sábado, 10 de setembro de 2022

Guiné-Bissau: "Quem tem do seu lado o poder das armas tem o poder político"

Os escritores guineenses Amadú Dafé e Helena Neves Abrahamsson duvidam que as eleições legislativas de dezembro na Guiné-Bissau tragam ao país mudanças substanciais. Mas não querem perder a esperança.

Amadú Dafé e Helena Neves Abrahamsson falaram com a DW África em Lisboa, esta semana, onde se encontram para apresentar novas obras que convidam para o debate e a reflexão sobre a atualidade política, social e cultural da Guiné-Bissau.

Dafé duvida que algo mude na Guiné-Bissau com as próximas eleições legislativas, agendadas para dezembro. Segundo o escritor, os guineenses não têm alternativas para votar, porque não há alas políticas à escolha.

"A estrutura que está neste momento instalada não vai permitir essa polarização e, portanto, a luta pelo poder não é bipartida", disse Amadú Dafé, mas "pela manutenção do poder instalado". Qualquer tipo de oposição é punido com perseguição.

O escritor luso-guineense aponta como razões para o seu ceticismo, a questão da mentalidade e da impunidade, bem como a multiplicidade de crenças e de interesses. 

"Todos estes pormenores que podem parecer abstratos acabam de alguma forma por contribuir na maneira como o país é governado", salienta Dafé. "As eleições cíclicas são só o resultado daquilo que é o modo de ser do guineense, a História da Guiné-Bissau e tudo o resto."

A oposição neutralizada

Enquanto isso, a oposição perde força, "porque a força brutal que é exercida do outro lado está, de alguma forma, a aniquilar não só a própria oposição política como todas as vozes ativistas".

Os cidadãos inconformados, incluindo os estudantes, que, até 2019, saíam à rua para protestar e reclamar da péssima condição em que o país se encontra estão, neste momento, neutralizados, acrescenta. Dafé só espera das eleições que elas consumam "a ditadura que, aos poucos, tem vindo a se construir na Guiné-Bissau". 

No seu livro "A cidade que tudo devorou", Dafé alerta para um desvio em relação ao sonho de Amílcar Cabral, pai da luta pela independência da Guiné e Cabo Verde do colonialismo português. 

"As constantes instabilidades políticas e governativas acabam por ser a razão desse desvio e é mais ou menos nisso que a obra se foca. É essencialmente uma espécie de levantamento e discussão dos problemas que provocam a entropia, que cria o caos que está instalado no país".

Nova ideologia precisa-se

O autor admite que não vai ser fácil encontrar solução para problemas que considera serem sistémicos. Dafé diz que o país precisa de um novo pensamento e de uma nova ideologia. 

Também Helena Neves Abrahamsson, que veio a Lisboa apresentar o seu livro "Fora Di Nos: Nhara Sikidu", se diz preocupada com a situação na Guiné-Bissau. A escritora acredita que uma parte da responsabilidade pela situação cabe à comunidade internacional.

"As Nações Unidas que tanto ensinam a democracia, que tanto ensinam os Direitos Humanos, [estão] completamente com os ouvidos tapados ao que está a acontecer no país", disse Abrahamsson à DW África.

A mudança é possível?

Mais do que não mudar nada, as eleições no seu país aparecem-lhe como supérfluas: "Pode parecer demasiado extremista dizer isto, mas para quê eleições? Nós vimos no passado pessoas que ganharam eleições não governaram; partidos que ganharam eleições e não puderam estar no poder". Para escritora, "quem tem do seu lado o poder das armas tem o poder político. E hoje começa a ter todos os poderes, através do poder político".

Abrahamsson diz que só o povo pode impor mudanças na Guiné-Bissau, apesar do medo instalado no país. "Porque há uma ameaça muito forte e clara de violência sem precedentes que as pessoas sentem. E, portanto, as pessoas têm um certo receio de se manifestarem lá dentro [do país]", disse a autora.

Ainda assim quer continuar a acreditar que a mudança é possível. E exorta o povo guineense a continuar a manifestar-se "contra todos aqueles que põem em causa a democracia". 

Abrahammson explica que não se trata de protestar contra políticos individuais, mas contra todo um sistema que caminha para o descalabro.

João Carlos (Lisboa) | Deutsche Welle

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