Cristina Krippahl | Deutsche Welle
Os aliados ocidentais de Pretória apontam que o exercício naval coincide com o aniversário da guerra de agressão russa na Ucrânia. O Governo sul-africano insiste que permanecerá neutral no conflito.
Na segunda-feira (13.02) atracou
no porto da Cidade do Cabo a fragata militar russa "Almirante
Gorshkov", em vésperas de um controverso exercício naval tripartido com a
China e a África do Sul. A segunda operação militar do género deverá ocorrer de
A "Operação Mosi", que na língua tswana significa "fumo", perturbou os aliados da África do Sul no Ocidente. Em Pretória para conversações com a sua homóloga, Naledi Pandor, o chefe da diplomacia da União Europeia (UE), Josep Borrell, disse que os exercícios navais planeados não eram "a melhor ideia".
Embora o Governo sul-africano não tenha comentado o calendário, "o facto de isto acontecer no aniversário da guerra da Ucrânia é extremamente embaraçoso", diz Pauline Bax, vice-directora d programa África, do centro de pesquisa International Crisis Group.
Golpe propagandístico
Observadores concordam que as manobras militares são um golpe propagandístico significativo para Moscovo. A África do Sul até à data recusou-se a condenar a guerra de agressão russa, reivindicando neutralidade no conflito.
A analista Bax diz, no entanto, que o exercício militar conjunto é visto por muitos diplomatas ocidentais como uma clara contradição do não-alinhamento da África do Sul. "Estão realmente preocupados e querem perceber a posição da África do Sul", disse a analista à DW.
Inicialmente, a ministra Pandor condenara a guerra russa. Mas foi forçada pelo Presidente Cyril Ramaphosa a retrair-se e receber o seu homólogo russo Sergei Lavrov com todas as honras no final de janeiro. No regresso de uma viagem de uma semana a África, Lavrov disse: "Podemos afirmar que os planos do Ocidente de isolar a Rússia são um fiasco".
A percepção de que o Ocidente está a perder terreno para a Rússia em África chegou ao parlamento alemão, onde a maioria dos deputados normalmente não tem o continente como prioridade. O grupo parlamentar da oposição CDU/CSU apresentou uma moção sobre uma "estratégia alemã para lidar com a crescente influência da Rússia em África". A votação está marcada para 1 de março, após um breve debate. Os partidos conservadores veem "um problema para os interesses alemães e europeus no terreno".
Entender as razões
A resolução do problema passa por compreender por que o Governo sul-africano e o partido há décadas no poder, o Congresso Nacional Africano (ANC), não querem tomar partido no conflito que se opõe à Rússia e ao Ocidente. As razões vão além dos velhos laços resultantes do apoio de Moscovo ao ANC durante a luta de libertação contra o apartheid. Os dois governos defendem que a ordem internacional não reflete a realidade atual "e que deve haver uma distribuição mais equitativa do poder", diz Jo-Ansie van Wyk, docente na Universidade da África do Sul, em Pretória.
A África do Sul está também interessada em reforçar os laços com a Rússia e a China enquanto membros permanentes do Conselho de Segurança das Nações Unidas, onde o continente africano há muito que reivindica uma voz. A África do Sul faz parte da formação BRICS com a Rússia, Índia, China e Brasil, originalmente criada para fomentar laços económicos, mas cada vez mais inclinada a desafiar o domínio das superpotências globais.
Segundo a analista Bax, a perspectiva ocidental muitas vezes não leva em conta outras realidades: "O grau de ansiedade e o medo gerado pela guerra por vezes torna os diplomatas da UE um pouco míopes". A guerra longínqua não é uma ameaça direta à segurança africana e os países africanos não querem e não veem necessidade de serem coagidos a escolher lados, acrescentou Bax.
Críticas na África do Sul
A analista propõe uma abordagem mais construtiva por parte do Ocidente, que deveria começar por aceitar que "os governos africanos e as nações africanas podem tomar as suas próprias decisões". Eles não sentem que têm de "cumprir a linha com quem quer que queira trazer fundos".
Críticos do Presidente Ramaphosa apontam para alguma resistência dentro da África do Sul a políticas consideradas demasiado próximas de Moscovo. Para este fim de semana estão previstos protestos contra o exercício naval em Durban e na Cidade do Cabo. O político da oposição sul-africana Herman Mashaba disse "estar preocupado que o Governo do ANC possa contribuir para uma escalada da guerra". Mas "o parlamento não é suficientemente forte para chamar o governo à ordem", diz van Wyk.
A guerra da Ucrânia teve algum impacto negativo em África, fazendo subir os preços dos alimentos básicos e do combustível. Pode estar para vir pior. "Prevejo que a ajuda dos doadores à África do Sul acabará por ser menor devido às prioridades na Europa", disse van Wyk à DW. Ramaphosa seria bem aconselhado a agir com algum cuidado numa altura em que o país atravessa dificuldades económicas e espera mais ajuda do Banco Mundial, que tem os EUA por principal acionista.
Direitos humanos desvalorizados
Várias conferências recentes com parceiros não ocidentais ou não tradicionais na Europa, não resultaram num aumento dos investimentos. "A África do Sul já está a sentir algum aperto", diz a analista. Não é a única razão pela qual Van Wyk acredita que o Presidente Ramaphosa está a cometer um erro.
Num artigo escrito em 1993, o então Presidente Nelson Mandela declarou que a política externa da África do Sul seria uma política externa de direitos humanos, recorda a investigadora.
As votações e resoluções adoptadas pela ONU relativamente à Ucrânia apoiam a ordem jurídica internacional contra agressões militares e a ameaça à paz internacional e à soberania dos Estados. Ao não acrescentar a sua voz, "a África do Sul perdeu uma oportunidade de ser o compasso moral que já foi".
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