quarta-feira, 23 de novembro de 2022

Angola | FESTIVAL DE MENTIRAS E FALSIFICAÇÕES – Artur Queiroz

Artur Queiroz*, Luanda

Ernesto Mulato é dirigente da UNITA e um dos seus fundadores. Ontem foi entrevistado na TPA por Manuel Silva. É a segunda entrevista em dois anos. O entrevistado era constantemente apresentado como “nacionalista”. Nunca como membro da direcção do Galo Negro. Só no final da operação percebi porquê. Um homem de 82 anos (idade mais do que suficiente para ter juízo) prestou-se ao papel de criado às ordens de quem aposta as fichas todas para denegrir e embaciar a imagem dos presidentes Agostinho Neto e José Eduardo dos Santos. Uma golpada que acabou por se virar contra os golpistas. Vamos então descascar o abacaxi com paciência e sem desperdício de sumo.

Manuel Silva, o perguntador, fez uma demonstração exuberante da sua incompetência. Não sabe o que é uma entrevista. Mas ainda vai a tempo de aprender. Praticamente não fez perguntas. No início pensei que não tinha preparado o trabalho. Mas depois além do rabo de fora, o gato exibiu-se despudoradamente ante as câmaras. Sim, é incompetente. Sim, não sabe nada da História Contemporânea de Angola. Mas estava ali obedecendo a ordens superiores. E essas apontavam num sentido único: Nada de atrapalhar o Ernesto Mulato com perguntas inoportunas. Mas escusava de fazer o papel daqueles sabujos que ante o dono, repetem as suas últimas palavras ou interpretam o seu pensamento oco. Uma desgraça mediática.

Ernesto Mulato afirmou isto: 

“Os portugueses, em 1974, decidiram entregar Angola ao MPLA e afastar os outros dois movimentos, UPA e UNITA”. O perguntador, se estivesse a fazer uma entrevista, perguntava-lhe: O Presidente da República Portuguesa, António de Spínola, reuniu na Base das Lajes, Açores, com o presidente Nixon, em Junho de 1974, para entregarem o poder ao MPLA? E perguntava: O Presidente Spínola reuniu a seguir com o presidente Mobutu na Ilha do Sal. Cabo Verde, para afastar a UPA/FNLA e a UNITA do poder em Angola?

Como está mais do que esclarecido e provado, Spínola e Nixon decidiram na Base das Lajes afastar o MPLA do processo de descolonização porque era “comunista”. Mobutu e Spínola reuniram na Ilha do Sal e ali decidiram entregar o Norte de Angola à UPA/FNLA e Cabinda ao ditador de Kinshasa. 

Ernesto Mulato disse que o Acordo de Alvor serviu apenas para confirmar o que já estava decidido. Manuel Silva não lhe perguntou quem escolheu o alto-comissário, general Silva Cardoso, com estreitas ligações à CIA. Eu explico. UPA/FNLA e UNITA apresentaram na mesa de negociações este nome, para surpresa das delegações portuguesa e do MPLA. Mas foi aprovado. Mais tarde, Agostinho Neto explicou porquê: “Se os dois movimentos de libertação indicaram o nome, nós não íamos quebrar a unidade conquistada em Mombassa, recusando. Por isso aceitámos o nome proposto”. 

O Presidente Costa Gomes disse mais ou menos o mesmo: “Se os três movimentos de libertação propuseram o general Silva Cardoso, nós não podíamos vetar, ainda que a Comissão Coordenadora do MFA tivesse recomendado que não aceitássemos a sua nomeação”. Se o perguntador estivesse a fazer uma entrevista e não uma operação do Miala, sabia que Agostinho Neto denunciou, em 5 de Fevereiro de 1975, a “invasão silenciosa das tropas zairenses no Norte de Angola”. 

Se o perguntador lesse a imprensa da época sabia que as tropas zairenses saquearam nas províncias do Uíje e Zaire as casas comerciais, os cofres dos bancos e as fazendas. Levaram café já colhido, máquinas, tractores e alfaias agrícolas. Roubaram o gado de raça do Planalto de Camabatela. Mas não quis saber. Quis apenas que Ernesto Mulato dissesse isto:

“Agostinho Neto e os portugueses afastaram a UPA e a UNITA do processo da independência por isso houve a guerra após o Acordo de Alvor”. E as invasões das tropas sul-africanas. Nada de nada. Não aconteceu.

Sobre as eleições de 1992, Ernesto Mulato disse: “É mentira, a UNITA aceitou os resultados eleitorais. Em Outubro de 1992 Jonas Savimbi fez uma declaração aceitando os resultados eleitorais”. Pergunto eu: Então porque razão a UNITA regressou à guerra?. O dirigente do Galo Negro respondeu a Manuel Silva, sem que ele perguntasse:

“O velho Jonas mandou Jeremias Chitunda a Luanda para negociar com o Governo. Já tinham sido aprovados nove pontos, só faltava aprovar dois. Foram almoçar e o MPLA matou os membros da nossa delegação”. O perguntador já tem idade para saber que o Acordo de Bicesse previa o desarmamento das duas partes. O Governo cumpriu. A UNITA escondeu milhares de homens e as melhores armas em bases secretas do Cuando Cubango. Para os acantonamentos mandou jovens sem experiência militar e armas obsoletas.

Quando rebentou a Grande Batalha de Luanda a UNITA soltou nas ruas da capital milhares de homens armados até aos dentes. Mataram centenas de civis inocentes. Quando tudo estava perdido, Chitunda, Salupeto Pena e Abel Chivukuvuku fugiram. Foram apanhados pelo fogo de civis armados no Sambizanga. Iam fugir porquê se estavam a a negociar e só foram almoçar? O que faziam na estrada do Cacuaco acompanhados de homens armados até aos dentes? E o diário do vice-presidente da UNITA apanhado na sede da UNITA em São Paulo? O que ele escrevia era mentira? Constam lá todas as informações do golpe militar que Jonas Savimbi desencadeou. 

O perguntador nada perguntou porque estava ali para deixar Ernesto Mulato dizer que a guerra pós eleitoral foi culpa do Presidente José Eduardo. Ele é que rasgou o Acordo de Bicesse. Senhor Ernesto Mulato, então por que razão a ONU impôs sanções pesadas à direcção da UNITA e até aos seus familiares? Porque lhes confiscou os passaportes? Porque congelou as contas bancárias? Manuel Silva não estava lá para isso.

Ernesto Mulato foi ao extremo de citar o livro “Jonas Savimbi: Uma Chave para África”, de Fred Bridgland,  como a prova da grandeza do chefe da UNITA e do seu génio político. O perguntador nem foi capaz de lhe dizer que o mesmo autor acaba de publicar um livro sobre Jonas Savimbi onde desta vez o apresenta como um assassino psicopata. Um sanguinário que matou dezenas de membros da UNITA e atirou vivas para as fogueiras da Jamba, as elites femininas do Galo Negro.

O que ficou foi isto. O Presidente João Lourenço tem uma missão pesada, corrigir os erros graves de Agostinho Neto e José Eduardo dos Santos que atitaram com Angola para a guerra.

Ao mesmo tempo das declarações de Ernesto Mulato, a TPA passou (e vai passando…) uma espécie der entrevista de uma tal Hariana ao Presidente João Lourenço. E sua excelência diz que foi preciso ter muita coragem para desencadear o combate à corrupção. Discordo. Para fazer aquilo a que o Presidente da República diz ser o “combate à corrupção” não é necessário nada de especial. Basta ter o controlo das forças repressivas e dar dez por cento dos confiscos a juízes venais e agentes do Ministério Público a soldo. Mais nada.

Coragem excelência, é outra coisa. Por exemplo, no dia em que o Bureau Político do MPLA confirmou João Lourenço como cabeça de lista do partido às eleições de 2017, o escolhido convocava uma conferência de imprensa e tomava esta atitude corajosa:

Vou combater, sem tréguas a corrupção. Para dar o exemplo, a partir de hoje entrego as minhas casas. Só fico com a casa de família. Entrego todo o dinheiro que está nas minhas contas bancárias. Só fico com o mínimo para ter uma vida diga. Entrego as fazendas e as indústrias nelas incorporadas. Entrego todas as acções que tenho em várias sociedades anónimas. Na data da Independência Nacional não tinha nada. Em 1992 não tinha fortuna. A partir de agora também não tenho.

 A documentação das entregas vai ficar acessível ao público na página da internet de uma instituição que vou criar chamada Serviço de Recuperação de Activos. Fica tudo em consulta pública na Procuradoria-Geral da República. Todas e todos que entrem no meu Governo, têm de fazer o mesmo. Todas e todos os deputados eleitos nas listas do MPLA têm um mês para proceder como eu e os membros do meu Executivo.  

Isto sim, era coragem, senhor Presidente da República. 

Confiscar, extorquir, “recuperar” os bens de familiares e colaboradores próximos do Presidente José Eduardo dos Santos nada tem a ver com coragem. Mas pelo respeito que devo ao meu Presidente da República, não vou qualificar esses gestos. Mandar para a cadeia os ricos que não fazem parte da corte é apenas um acto de repressão. Coragem é fazer o mesmo com familiares e colaboradores próximos do Presidente da República.  

Ernesto Mulato disse durante a “entrevista” na TPA que “estas eleições foram muito concorridas”. O perguntador nem foi capaz de lhe lembrar que a abstenção, os votos em branco e os nulos dão quase 60 por cento do eleitorado. Para quê? O recado estava passado. As grandes desgraças de Angola são culpa de Agostinho Neto e José Eduardo dos Santos. O actual Presidente da República tem que corrigir tudo. Reparar tudo. Prender os ladrões e os corruptos. Coitadinho, tanto trabalho. Está visto que tem de ficar mais um mandato. E o Ernesto Mulato, se ainda for vivo, fica no lugar do senhor ministro Tete António. Como o estilo que está a dar é Kinkuzu ou Morro da Cal, fica tudo em família.

O sumo do abacaxi mais saboroso ficou para o fim. Ernesto Mulato mentiu, deturpou, destilou ódio contra o MPLA e o Povo Angolano. Ficou mais uma vez provado que enquanto existir  a UNITA, não há reconciliação nacional e a paz está sempre em perigo.

*Jornalista

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