Eles estão presentes em tudo: da Inteligência Artificial aos eletrodomésticos. Sua escassez obstrui as cadeias produtivas. Para controlar sua tecnologia, EUA, China e outros países mergulharam em corrida que poderá definir sentidos do século XXI
Evgeny Morozov*, no Le Monde Diplomatique, edição anglófona
|
A vida humana contemporânea depende muito de semicondutores, chips muito poderosos e sofisticados encontrados em todos os dispositivos eletrônicos que usamos. Neste século, dominar o projeto, a fabricação e o fornecimento de chips será tão significativo geopoliticamente quanto o petróleo foi no século XX.
#Publicado em português do Brasil
À medida em que a crise avança, a “fome de chips” deste ano – a escassez global de semicondutores que comandam dispositivos eletrônicos, cumputadores, carros e um número cada vez maior de eletrodomésticos – tornou-se um evento estranho, pelo menos geopoliticamente. Em maio, empresas norte-americanas escreveram ao presidente sul-coreano Moon Jae-in, pedindo-lhe que perdoasse o desonrado presidente da Samsung, Lee Jae-yong, atualmente cumprindo uma sentença de 18 meses de prisão por suborno1. Dada a dependência norte-americana de chips, era imperativo que a Samsung continuasse com seu investimento multibilionário planejado em instalações de fabricação destes componentes nos EUA. Com a “soberania de semicondutores” dos EUA em jogo, não houve menção ao Estado de Direito.
A dialética da crise do chip
teria encantado os estudiosos da Escola de Frankfurt, mesmo que apenas por
expor a burrice interna da sociedade “smart” de hoje. A escassez de chips nos
forçou a esperar pelos mais recentes produtos eletrônicos de consumo: sem
semicondutores (alguns por apenas US$ 1 por peça), eles não podem funcionar.
Carros elétricos, smartphones, geladeiras inteligentes e escovas de dentes
desapareceram de repente no buraco negro do capitalismo global, como se uma
causa invisível tivesse cancelado o Consumer Electronics Show
A crise de hoje não é excepcional. Desta vez, no entanto, ocorreu em meio a uma ansiedade mais ampla sobre a globalização, o declínio da atividade industrial ocidental e a politização de tecnologia avançada, como a Inteligência Artificial, agora um domínio estratégico no impasse EUA/China. Isso explica como uma questão técnica insossa, que dez anos atrás teria pouco impacto fora das indústrias diretamente afetadas, se tornou uma enorme dor de cabeça para os governos.
Tudo tem a ver com a pandemia. Os lockdowns tornaram-se suportáveis graças a um aumento sem precedentes no consumo de serviços digitais, todos exigindo dispositivos, roteadores e servidores dependentes de chips. Também levou os consumidores entediados a comprar eletrodomésticos mais elegantes, aumentando a demanda por multiprocessadores, panelas elétricas de arroz etc.
A pandemia interrompeu (brevemente) as operações nas fábricas de semicondutores. A maioria está na Ásia: Taiwan, Coreia do Sul e China (Wuhan é o lar de um dos principais fabricantes de chips do país, a Yangtze Memory Technologies). Embora a região tenha sido elogiada pelo tratamento inicial da pandemia, a incapacidade de Seul e Taipei de garantir vacinas suficientes resultou em surtos nas fábricas de chips e diminuiu ainda mais a produção.