quarta-feira, 25 de janeiro de 2023

Portugal | A CONCERTAÇÃO SOCIAL É JUSTA?

Pedro Tadeu* | Diário de Notícias | opinião

O livro que escrevi intitulado 30 anos do Conselho Económico eSocial é hoje apresentado no Centro Cultural de Belém. Como se sabe, o CES, que encomendou o trabalho, tem dentro dele uma estrutura autónoma, a mais conhecida, que é a Comissão Permanente da Concertação Social, onde há uma representação tripartida (governo, sindicatos e patronato), formalmente equitativa, para negociar soluções para a conflitualidade social.

Esta Comissão é herdeira do Conselho Permanente de Concertação Social, criado em 1984, quando Portugal estava a entrar na Comunidade Económica Europeia e que procurava, na prática, acabar com a chamada "luta de classes" ou, pelo menos, com o número de greves existentes, que atingira um pico a partir de 1981 ao serem duplicados os valores médios de greves dos cinco anos anteriores.

Mário Soares, o primeiro-ministro que inaugurou a Concertação Social, foi explícito nas suas intensões ao dizer, no discurso que então fez, que com esta estrutura: "Está ultrapassado o período anarco-populista das reivindicações selvagens ou das violências impostas pela rua, inspiradas por interesse partidários específicos".

Comparemos essa época com a atual: nesse ano de 1984, segundo um estudo de Raquel Varela, houve 525 greves no país (efeitos da austeridade imposta por um empréstimo do FMI), quando a média da última década, segundo se pode ver no site Pordata, ronda as 45/46 greves por ano, um valor mais de 10 vezes inferior - portanto, quanto à capacidade de reduzir as greves, a Concertação Social foi, de facto, um êxito.

A ideia fundacional desta instituição partiu, por isso, do pressuposto de que havia um desequilíbrio na sociedade portuguesa do pós-25 de Abril segundo o qual os trabalhadores, através da utilização recorrente da greve, estavam a ter mais força do que deviam ter em relação ao patronato e ao governo.

Depois de entrevistar 27 pessoas do CES, incluindo governantes, sindicalistas e líderes de confederações patronais que protagonizaram os 30 anos de história da instituição e os 38 de Concertação Social, cheguei a uma conclusão, a uma opinião, que não expresso no livro, deliberadamente, por aí estar num papel jornalístico não-doutrinário que me auto-obriga a alcançar a melhor isenção que me for possível - nesse contexto as minhas opiniões são dispensáveis.

Aqui, neste espaço, o meu papel é outro - é o de dar uma opinião pessoal. E a opinião que extraí dessa investigação é a de que na Concertação Social o lado do trabalho está demasiado fragilizado.

Para isso contribuem vários fatores.

O primeiro é a tática seguida pelos governos de negociarem bilateralmente, em bastidores, com as confederações patronais e a UGT, excluindo a CGTP-IN. Muitas reuniões no CES, por muito debate que depois haja, acabam num final pré-determinado - são como um jogo de futebol com resultado combinado.

Isto isola a CGTP-IN (mais reivindicativa) e coloca a UGT, por um lado, com a força de quem, sem ela, não é possível obter acordos tripartidos, mas também com a debilidade de, por outro lado, se não aceitar fazer acordos, acabar por ser acusada de estar a alinhar e a fazer o jogo da rival "comunista", a CGTP-IN.

O segundo fator é a união consistente entre confederações patronais que, com raras exceções, encontram consensos entre elas para ganhar força negocial junto do governo. Este, por convicção ou por ser mais fácil arranjar assim maiorias e força política/mediática, cede muito mais vezes ao patronato do que aos sindicatos.

O terceiro fator é ideológico: a maioria dos representantes defende o que está mais alinhado com as correntes económicas e sociais que dominam o pensamento em Bruxelas e estas têm sido, sobretudo desde 1995, com a saída de Jacques Delors da Comissão Europeia, de constante fortalecimento do fator capital sobre o fator trabalho.

Foi assim que se assinaram muito acordos na Concertação Social que foram extremamente desfavoráveis para os trabalhadores, como os resultantes da intervenção da troika em 2012, ou o do Código do Trabalho de 2002, que fragilizou gravemente a contratação coletiva.

Apesar desta opinião devo dizer que gostei de quase todas as pessoas que entrevistei - dentro do quadro ideológico de cada uma delas, pareceram-me ter uma atitude genuína e honesta enquanto defensores das causas que abraçaram e, muitos delas, foram relevantes e importantes servidoras do interesse público ou setorial.

Quanto à Concertação Social diria que, na verdade, para ser mais justa teria de corrigir o desequilíbrio que desfavorece cronicamente os trabalhadores - que até deveriam, na minha visão, ser na prática favorecidos em relação ao capital pois, na vida real, quando há conflitos, o patronato é muito mais forte do que quem está empregado.

Assim como está, a Concertação Social parece-me doente, infetada pelo domínio governamental que lhe inocula, periodicamente, o vírus de neocorporativismo.

*Jornalista

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