sábado, 17 de dezembro de 2022

ELEIÇÕES EM ÁFRICA: “É PRECISO ALTERNÂNCIA DE PODER”

Ilustres da política angolana e moçambicana estiveram reunidos em Lisboa para uma conferência sobre pluralismo democrático. Intolerância, intoxicação mediática e justiça politizada são entraves à democracia, destacaram.

Justino Pinto de Andrade, presidente do partido angolano Bloco Democrático (BD), defende que no seu país "há espaço para todos, mas é preciso alternância de poder".  A declaração aconteceu no âmbito da conferência "Pluralismo, Democratização e Eleições em Angola e Moçambique", do ISCTE – Instituto Universitário de Lisboa (IUL), que aconteceu esta quarta-feira (14.12), na capital portuguesa, para analisar os últimos pleitos eleitorais nos dois países, respetivamente em 2022 e em 2019.

O líder partidário, que fez parte da coligação eleitoral Frente Patriótica Unida (FPU), afirma que a oposição deve, em primeiro lugar, organizar-se melhor para vencer as próximas eleições, criando lobbies para alterar a legislação em vigor.

"É ter capacidade de promover alterações na lei e na composição dos órgãos. Porque se mantivermos as leis tal e qual como estão, e os órgãos ligados ao processo eleitoral tal como eles estão, o MPLA [Movimento Popular de Libertação de Angola] vai ganhar sempre. Se não for com 51 por cento será com 50,9 por cento", referiu em declarações à DW África.

Justino Pinto de Andrade lamentou a impossibilidade de a Frente Patriótica Unida (FPU), encabeçada por Adalberto Costa Júnior, confrontar os dados eleitorais que reuniu com os dados oficiais, "porque a lei não permite isso".

O problema está também na intoxicação que antecede o dia do voto, acrescenta o político angolano. "As pessoas pensam que ser livre é verem [os eleitores] no dia do voto numa fila ordeira a votarem e depois irem para casa. (…) O problema é antes do voto. A intoxicação que se faz ao longo dos anos, o modo como se controlam as leis e as instituições, esse é que é o grande problema. Porque as pessoas vão votar", frisa.

Travado terceiro mandato de Lourenço?

Pinto de Andrade realça, por outro lado, que o projeto de mudança que deu corpo à FPU conseguiu condicionar no Parlamento a capacidade de o partido no poder em Angola rever a Constituição para permitir ao Presidente, João Lourenço, concorrer a um terceiro mandato. 

O líder do Bloco Democrático faz uma reflexão crítica sobre o pleito eleitoral de 24 de agosto deste ano, bastante disputado e questionado pela oposição angolana. Estas eleições, segundo as palavras do ativista angolano, Luaty Beirão, não foram "nem livres, nem justas, nem transparentes". A próxima batalha prende-se agora com as eleições autárquicas, adiadas "sine die".

"Desde 2008 que estamos a falar de eleições autárquicas. Houve vários prazos e várias datas fixadas para acontecer. 2012 foi uma delas. Aliás, estas eleições estiveram completamente ausentes no discurso de tomada de posse [do Presidente João Lourenço], contrariamente ao que aconteceu em 2017, e agora estão sujeitas a um processo prévio de divisão administrativa que vai criar mais municípios", comentou o ativista.

Segundo Luaty Beirão, do Movimento Cívico Mudei, esta divisão administrativa significa mais encargos para o Estado e para os contribuintes. O angolano também não poupa críticas aos discursos, a cada cinco anos, dos partidos políticos aspirantes da mudança, os quais continuam a ser tolerantes em relação às fraudes eleitorais, pondo assim em causa "a esperança das pessoas".

"E de repente, assim que sai a decisão do Tribunal [Constitucional], tudo volta à normalidade. A minha previsão é que [os partidos da oposição] não vão estar em cinco anos mais prontos do que estiveram agora ou do que estiveram há dez anos atrás", adverte.

"Autarquias promovem o desenvolvimento local"

Manuel Araújo, presidente do Município de Quelimane, trouxe a experiência de Moçambique, com realce na integridade das eleições provinciais e o poder autárquico. 

"Nem sempre os mais ativos são os competentes do ponto de vista administrativo. É preciso perceber que a autarquia pressupõe autonomia, gestão, capacidade de ir buscar recursos. Não basta propor a candidatos pessoas que mais gritam o nome do partido, mas sim as pessoas que têm alguma capacidade de gestão. Porque depois da vitória vem a parte mais difícil, que é gerir melhor do que os que estavam lá. Se nós gerirmos pior dos que estavam lá não haverá renovação", considera.

Apesar dos erros – nota Araújo –, Angola pode retirar bons ensinamentos de Moçambique, nomeadamente na organização do poder local autárquico.

"Moçambique e Angola têm a tendência de se copiarem nas coisas erradas. E eu acho que é altura de nós copiarmos as coisas boas, as coisas positivas. Ambos temos muito a aprender um com o outro, tanto nas coisas negativas como nas coisas positivas. As negativas [são] para evitar e as positivas para podermos reaplicar. Mas, eu acho que Angola comete um erro grave ao não se ‘autarquizar'. Quanto mais rápido o fizer, melhor, porque as autarquias promovem o desenvolvimento local muito mais depressa e de forma muito mais eficiente", garantiu.

Ambos os países também podem trocar experiências e alcançar avanços quanto à questão do género e inclusão da mulher na vida política, segundo Judite Chipenembe, da Universidade Eduardo Mondlane que salientou importância da participação das mulheres nas eleições.

"Há uma mudança. Por isso é que eu falo mais da dinâmica e inclusão de género. De 2004 até 2019 a quota de género tem estado a aumentar. No próprio desempenho também. Não é só uma questão de ter votos e de aumentar números", destacou.

"Moçambique está bastante avançado. Nos últimos 12 anos temos uma presidente da Assembleia da República", exemplificou a académica moçambicana que sublinhou que a qualificação das mulheres é fundamental.

João Carlos (Lisboa) - Correspondente da DW África em Portugal | Deutsche Welle

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