra margem estava um bananal carregado de bananas douradas. Mas os macacos não sabem nadar. Para atravessarem os rios, agarram-se à cauda uns dos outros, atiram-se ao rio de uma vez e deixam-se levar pela corrente até que o primeiro chega à margem, saindo um por um para terra. Mas aquele macaquinho faminto estava só: A fome separou-o da sua família.

O macaco estava a pensar numa forma de atravessar o rio sem se afogar, quando viu um jacaré nadando silenciosamente ao seu encontro.

- Jacaré, podes levar-me para a outra margem? Tenho muita fome e quero ir comer aquelas bananas madurinhas que brilham ao sol!

O jacaré disse logo que sim, foi para terra e o macaco subiu para a carapaça das suas costas. Começou a nadar muito lentamente para que o macaco não caísse à água. Quando já estavam no meio do rio, ele parou e disse:

- Amigo macaco, a minha família está muito doente. Têm todos uma doença rara. O Nganga disse que só há uma maneira de curá-los, é dar-lhes de comer um pedacinho de coração de macaco. Dás-me o teu coração para salvar a minha mulher e os meus filhinhos?

O macaco ficou preocupado porque estava refém do jacaré. Para sair daquela situação difícil tinha que ser inteligente. Então teve uma ideia luminosa:

- Meu caro amigo! Fizeste mal não me teres avisado antes de começarmos a viagem. Eu deixei o meu coração em cima daquela árvore grande. Volta para trás que eu vou buscá-lo para to oferecer. 

- Mavanga…bubi manga ku kamba ke minui manga nata ntim’ami. Minu mbikizi wau vana vumongo nti. Kuna lixima li-nti.

O jacaré deu meia volta e regressou à margem. Quando o macaco se apanhou no alto de uma mafumeira gritou ao jacaré:

- Meu amigo, se alguém te disser que deixou o coração seja onde for, não acredites. Ninguém anda sem o coração a bater no peito. É uma coisa que não se pode dar a ninguém.

O jacaré ficou furioso, bateu com o rabo nos arbustos da margem, abriu a bocarra, esperneou e ameaçou. Mas depois, conformou-se com a situação. Compreendeu que se foi enganado pelo macaco, ele tinha enganado em primeiro lugar. 

Já mais calmo, disse ao macaco:

- Podes vir que eu levo-te para matares a fome na outra margem. Na minha família ninguém está doente e eu apenas queria comer-te.

O macaco era muito desconfiado mas achou que o jacaré estava a ser sincero. Por isso desceu da mafumeira e voltou a subir para a carapaça das suas costas. Quando começou a viagem disse ao amigo:

- Aceitei atravessar o rio contigo não por ter fome, mas para mostrar que confio em ti.

O jacaré desta vez levou a viagem até ao fim e ficou deitado ao sol a ver o macaco encher a barriga de bananas douradas. Desde esse dia, o macaco e o jacaré ficaram amigos para sempre. 

Moral da história: a confiança não pode ser traída e sem a confiança dos outros valemos pouco ou nada.


CONTOS POPULARES ANGOLANOS -- Kufa e o Dia Universal da Tristeza

Seke La Bindo

Kufa era um menino sem pai nem mãe e a família fugiu dele como a noite foge do Sol. Nasceu sem nada e nada tem a não ser uma pedrinha de sal e um tugúrio onde se refugia da chuva e do frio. Foi abandonado para sempre quando no jango contou aos mais velhos que viu no grande rio Queve uma lebre amarrar a pata do hipopótamo a uma árvore da margem. 

Os velhos sentenciaram: 

- Quem fala assim é feiticeiro.

Desde então Kufa repete para si o que ouviu à lebre na margem do rio Queve:

- A ngeve, ofuka yove yeyi. Linga hupandeke v’okulu, onale mwele popó! Ó hipopótamo, a tua dívida está aqui. Deixa que te prenda a perna, para puxares com toda a tua força! 

E ele aceitou. 

A lebre é dona de muitas artimanhas e até dizem que convenceu a leão a comer os filhos. Quem a conhece sabe que a sua inteligência ofusca até a luz do dia. Os mais velhos erraram quando baniram Kufa. É verdade! A lebre amarrou mesmo o hipopótamo na grande árvore da margem do rio.

O menino passava o dia colhendo frutos silvestres. Colocava armadilhas nas lavras para apanhar coelhos. As lebres nunca se deixam apanhar. Tinha poucos anos de vida mas já conhecia aquelas terras melhor do que os mais velhos. Percorria todos os caminhos mas foi mais além: Rasgou caminhos novos, entre o vale e a montanha, das lavras até ao rio, do rio às nuvens. 

Aquelas nuvens baixas que indicam a chuva. Ou as altas nuvens das trovoadas. Kufa aprendeu a vida pelo livro que escrevia dia após dia, hora a hora. Um dia houve grande alarido na aldeia. As mulheres do soba foram à lavra e encontraram apenas as canas do milho. Até parecia que mãos invisíveis tinham apanhado todas as espigas. Aquilo era obra de um feiticeiro com imenso poder, capaz de secar o rio e comer vidas. Todos os dedos foram apontados em direcção ao tugúrio de Kufa. 

Quando ao entardecer ele chegou ao tugúrio com um coelho que tinha apanhado na armadilha, ouviu-se um grande clamor:

- É ele, é ele! Foi Kufa que colheu o milho e devorou as espigas!

O menino ficou atordoado e sem ânimo para continuar a andar. Estava estarrecido, paralisado. Olhava temeroso para aquela gente que o desprezava e agora lhe fazia uma terrível acusação: Era o ladrão da aldeia!

Mas Kufa nunca até então tinha posto a mão num fruto alheio, nunca tirou uma espiga madura, jamais tocou nos úberes das vacas ou das cabras para beber um pingo de leite. O menino só queria o que era da natureza. E até àquele dia, ela tinha-lhe dado frutos silvestres em abundância, muita água, pequenos animais que comia, cozinhando-os alta madrugada, nos restos de fogo do jango. Nunca sequer tinha pedido nada aos vizinhos. Porque sentia a hostilidade e o desprezo que lhe dedicavam.

Kufa nunca se abeirou de um mais velho para lhe pedir um ensinamento ou uma informação. Fazia tudo pelo tino, reminiscências do que vira fazer a seus pais, ainda mal andava.

- Eu não sou um ladrão! – Disse Kufa com a voz sumida, quase imperceptível.

E novo clamor se levantou:

- Este é o ladrão, o feiticeiro. É ele que come vidas!

O menino começou a chorar silenciosamente e deixou cair o coelho ao chão. Estava sem forças e só lhe apetecia morrer. 

O soba então falou. Todos o ouviram respeitosamente em silêncio. Só Kufa continuava a chorar. 

- Se não foi ele que roubou as espigas então foi o feiticeiro que vive nele! Mas não podemos castigá-lo porque pode lançar todas as desgraças sobre a nossa terra. A partir de agora ele fica proibido de se aproximar das nossas lavras. Só pode andar pelos caminhos de pedras e espinhos.

Aos poucos as pessoas foram-se afastando, temendo que Kufa fizesse lançar logo ali uma grande desgraça sobre a aldeia. O soba ficou sozinho, frente ao menino:

- Se voltares a roubar serás amarrado por uma perna na grande árvore do rio e ali ficarás para sempre.

E assim Kufa foi escravizado. Quem não pode percorrer livremente os caminhos perde a dimensão da humanidade.

Agora todos os aldeãos lhe chamam ladrão. Os meninos da aldeia desprezam-no. Ele nasceu enjeitado e assim vai morrer.

Vosi vakuêmbo volukisa otjimunu, omala l’akwavo vokupula, kuvapapala vali l’ae.

Assim nasceu a tristeza no nosso mundo.

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