terça-feira, 31 de janeiro de 2023

Angola | HONRA E GLÓRIA AO LIXO DESUMANO – Artur Queiroz

Artur Queiroz*, Luanda

A vida é bela e enquanto estamos vivos, adormecidos ou não, tudo o que vemos é um privilégio muito, muito especial. Eu vi coisas extraordinárias ao longo da minha ainda curta existência. Vi nascer cabritinhos no nosso curral da Kapopa. Vi actuar dona Carmélia Alves e seus Cangaceiros no Hotel Victória, do senhor Fernando Santos, rua principal e poeirenta do Negage. Vi morrer o Esticadinho. Vi aviões despejar bombas para cima das sanzalas em Março de 1961. Vi bombardear Bagdade. Vi nascer o Novo Jornal, há 15 anos. Vi possíveis e impossíveis. Vi alegrias e lágrimas. Vi.

O nascimento do Novo jornal. Vi sim. Mas não vou entrar em pormenores porque isso pode ser considerado infidelidade a quem confiou em mim e comigo compartilhou o projecto. Mas posso dizer que o jornal foi “oferta” a quem desejava muito a existência de uma Imprensa séria em Angola. 

A coisa nasceu logo sob o signo da vigarice. Os ofertantes apresentaram um plano de investimento que dava para fazer dois ou três New York Times. Avisei que um semanário com aquelas características custava dez mil vezes menos. E por aí fiquei. Quem recebeu a “oferta” ainda me disse: - Vamos ajudar a pôr de pé este peso que depois nos pode cair nos pés….  E caiu!

No número especial do 15º aniversário, o director do Novo Jornal, Armindo Laureano, gastou os adjectivos todos para se elogiar, elogiar o pasquim e seus fundadores, os que ofereceram um artefacto de latão dizendo que era de ouro maciço. Nos autoelogios está escrito que o aniversariante deu “contribuição notável para a democracia e o jornalismo sério”. Faz um “jornalismo livre e independente”. E tem como objectivo a “incessante busca da verdade”. Por fim rende homenagem a Hélder Bataglia, Álvaro Sobrinho e Eugénio Vale Neto, os que ofereceram latão como se fosse ouro fino.

Antes de mais conversa, começo a descascar o abacaxi. Tenho uma lista de leprosos morais que não cessa de crescer. Mas para entrarem lá têm de cumprir os mínimos olímpicos. Hélder Bataglia ainda não conseguiu. Portanto, estás abaixo de leproso moral.

Álvaro Sobrinho. Em 2019 renunciou ao cargo de presidente do conselho de administração do Banco Valor porque o Banco Nacional de Angola lhe apertava o cerco devido ao seu papel no BES Angola (BESA). Existia um problema de idoneidade. Em Portugal a Justiça começou a investigar os seus negócios. Aguarda julgamento mas teve que entregar o seu passaporte português, medida hilariante. Porque para viajar no espaço Schengen basta o bilhete de identidade ou cartão de cidadão português que ele tem. E para outras viagens tem o passaporte angolano porque em Angola nunca foi perseguido pelos titulares da investigação e acção penal.

O senhor Álvaro Sobrinho é suspeito de ter recebido do BES Angola (BESA), num só saque, mais de 55 milhões de dólares em notas. Dinheiro vivo. Esta fatia faz parte de uma “tranche” total de 441,4 milhões de euros, sacados em numerário do BESA, no período em que Sobrinho liderou o banco. Quando era o presidente do conselho de administração do BES Angola, revelou (forçado pela Bolsa de Lisboa) ser um dos cinco accionistas da empresa Pineview Overseas, “offshore” sedeada na Cidade do Panamá, principal proprietária da Newshold, que em Portugal detinha o semanário Sol e uma quota de 15,08 por cento na Cofina, que edita o Correio da Manhã, o Jornal de Negócios ou a revista “Sábado”. 

Álvaro Madaleno Sobrinho informou nas páginas do semanário português “Sol” que a “offshore” é detida em partes iguais de 20 por cento por si mais por Carlos de Oliveira Madaleno, Generosa Alves dos Santos e Silva Madaleno, e pelos seus irmãos Emanuel Jorge Alves Madaleno e Sílvio Alves Madaleno.

Hoje o Novo jornal é propriedade do “accionista único” Emanuel Madaleno, também dono do “Expansão” e de Carlos Rosado de Carvalho. Foi ele que emprestou este criado às ordens para o “Banquete” que Fernando Garcia Miala serviu ante as câmaras da TPA. Gosta de ser tratado como o “Balsemão angolano”. 

Emanuel Jorge Alves Madaleno vendeu as suas acções no Banco Valor ao seu irmão, Álvaro Madaleno Sobrinho, antigo presidente executivo do extinto Banco Espírito Santo Angola (BESA), actual Banco Económico. É dono de mundos e fundos mas também é apontado como sendo um “grande devedor” à Banca. Notícias nunca desmentidas revelaram que fez um empréstimo de 70 milhões de euros para comprar uma parte da rede de distribuição “Deskontão”. Depois pediu emprestados mais 20 milhões para adquirir a maioria das acções do Banco BIR. Tudo fogo de vista à maneira dos caranguejos.

O director do Novo Jornal também homenageia, comovido, Eugénio Vale Neto, um dos criadores do latão oferecido como ouro. Foi vice-presidente da ESCOM. Andou nas bocas do mundo quando fechou o BESA. É apontado como sendo devedor de 500 milhões de euros ao extinto BES Angola. Mas também se fala em 1,5 mil milhões. O empresário na altura própria disse que esses números “estão desfasados da realidade”.

Eugénio Neto era dono (ainda é?) da LS Produções ligada à música e a produção de espectáculos e que inclui a LS (produtora discográfica), LS Republicano, LS Sports, LS Kids e a LS Models. Uma desnatadeira de dinheiro dos cofres públicos, Milhares de milhões. Foi esta estrutura que permitiu a Fernando Garcia Miala “controlar” o mundo do “showbizz”.

Outro homenageado no editorial é Vítor Silva, primeiro director do Novo Jornal. Vamos continuar a descascar o abacaxi. A Empresa Edições Novembro, na direcção de José Robeiro, fez um esforço gigantesco para melhorar as condições sociais dos seus trabalhadores, nomeadamente dos jornalistas. Istro só foi possível porque a cabeça comercial começou a fazer dinheiro. A peça principal neste projecto foi António Ferreira (Aleluia). Quando a tutela decidiu que a direcção-geral ia dar lugar a um conselho de administração, José Ribeiro fez tudo para que “Aleluia” fosse um dos administradores. 

Um dia foi chamado ao MPLA e alguém lhe disse (não refiro nomes por razões óbvias) que Vítor Silva, director do Novo Jornal, tinha de ir para a administração da Empresa Edições Novembro. Como outros nomes já tinham sido impostos (Sara Fialho!), para cumprir essa exigência, teve de abdicar de António Ferreira (Aleluia). A cabeça comercial da Empresa Edições Novembro começou a funcionar em modo marcha atrás. 

 Angola conquistou um lugar único no mundo da Comunicação Social. Pela primeira vez o director de um jornal privado passou a ser, ao mesmo tempo, administrador de uma empresa pública que editava títulos concorrentes: Jornal de Angola, Jornal dos Desportos e Jornal de Economia & Finanças.

Isto aconteceu porque existia uma facção do MPLA que preparava a tempo e horas a eleição de 2017 e seus acontecimentos trágicos. Uma espécie de 27 de Maio na área social e económica. Quem criava riqueza e postos de trabalho, foi confiscado e até preso. Quem vivia de esquemas passou a mandar e comandar. 

Alguém tem de dizer ao director do Novo Jornal que um “jornalismo livre e independente” é impossível com Sobrinhos & Madalenos. Alguma vez nas páginas do pasquim saiu uma notícia ou texto de opinião sobre o descalabro do BESA? Jamais. E aos jornalistas não interessa nada a “incessante busca da verdade”. Porque o Jornalismo não é uma religião e os Media não são igrejas. O que interessa aos jornalistas é a verdade dos factos. Nada mais do que factos. Os próceres do Novo Jornal assassinam o Jornalismo Angolano há 15 anos e vão continuar. 

O Presidente João Lourenço continua com o feio hábito de pôr ovos nos ninhos dos outros, como fazem os cucos. Decidiu enfeitar-se com o satélite angolano e seus benefícios para o país. Mais uma vez se esqueceu de dizer que o contrato foi assinado por Angola e a Federação Russa em 2009. Nos anos seguintes, ambas as partes realizaram um trabalho conjunto para organizar o financiamento do projeto. O trabalho sobre o satélite começou no final de 2012. O primeiro foi lançado no final de 2017 e caiu. O segundo está no espaço. Custa alguma coisa reconhecer o trabalho do Presidente José Eduardo dos Santos e seus colaboradores? Pelos vistos, sim. O que é lastimável.

* Jornalista

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