domingo, 9 de outubro de 2022

Portugal | IGREJA: PURIFICAÇÃO OU MORTE

Inês Cardoso* | Jornal de Notícias

Não haveria motivos para nos surpreendermos com a escalada de denúncias e casos de abusos sexuais na Igreja portuguesa. Não somos diferentes de outros países, exceto na demora em começarmos a mexer nas feridas. O que surpreende, depois de tantas mudanças introduzidas neste pontificado, depois de tantas histórias de horror e de tantos relatórios exaustivos, é ouvir as desculpas esfarrapadas com que alguns dos nossos bispos reagem às notícias de encobrimento.

O drama dos abusos sexuais não se conjuga no passado. A não denúncia continua a encontrar justificações no presente, como se pudesse haver alguma hesitação na investigação judicial e punição dos responsáveis. E perceber a ignorância quanto ao enquadramento legal dos crimes e total falta de empatia com as vítimas assusta e faz duvidar da vontade da Igreja portuguesa em levar a sério o trabalho de apuramento de toda a verdade.

A Igreja Católica viveu demasiados séculos mergulhada numa insistência obsessiva nos temas morais e na culpa. Houve mais morte do que ressurreição, mais pecado do que acolhimento, mais olhares presos ao chão do que erguidos para o alto. A submissão como estratégia de poder e de hierarquização foi sendo desconstruída à medida que as certezas dogmáticas foram substituídas pela dúvida e sobretudo pela liberdade de escolha. A fé hoje já não é um ato cego. É uma opção de quem acredita em acreditar, para recorrer à expressão de Gianni Vattimo.

Aqui chegados, à Igreja já não é permitido que hesite um segundo que seja no tema dos abusos sexuais. Em defesa das vítimas, sempre e acima de tudo. E em respeito por aqueles que continuam a acreditar e a confiar no seu trabalho, dentro da fé ou fora dela. Do setor social ao voluntariado, o braço da Igreja toca nos quatro cantos do país. Toca em milhões de vidas. Ou consegue purificar-se, separando com firmeza o trigo do joio, ou acabará por morrer asfixiada pela sua própria podridão.

*Diretora

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