terça-feira, 19 de julho de 2022

Portugal | O VERDADEIRO ARTISTA

Paulo Baldaia* | Diário de Notícias | opinião

Tinha começado muito bem, feito um congresso à medida das necessidades e das possibilidades, forçando a nota onde o anterior líder tinha falhado com estrondo. E não, não é da unidade do PSD que estou a falar, porque unir um partido deixando de fora todos os principais apoiantes do líder dos últimos quatro anos não é unir, é expurgar o que se julga impuro. É uma ferida que ninguém quer ver, não deixa de ser uma ferida aberta que ainda não se sabe como vai cicatrizar. Joga, ainda assim, a favor de Luís Montenegro, a capacidade de procurar unir os cacos, com os diferentes convites a Jorge Moreira da Silva ou a chamada de rioístas para liderar uma bancada de rioístas.

Onde Rui Rio falhou com estrondo e Montenegro parecia querer fazer diferente foi na relação com o Chega. O agridoce desta relação que nunca foi nem carne, nem peixe, com a anterior liderança, chegando ao profundo disparate de admitir, nos últimos dias de campanha, uma geringonça com a extrema-direita, parecia ter passado a assunto muito bem resolvido pelo novo líder. Quem critica o PS por ter feito uma aliança com a extrema-esquerda que não quer a NATO nem o euro, mesmo depois de os socialistas terem deixado estas matérias fora do acordo, e promete que, com ele, coisa parecida nunca acontecerá, está a dizer ao Chega que nunca será poder.

O problema é que André Ventura acusou o toque e, no chumbo da sua moção de censura à maioria de Costa, logo um parlamentar do Chega se chegou à frente para perguntar ao PSD se achava que, nos Açores, "estão coligados com populistas, fascistas e extremistas?", ameaçando de seguida com a queda do governo regional. Bastou esperar 10 dias para perceber que o recado foi ouvido. Montenegro aceita a geringonça açoriana, onde o Chega põe e dispõe da agenda política, e até a elogia, adaptando a narrativa de modo a que as políticas populistas, fascistas e extremistas fiquem fora do léxico da governação, mas os políticos que defendem essas políticas populistas, fascistas e extremistas possam ficar dentro do arco do poder.

O que se aconselha ao novo líder do PSD é ir ouvir com muita atenção o que disse no Congresso do Porto. Na política, é sempre possível dizer uma coisa e fazer outra, a memória diz-nos até que é coisa que acontece com muita frequência. Mas, neste caso, uma réplica continental daquele sismo político açoriano, só com Montenegro a desdizer Montenegro. O verdadeiro artista destes novos tempos da política, com um Parlamento onde cabem oito partidos, mas mesmo assim é possível a maioria absoluta de um só partido, e onde a terceira força política é um partido racista e xenófobo, tem sido André Ventura. Não só porque é perito em captar as atenções mediáticas, mas também porque mantém refém o maior partido da oposição. É obra, já toda a gente percebeu como funciona o artista, mas ele continua a ser eficaz com a sua estratégia repetitiva.

Se o PSD quiser perceber onde está metido, sugiro que vá ver como os principais sites de informação trataram a visita de Luís Montenegro aos Açores. Acrescento que não vale a pena culpar os jornalistas por estarem sempre a falar do Chega. Para que isso não aconteça basta manter o que disse no congresso. Pode demorar um pouco, mas se convictamente quiserem o partido racista e xenófobo fora de qualquer solução governativa, o assunto deixa de ser assunto.

*Jornalista

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