quarta-feira, 6 de abril de 2022

CONTOS POPULARES ANGOLANOS

A Promessa Trágica de Tchilongo

Seke La Bindo

Mbaca Nzau e Mandimbo Mambandala, grandes senhores, namoravam a mesma mulher. Tchilongo apaixonava com os dois e cada qual tinha uma amiga íntima para transmitir recados. E essa era também a mesma, velha Mbianga.

Tchilongo tinha um amor secreto com Mbaca Nzau, um jovem poderoso. E um amor mais secreto ainda com Mandimbo, o chefe da música. Eram ajudados pela velha Mbianga na conquista de Tchilongo. Tinham encontros amorosos incendiários, ainda que breves, porque entre a paixão e o amor erguia-se sempre a sombra do outro.  

A velha Mbianga afinal era camboladora dos dois apaixonados. Merece castigo? Nunca. O tráfico do amor dá mais prazer do que dor. É positivo!

Tchilongo jurava fidelidade a Mbaca Nzau e a Mandimbo Mambandala. Jurava e trejurava aos dois que caso os traísse se transformaria em pedra de caminhos abandonados.

Ora um dia Tchilongo encontrou-se com Mbaca Nzau, quando foi surpreendida pelo pai, um homem cruel que odiava o amor sob todas as formas. Ele descobriu o ninho dos amantes porque andava desconfiado  que a Velha Mbianga era camboladora. 

O pai de Tchilongo foi mesmo muito cruel. Arrancou os cabelos de Mbianga até ela confessar tudo. E por fim foi obrigada a levar o cruel homem ao ninho do amor. 

- Vão morrer os dois, exclamou o crudelíssimo quando viu Tchilongo e Mbaca Nzau nas suas conversas amorosas e gestos ternos. A Velha Mbianga e Tchilongo tiveram artes de fugir incólumes e foram a casa de Mandimbo Mambandala pedir um socorro. 

- Meu pai quer me matar!

Os jovens apaixonados fugiram para a floresta. No momento em que iam beijar-se Tchilongo transformou-se em pedra. Afinal tinha traído o amante morto e o vivo ficou com um grão de areia nas mãos. Fugiu para o Alto Maiombe e constituiu família com uma gorila elegante, belíssima e muito boa mãe.

A velha camboladora foi perseguida pelo pai de Tchilongo até ser degolada, ali mesmo, no ninho dos amantes. Grande tristeza escorreu até aos rios e riachos. No local onde caiu a cabeça decepada começou a crescer um morro verdejante, cheio de luz, mesmo nas noites mais cerradas de escuridão.

Alguns anos depois Mandimbo Mabiala  voltou ao local donde tinha deixado a velha Mbianga pela última vez. No fundo queria saber se a sua história tinha acontecido mesmo ou era uma alucinação. Lá, onde aconteceu a grande tragédia, estava um grande morro, baptizado pelo povo de Cabeça da Velha. Sim, era a cabeça da camboladora elevada à altura das nuvens. Era a prova eterna da traição de Tchilongo.

Moral da história: Nunca devemos fazer juramentos nem de amor, porque a vida tem imprevistos.

CONTOS POPULARES ANGOLANOS -- Kapavasa e a Sabedoria das Mães

Seke La Bindo

Kapavasa era mais velho do que a serra da Chela e tinha artimanhas de feiticeiro. O seu olhar atraía o bambi e os grandes nunces das savanas. Os seus cânticos aliviavam doenças e prendiam corações. Com as moças novas parecia um jovem caçador. Com as velhas perdia o andar e curvava o rosto até ao chão. 

A fama dos seus sortilégios chegava até aos confins dos Gambos e muito para lá de todos os rios e riachos conhecidos ou escondidos nos areais. 

Viyalu era um jovem vaidoso que queria ser rei dos ares e das florestas. Sonhava casar com todas as meninas bonitas da região. Mas era sempre rejeitado.

Um dia foi procurar o velho Kapavasa no seu arimo escondido para lá do grande rio. O caminho estava cheio de pedras e espinheiras. Quando Viyalu chegou à terra dos sortilégios, tinha os pés em sangue o corpo retalhado pelos espinhos. Metia pena aos corações empedernidos e asco aos cães tinhosos.

- O que fazes tão longe dos caminhos abertos? – Perguntou Kapavasa.

- Venho pedir-te o sortilégio do amor e a força do leão das anharas.

O velho agasalhou-o em sua casa, limpou-lhe as feridas e deu-lhe comida. Quando Viyalu ficou com ar de ser humano, Kapavasa disse ao jovem vaidoso:

- Oviyalu vya hima viipola k’enyana avilieta k’ongongo! Os devaneios da tartaruga levam-na a sair do conforto do rio e a aventurar-se no areal. 

Dito isto o velho Kapavasa soltou uma gargalhada sarcástica e acrescentou:

- Quando as feridas dos teus pés sararem, regressa ao teu rio porque lá terás tudo o que precisas. Ninguém vai beber água para o deserto.

Viyalu percebeu que tinha feito uma triste figura e sentiu-se humilhado. Ninguém pode ter tudo, é preciso aprender a viver com o que está à nossa volta. O desconhecido pode esconder a fortuna, mas também a desgraça.

Para Viyalu não se sentir tão humilhado que carregasse para sempre uma inferioridade dolorosa, Kapavasa contou-lhe uma história que vivera há muitos anos nas terras da Huíla. 

Era uma vez uma terra chamada Muhandyalakata, onde existia muita fartura, pouco frio e os ventos eram suaves. Nessa aldeia harmoniosa havia um jovem louco, que se chamava Mbambi.

O homem passava os dias vagueando por montes e vales, falando sozinho sem querer saber dos que o rodeavam. Por vezes parava numa colina e desafiava o mundo com a sua loucura. Apenas lhe respondiam os passarinhos e a brisa breve. 

Um dia Mbambi acercou-se dos seus vizinhos da aldeia e um velho bondoso ofereceu-lhe uma laranja suculenta. O louco tirou cuidadosamente a casca e depois começou a comer o fruto, gomo a gomo. 

Os jovens provocavam-no em grande algazarra, para ele fazer os disparates próprios dos loucos. Mas ele alheou-se de tudo e saboreava a sua laranja. Até que um jovem se acercou de Mbambi e disse:

- Dá-me a tua laranja, tenho fome!

- Não dou, que ela é doce e saborosa! – Respondeu o louco.

O velho bondoso soltou a sua voz de comando: 

- Ame ndyinyoko! Eu sou a vossa mãe!

O silêncio invadiu a aldeia e apenas se ouviam os suspiros de prazer de Mbambi. 

- Um coro desafinado perguntou: 

- O que temos que saber?

O velho respondeu sorridente:

- Vocês pensavam que naquela cabeça só há maluqueira varrida, mas estão enganados. Na hora da verdade ainda há um resto de juízo! No mundo tudo tem uma face oculta.

Viyalu compreendeu a lição de Kapavasa e preparou a trouxa a fim de regressar a casa quando o sol nascesse. 

- Nunca mais percorras caminhos fechados, cheios de pedras e espinhos, procurando o que tens perto de ti e dos teus. Não há feitiço que se sobreponha à vontade humana e aos que amam a liberdade.

Ao amanhecer Viyalu partiu de regresso ao seu chão, lá longe, nos Gambos. Quando pegou na trouxa e se preparava para percorrer o doloroso caminho do regresso, Kapavasa deu ao jovem um abraço e disse em surdina estas palavras:

- Quando quiseres saber se está frio, pergunta ao cão, mesmo que ele esteja à beira da fogueira. Mas se quiseres saber o que fazer, nunca te esqueças que a medida da harmonia e do sucesso é o bom senso. E sobre isso só podes interrogar a tua mãe: Outalala pula k’ombwa. Onondunge pula ku nyoko.

Viyalu regressou a casa e viveu em paz, aceitando o que suas mãos conseguiam e a luz dos dias, mesmo os mais sombrios. Aprendeu que quando se trata de bom senso, os velhos muito velhos dizem aos jovens perdidos: Ame ndyinyoko! Eu sou vossa mãe! 

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