domingo, 27 de novembro de 2022

Angola | A ROUPA DO IMPOSSIVEL NA MAYOMBOLA – Artur Queiroz

Artur Queiroz*, Luanda

O MPLA deve ser o partido no mundo com mais dirigentes. Devia ser o que está mais próximo das bases. O qual não. Temo que quase todos tenham sido levados para a Mayombola, o mundo dos mortos vivos que escavam montanhas até à eternidade. Poucos voltam de lá. Eu sou uma excepção. 

Me levaram para os confins do mundo que come vidas e corações. Escavei, escavei até que chegou a minha amada Weza. Levava escondida sob os panos a chave das correntes que me aprisionavam. Depois deu-me um beijo e desde então nunca mais morri. Os dirigentes do EME também vão regressar.

O sistema partidário angolano está bloqueado e só o MPLA tem a chave para libertar os partidos irrelevantes. Também perdoou à UNITA os crimes de guerra e por ter atirado para as fogueiras da Jamba as elites femininas do Galo Negro. A generosidade é marca do partido de Agostinho Neto e José Eduardo dos Santos. Espero que assim seja com João Lourenço. 

Quanto mais não seja para desbloquear o sistema político angolano e estimular o aparecimento de novos partidos, quando todos regressarem da Mayombola, levados pelos come vidas e bebem sangue dos corações, mesmo os futuristas. (Gosto do futurismo italiano e da arte suprema de Marinetti, o fascista. Nada na vida é perfeito)

Em 1992, nasceu em Angola uma burguesia nacional com nervo financeiro dispensado pelo Estado e detentora dos meios de produção. Uns torraram várias “tranches” de dinheiro. Outros tentaram, tentaram, mas sempre falharam. A sua incompetência custou milhões aos cofres públicos.

Uma minoria iluminada criou grandes grupos económicos e cumpriu todas as regras da “economia de mercado”. Exploraram os trabalhadores, corromperam e foram corrompidos, roubaram ou ajudaram a roubar. Foram e são lídimos cultores dos cânones do capitalismo e do liberalismo.

Entre o grupo que teve imenso sucesso está a engenheira Isabel dos Santos. Criou milhares de postos de trabalho e muita riqueza para ela e o Estado Angolano. Só por isso tem a minha admiração. 

Um dia entrei no refeitório de uma unidade militar angolana e na parede estavam várias fotografias. Uma delas era do Presidente José Eduardo e a seu lado uma menina fardada de pioneira. A criança, Isabel dos Santos, mais tarde revelou-se uma empresária de grande sucesso. E é do MPLA desde pequenina! 

Agora sua excelência anunciou que vai fundar um partido e candidatar-se à Presidência da República nas próximas eleições. Acrescentou que isso só vai acontecer se “estiverem criadas as condições”. O avô de um amigo meu, quando alguém anunciava uma empreitada difícil de alcançar ou um projecto mais perto do impossível do que do realizável, perguntava do alto da sua sabedoria: Mas com que roupa vais fazer isso? Que roupa vais vestir?

É isso mesmo. O sistema político e partidário angolano está bloqueado. Lançar um novo partido é seguir o mesmo caminho de Dinho Chingunji e de Bela Malaquias, A velha FNLA e o PRS tiveram de juntar os trapinhos para conseguirem fazer um grupo parlamentar na Assembleia Nacional. 

Mais difícil ainda. Na discussão e aprovação da Lei da Amnistia, os 90 deputados da UNITA mostraram a sua total irrelevância ao absterem-se, sem apresentarem uma única proposta para melhorar o diploma. Estes nunca saíram da Mayombola. Os legisladores do MPLA assinaram por baixo. Estão todos na Mayombola, escavando montanhas para nada.

Os come vidas, os que bebem o sangue dos nossos corações quando dormimos ou sonhamos acordados, estão deste lado para nos infernizarem ainda mais a vida. E desconfio que alguns sicários da UNITA, pela calada da noite, quando os cazumbis dançam no alto das mulembas e a lua está mínima, divorciada das mil e uma noites, levam os nossos políticos e dirigentes partidários, amarrados de pés e mãos, para a Mayombola. Não há Weza que salve tantas vítimas do Galo Negro.

Quem é do MPLA luta dentro do MPLA para mudar o MPLA. Criar novos partidos não é solução. Pelo contrário. Ainda agrava mais o deserto político em que vivemos. Não acredito que a engenheira Isabel dos Samtos tenha a chave da Mayombola. Muito menos que seja capaz de resgatar os nossos camaradas.

E tu minha amada Weza, onde te perdes? Agora que a noite está serena, diz-me que memória te esquece, que memória te apaga e que amor te arrefece. Diz-me se ainda há a chama da sagrada esperança para os que nunca tiveram ninho.

Me levaram na Mayombola onde escavei montanhas. Um dia chegou Weza, resplandecente de luz, iluminando o mundo até às raízes da Terra. Me deu um beijo e desde então nunca mais morri.

Weza, salva os dirigentes do MPLA! Acorda-os. Enxota os come vidas e os que nos bebem o sangue directamente dos nossos corações, mesmo os futuristas. 

*Jornalista

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