domingo, 30 de outubro de 2022

MONUMENTOS

Gustavo Carneiro

Nos últimos tempos, em vários países do norte da Europa, têm sido destruídos ou retirados do espaço público monumentos evocativos da vitória sobre o nazi-fascismo e do papel determinante nela assumido pela União Soviética. Outros, com a mesma origem – e semelhante destino –, exaltam a paz e a amizade entre os povos. Não é um processo de agora, já leva mais de 30 anos. Do que se trata é não só de rasurar uma face fundamental da história. É também de a substituir pelo anticomunismo mais fanático e, em muitos casos, pela glorificação do nazi-fascismo.

Nos últimos tempos, em vários países, têm sido destruídos ou retirados do espaço público monumentos evocativos da vitória sobre o nazi-fascismo e do papel determinante nela assumido pela União Soviética. Outros, com a mesma origem – e semelhante destino –, exaltam a paz e a amizade entre os povos.

Em Riga, capital da Letónia, foi demolido o obelisco de quase 80 metros que assinalava a libertação da cidade pelo Exército Vermelho, evocado também num memorial destruído em Brzeg, na Polónia. Da terceira maior cidade da Estónia, Narva, foi removida a réplica do tanque T34 que aí homenageava os soldados soviéticos caídos a libertar o território. Também o Monumento à paz mundial foi retirado da rua de Helsínquia onde se encontrava há mais de 30 anos. O mesmo aconteceu noutros países e cidades e a coisa promete não ficar por aqui.

A justificação dada, comum a todos estes casos, é simples – e nada original: com a guerra na Ucrânia, é insustentável manter monumentos a elogiar «a Rússia». Mas tal argumento não é apenas falso como oculta bem mais do que que revela.

Regra geral, a retirada deste tipo de monumentos não começou em Fevereiro, mas há décadas, enquadrando o desmantelamento das conquistas do socialismo e aplanando o caminho para o capitalismo sem freios, para o nacionalismo, para o fascismo. Na Letónia, a diabolização do legado soviético anda a par com a glorificação da divisão local das Waffen SS, a quem todos os anos é prestada homenagem pública (cerca de 100 mil letões, dos quais 70 mil judeus, morreram na guerra).

Da Polónia chegam os recuos nos direitos das mulheres, a proibição de símbolos e partidos comunistas, o nacionalismo agressivo e o desbragado militarismo: brigadas paramilitares de índole racista e fascizante integram as Forças Armadas e participam em exercícios da NATO. À semelhança, aliás, do que sucede na Ucrânia, onde as leis de descomunização promovidas desde o golpe de 2014 facilitaram a criação do autêntico culto de Estado que é hoje prestado a Stepan Bandera, colaborador do nazi-fascismo no massacre de milhares de soviéticos (ucranianos, russos, judeus) e também de polacos.

Já a Finlândia acaba de trocar a sua histórica política de neutralidade pela adesão a um bloco político-militar agressivo, com responsabilidades de primeiro plano na situação dramática, e potencialmente explosiva, que se vive no Leste da Europa: o Monumento à paz mundial transformou-se assim numa recordação indigesta.

Apagar da consciência colectiva a experiência soviética, o mosaico de povos que lhe deu vida, o seu papel na derrota do nazi-fascismo e na conquista e manutenção da paz, faz parte da estratégia incendiária do imperialismo para a região – e para o mundo. Travá-la passa também pela batalha da memória.

*Publicado em O Diário.info

Fonte: https://www.avante.pt/pt/2551/opiniao/169290/Monumentos.htm?tpl=179

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