sexta-feira, 15 de julho de 2022

Angola | AGOSTINHO MANDOU ENTREGAR – Artur Queiroz

Artur Queiroz*, Luanda

Em criança andava sempre enraivecido, espumava ressentimento e muitas vezes gritava insultos. Na escola, no caminho, no campo de futebol, no clube, nas festas, nas desgraças, em tudo quanto é sítio a lengalenga era sempre a mesma. Os pretos são ladrões. Os pretos não trabalham. Os pretos são burros. E eu sabia que eram roubados por comerciantes desalmados. 

Quando os camponeses iam vender o café, os comerciantes roubavam no peso e no preço. Quando compravam um litro de vinho o comerciante só media meio litro. Quando compravam dois metros de pano, só mediam um metro e meio. Grandes ladrões!

Os pretos trabalhavam desde os primeiros raios de sol até ao fim do dia. Muitas vezes, a chicote e palmatoadas. Se os colonos trabalhassem um décimo das horas, caíam mortos. Nunca vi ninguém trabalhar tanto. Aqueles analfabetos desalmados ficavam ricos à custa do trabalho escravo dos negros.

O meu professor de eleição chamava-se Tuma. Já o conheci velho, cabelos todos brancos, barbicha branca, voz serena, carinhoso. Quando abusava, dava-me umas palmadas e ameaçava: se disseres ao patrão vou-me embora e nunca mais me vês. Eu ficava caladinho. Com Tuma aprendi que a liberdade é como o voo do passarinho e o destino é incerto como a folha da bananeira fustigada pelo vento. Tudo o que aprendi desde então, pouco ou nada vale. Salvo as lições de honra e dignidade que aprendi sob a bandeira do MPLA.

Os colonos já partiram há muito tempo, Mas em Portugal continuam a olhar para Angola com o mesmo espírito racista. Os pretos são todos uns ladrões. São todos uns corruptos. Em Angola têm uns quantos criados que amplificam os insultos racistas, sendo eles também negros. Uns seres desprezíveis que Fanon não conseguiu encaixar em nenhum retrato. Estou a falar de bandidos da palavra como Rafael Marques, Carlos Rosado de Carvalho, o bêbado da valeta, o motorista do RI20 que agora pertence à Academia Angolana de Letras e mais uns quantos (felizmente poucos) leprosos morais.

Como se atrevem? Da mesma forma que se atreveram a ocupar Angola: Fingindo amizades que não têm, solidariedade que é facada nas costas, fraternidade que é traição. O António Lobo Xavier insultou a memória do Presidente José Eduardo dos Santos na CNN Portugal. Um fascista dissimulado, um ignorante, um criado de servir o dono que lhe paga mais. Quando foi convidado a pronunciar-se sobre a morte do anterior Chefe de Estado, se tivesse a noção da honra e da dignidade, recusava. Porque ainda criado do Belmiro de Azevedo participou na querela que o opôs a Isabel dos Santos. Porque tem interesses pessoais na matéria. 

Então falou em nome dos donos do Grupo SONAE? Falou em nome do Balsemão, ressabiado porque a SIC saltou da plataforma de Isabel dos Santos e deixou de ser vista em Angola? Não. Falou pela voz do Tio Célito de quem ele agora é criadito de trazer por casa. É fácil saber quem encomendou o sermão ao falante e ao que está por trás dos arbustos dos jardins de Belém.

Em 1976, circulavam pelas ruas e estradas de Angola milhares de viaturas sem documentos. Os proprietários tinham ido para Portugal e levaram os livretes. As autoridades angolanas emitiram uma matrícula especial para resolver esse problema. Foi assim que apareceram as matrículas AME que nós dizíamos ser a sigla de “Agostinho Mandou Entregar”. Ninguém roubou as viaturas. Foram abandonadas pelos donos. 

Em 1975 e 1976 milhares de angolanas e angolanos ocuparam casas decentes nos bairros e nos centros das nossas cidades. Como era tudo do Estado, ficaram com as habitações como se fossem suas. Mas na verdade pertenciam à Secretaria de Estado da Habitação, dirigida pelo camarada Diandengue, ele próprio ocupante da casa do famoso Dr. Videira, construída ao estilo Arte Nova e com elementos de Art Deco. Uma preciosidade. Mais tarde albergou a organização de apoio aos antigos militares e refugiados. Casas roubadas? Não. Recuperadas. 

O mesmo aconteceu com as fazendas, as empresas e as fábricas. O Estado Angolano nacionalizou tudo. Houve aqui e ali um abuso, verdade. Mas o que é isso comparado com os abusos sem nome dos colonialistas? Nada. Não conta.

Em 1992, o Estado Angolano era dono de tudo. Mas como mudou o regime de socialismo para capitalismo, foi preciso promover a propriedade privada. Quem ia ficar com os bens do estado? O Povo. E entre essa entidade abstrata, todas e todos os que se bateram pela Independência, pela Soberania Nacional e a Integridade Territorial. Não mintam! Não se armem em colonos requentados! Ninguém roubou nada. Foi uma política de Estado. Houve quem tivesse torrado o dinheiro e os bens sem criar riqueza e emprego? Sim, muitos! Não quiseram, não puderam ou não foram capazes de fazer melhor. Houve dolo? Duvido.

Os ataques racistas e xenófobos da TPA contra Isabel dos Santos são tão mais graves quanto sabemos que os argumentos são falsos e demagógicos. A festa da morte é a mais bela que temos em todo o fabuloso mosaico cultural angolano. Sabiam, seus ignorantes? Swelela hayuka ngandja. Kulila kapasula omunu k’okalunga. Lágrima não enche cabaça. Chorar não acorda ninguém da morte. Hoje a TPA pôs um tal José Pakissi Mendonça (criado do Bento Bento) a pagar a conta do racismo e da xenofobia. Insistiram nos crimes. Arranjaram um criminoso para sacudirem a água do capote. Cobardes. Mobutistas desprezíveis.

Estou de férias até ao dia 24 de Agosto. Se me for permitido um conselho, aí vai. As e os que enchem a boca com o combate â corrupção, entrem de férias e fechem esse livro. Já todos sabemos que o Executivo declarou tolerância zero à corrupção. Não precisam de nos lembrar. Agora digam ao povo como vão resolver os seus problemas. 

Infelizmente, no dia em que Idalina Valente apresentou o Programa de Governo do MPLA, faleceu o Presidente José Eduardo dos Santos e ninguém deu atenção a tão importante documento. Por favor, repitam a cerimónia quando acabar o período de luto nacional. Porque esse, sim, é o documento que queremos sufragar nas eleições.

Esta noite a TPA voltou a desferir dardos envenenados de racismo e xenofobia contra Isabel dos Santos, Desta vez, citaram “sites”, o Jornal da Madeira e o ”conceituado canal de televisão SIC”. Portanto, o ataque é de Estado, O baixo nível é de Estado. O racismo é de Estado. A xenofobia é de Estado. Uma mialada asquerosa. Oiçam o que me mandou dizer a minha amiga Flora Lukamba, do Huambo: Lisuluviki k’uholwa. Abstende-vos da bebedeira!

*Jornalista

Sem comentários:

Mais lidas da semana