domingo, 1 de maio de 2022

DESNETIZAÇÃO DE ANGOLA ESTÁ EM MARCHA -- Artur Queiroz

Artur Queiroz*, Luanda

Último dia de Abril e amanhã fica para trás o mágico 25, marco da revolução que em Portugal acabou com a censura prévia à Imprensa. Derrubou o regime colonialista e fascista. Pôs fim à guerra colonial apoiada pela OTAN (ou NATO) e pelo estado terrorista mais perigoso do mundo (EUA). Otelo Saraiva de Carvalho e seus companheiros do Movimento das Forças Armadas (MFA) merecem todos os elogios, toda a gratidão, total reconhecimento. 

Em Abril de 1975, o Governo de Transição tentou impor a censura aos noticiários da Emissora Oficial de Angola (RNA). Dei uma de chefe e recusei. Nunca aceitei censores. No tempo da censura prévia escrevia o que entendia e se a comissão de censura cortasse a reportagem ou a crónica, não reescrevia. Não emendava. Não transigia. Paguei caríssimo por isso. Mas valeu a pena. No final da minha vida volto a ser vítima de censura. Coitados dos censores. Os meus textos circulam na mesma. E quando deixarem de circular, arranjarei outras formas de comunicar. Provavelmente ainda mais eficazes.

Neste Maio vamos ficar a apenas quatro meses e meio do 17 de Setembro, Dia do Herói Nacional. António Agostinho Neto. Figura incontornável da História Universal. O dirigente político mundial que conseguiu as mais retumbantes vitórias no século XX. Dirigiu a luta dos angolanos até à conquista da dignidade, da cidadania e da liberdade. Derrotou o colonialismo português, pondo fim ao último império colonial. Lançou as bases para a libertação de África do regime de apartheid da África do Sul. Deu o mais decisivo impulso à libertação do Zimbabwe, Namíbia e África do Sul. Esta é a sua dimensão política. No fabuloso Mosaico Cultural Angolano é uma voz singular e de uma dimensão inigualável. Até hoje.

No dia 18 de Setembro de 2021 começou o Ano do Centenário do Nascimento de Agostinho Neto. A Fundação Dr. António Agostinho Neto  (FAAN) preparou atempadamente as comemorações. Em 2018 criou a comissão preparatória, constituída por várias instituições nacionais e estrangeiras, entre as quais a TPA e a RNA. O Executivo nomeou uma Comissão interministerial para organizar as comemorações do centenário. 

A conta bancária da Fundação Dr. António Agostinho Neto (FAAN) está bloqueada. O Executivo garantiu que ia disponibilizar fundos para a instituição realizar o seu trabalho. Até hoje, dia 30 de Abril, nem um centavo. Apesar da penúria, no dia 5 de Maio vai decorrer, na sede da UNESCO, em Paris, Dia da Língua Portuguesa na instituição, a celebração do centenário de Agostinho Neto. A FAAN vai outorgar a Ordem Sagrada Esperança a artistas, escritores e intelectuais de todo o mundo, muitos deles membros da Academia Francesa, que subscreveram, em 10 de Novembro de 1955, petições para a libertação de Agostinho Neto quando estava preso pelos colonialistas de Lisboa.

Eis os seus nomes: Jean Cocteau, Louis Aragon,  Jean-Paul Sartre, Tristan Tzara, Henri Lefebvre, Vercors (Jean Bruller), Elsa Triolet, Simone de Beauvoir, Nicolás Guillén, André Kedros, Claude Morgan, Anconta Pitoeff, Diego Rivera, David Sisqueros, François Mauriac, Georges Duhamel, François Jourdain, Stanislas Fumet, Claude Roy, René Maublan, Charles Vidrac, Martin Chauffier, Claude Aveline e René Jouflet. O melhor do que existia no mundo, nessa época. A outorga a Nicolas Guillén será feita na Embaixada de Cuba em Paris e a de Diego Rivera e David Sisqueros, na Embaixada do México também na capital francesa.

Ainda em Paris ou em Bruxelas vai ser lançada a tradução para francês do livro do nigeriano Ebenezer Adedeji Omoteso “Idéologie et engagement chez Agostinho Neto et Léopold Sédar Senghor: une approche comparative”. O tradutor foi Sébastien Périmony. 

Neste Abril, dia 27, abriu a Cátedra Agostinho Neto na Universidade de Morón, Buenos Aires. O embaixador da República de Angola, Fidelino de Jesus Peliganga fez um discurso notável, traçando a trajectória de Agostinho Neto como libertador de África. Já existem as Cátedras Agostinho Neto no Porto e em Roma.

Nas Comemorações do Centenário do Nascimento de Agostinho Neto, a FAAN vai lançar a sua poesia em kimbundu, umbundu, cokwe e kikongo. Fruto de uma longa parceria com a coordenação l do Professor Abreu Paxe, os supervisores linguísticos, Professor Zavoni Ntondo e Professor Mbiavanga Fernando, a tradutora Mestra Josefa Teresa Mige Conde e o Dr. Gabriel Chimbaieca. TPA e RNA até hoje ignoraram as comemorações. Nem sequer deram notícia da inauguração da Cátedra Agostinho Neto em Buenos Aires.

A FANN faz a sua parte. E o Estado Angolano? A Ucrânia, em 2014, avançou com a descomunização do país, aprovando um pacote de leis anticomunistas. A Federação Russa, em Fevereiro de 2022, iniciou a desnazificação da Ucrânia. Em Angola decorre, com assinalável êxito, a desnetização. Acabar de vez com o exemplo a vida e a obra de Agostinho Neto. Desnetizar é a palavra de ordem. Contrariada hoje pelo MPLA na Lunda Norte. O governador Ernesto Muangala é um grande dirigente do velho MPLA. No seu discurso não se cansou de contrariar a desnetização. Arrisca a prisão!

Porque Agostinho Neto não foi nada. Quem o ensinou a escrever poemas foi o Filipe Zau. Quem dirigiu a luta armada de libertação nacional foi o presidente João Lourenço, Neto apenas posava para a fotografia. Quem criou a República Popular de Angola foi o Adão de Almeida e o Doutor Tutio Fruti. Neto não fez nada.

As Comemorações do Centenário do Nascimento de Agostinho Neto, oficialmente, até agora nada de nada. Finalmente comecei a perceber porque temos três ministros em um. Ministro do Ambiente está apostado em destruir qualquer sinal de políticas ambientais. O ministro do Turismo vai acabar de vez com a indústria. Nos aeroportos e portos nacionais, os turistas vão ser recebidos pelos bandidos do Nelito Ekuikui e pelos matadores do Abílio Camalata Numa. As paredes vão estar engalanadas com fotos das fogueiras da Jamba. Melhor é impossível. O ministro da Cultura vai manter a dita ao nível da planta dos pés. E se alguém der um pio de protesto, é logo espezinhado.

A desnetização de Angola está em marcha. As e os desnetizadores merecem um prémio chorudo. Que sejam distribuídos por essas e esses heróis, os biliões que Adão de Almeida diz que já foram recuperados na luta contra a corrupção, mas que os Tribunais ainda não decidiram. Sua excelência ainda não percebeu que ao fazer tais declarações está a colocar o Poder Judicial sob a suspeita de que quando as magistradas e os magistrados judiciais proferem as sentenças, elas já estão redigidas pelo Doutor Tuti Fruti.

Um aviso de amigo para amigo, camarada para camarada. Não vão conseguir desnetizar Angola. Guardem as vossas forças para derrotar a UNITA nas eleições. Há que desunitar Angola de uma vez por todas. Isso sim.

*Jornalista

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