terça-feira, 5 de abril de 2022

Extrema-direita francesa em ascensão. Marine Le Pen com recorde de popularidade

Depois de uma década a tentar melhorar a imagem da União Nacional, partido de extrema-direita anti-imigração cuja liderança herdou do pai, Marine Le Pen alcançou esta semana recordes nos índices de popularidade e nas sondagens para as presidenciais francesas, que acontecem já neste mês de abril.

As mais recentes sondagens não só deram a Marine Le Pen o segundo lugar nas intenções de voto, como encurtaram a margem entre a candidata de extrema-direita e o atual chefe de Estado, Emmanuel Macron.

Segundo o Instituto Francês de Opinião Pública, 47 por cento dos eleitores em França pretendem votar em Le Pen, enquanto 53 por cento dizem querer votar em Macron. Esta é, até agora, a margem mais estreita entre os dois candidatos ao Palácio do Eliseu.

Em 2017, o atual presidente derrotou a adversária de extrema-direita ao alcançar 66 por cento dos votos.

Indiferentes ao aumento da popularidade da líder da União Nacional, os seus rivais políticos continuam a retratá-la como racista, xenófoba, antissemita e antimuçulmanos. No entanto, entre a população a imagem de Le Pen sofreu um volte-face.

Agora, aos 53 anos e na terceira candidatura presidencial, tornou-se a segunda personalidade política preferida em França, ficando apenas atrás do antigo primeiro-ministro de Emmanuel Macron, Edouard Philippe, segundo o recente barómetro político da Elabe.

A estratégia de Le Pen tem passado por propostas de melhoria da qualidade de vida, o que lhe pode valer especial simpatia do público numa altura em que a guerra na Ucrânia está a fazer disparar os preços da energia.As eleições presidenciais de França estão marcadas para 10 de abril, com uma segunda volta agendada para 24 do mesmo mês.

O Governo de Macron já relembrou, porém, que a candidata de extrema-direita está ligada ao presidente russo, Vladimir Putin, que visitou em 2017. “Ela é perigosa”, alertou na semana passada o ministro do Interior, Gérald Darmanin. Também o atual presidente Macron avisou que as pessoas estão “a desviar o olhar” da realidade que é o programa radical de Le Pen, começando a vê-la como “mais simpática”.

Elisabeth, uma cidadã francesa de 68 anos auscultada pelo Guardian, explicou que sempre votou na esquerda política. Agora, porém, assume que votará em Marine Le Pen. “As pessoas costumavam pensar que a Marine era má. Agora percebem que não é. Outros políticos estão a copiar as suas ideias. Agora todos falam como ela”, explicou. “Le Pen irá baixar os impostos e pôr mais dinheiro nos nossos bolsos”.

Presidenciais de 2022 são as mais extremistas da história moderna francesa

Marine Le Pen não é a única candidata de extrema-direita a concorrer ao Eliseu nas eleições de abril. O antigo comentador político Eric Zemmour, que já foi condenado por incitações ao ódio racial, está a usar na sua campanha eleitoral uma linguagem ainda mais controversa do que a de Le Pen.

Tem também apoiado teorias da conspiração, entre as quais a apelidada de “grande substituição”, segundo a qual as populações locais francesas poderão ser substituídas por imigrantes, implantando uma maioria muçulmana e colocando a França nà beira da guerra civil.

Segundo as sondagens, Eric Zemmour e Marine Le Pen arrecadam, em conjunto, cerca de 30 por cento das intenções de voto na primeira volta das eleições.

Analistas políticos acreditam que o aparecimento de Zemmour tem ajudado Le Pen. “Aconteceu algo espantoso durante esta campanha. O radicalismo de Eric Zemmour suavizou a imagem de Marine Le Pen”, explicou ao Guardian o cientista político Bruno Cautrès. “Para muitos eleitores, ela é menos radical, parece menos agressiva e possui mais respeitabilidade do que Zemmour”.

Esta pode ser, efetivamente, apenas uma questão de aparências. Na prática, a política rígida de Le Pen não se alterou e pode até ser conciliada com a de Zemmour. A líder da União Nacional prometeu já um referendo sobre a imigração e quer reescrever a Constituição francesa para garantir que “a França é para os franceses”.

Com esta proposta, Le Pen pretende priorizar os nativos e deixar para segundo lugar os que vieram de fora, em áreas como benefícios sociais, habitação, emprego e saúde. Quer ainda banir o uso de hijabs (peças de roupa usadas por mulheres muçulmanas para cobrir a cabeça) em locais públicos, por considerar que são “um uniforme de ideologia totalitária”.

Muçulmanos atribuem estigmatização às políticas de Macron

Na comunidade islâmica, há quem aponte o dedo não só à extrema-direita, mas também às políticas de Emmanuel Macron, nomeadamente uma lei adotada no verão do ano passado para combater o radicalismo islâmico, travando o financiamento estrangeiro de grupos religiosos.

“Uma das maiores consequências do mandato de Macron é o aumento da estigmatização do Islão e da sua comunidade em França”, referiu à Al Jazeera Julien Talpin, investigador de Ciências Políticas.

Já o investigador Olivier Esteves nota que pessoas com sinais físicos de crenças religiosas, como o hijab, enfrentam tremendas dificuldades no mercado de trabalho.

“Temos pessoas com elevado grau de educação e com cursos superiores que sentem que a sua única opção caso queiram permanecer em França é trabalhar num supermercado”, lamentou à Al Jazeera.

Joana Raposo Santos - RTP

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