Uma desgraça nunca vem só. Bom dia (não sabemos como), este vai ser o Expresso Curto com algumas desgraças reportadas e comentadas por Pedro Candeias, do Expresso do tio Balsemão de Bilderberg e doutros sindicatos do grande capital. Fiquem aqui e façam cruzes porque são muito mais que muitos os azares do povoléu global. Morrem que nem tordos. É insofismável que o sol quando nasce não é para todos. Não se iludam.
Esta abertura para o Curto basta. Sem mais delongas passemos à prosa anunciada e tristemente malvada, recheada de cadáveres…
Bom dia e uma torrada. Avante. (PG)
MORRER NA PRAIA
Pedro Candeias, editor de sociedade | Expresso (curto)
Antes de começarmos, deixamos-lhe um convite para o Clube Expresso e para o webinar
“Junte-se à Conversa” onde poderá argumentar sobre a habitação com o diretor
João Vieira Pereira e o diretor-adjunto David Dinis. Começa às 14h.
Bom dia,
Steccato di Cutro é uma comprida língua de oito quilómetros com areia da
cor do sol virada para a água cristalina do Mediterrâneo. Tem algumas
ofertas turísticas - resorts, passeios turísticos, restaurantes e pelo
menos uma igreja - e fica em Cruto que fica em Crotone que fica na região de
Calábria, precisamente no lugar onde o peito do pé da bota se apoia no mar.
Era lá que 200 paquistaneses, afegãos, turcos e somalis gostariam de ter posto
os seus pés em segurança depois de terem zarpado quatro dias antes de um
porto em Izmir numa embarcação de madeira de vinte metros que, em
condições normais, leva entre vinte a quarenta passageiros.
Não aconteceu assim.
Morreram sessenta pessoas, salvaram-se oitenta e várias dezenas continuam
desaparecidas. Entre os mortos, contam-se 14 crianças, a mais nova com
poucos meses e a mais velha com 13. Também há um detido: um dos
traficantes responsáveis pelo barco que não aguentou o embate contra as rochas
quando o mar revolto decidiu despedaçá-lo já com a praia à vista.
Ao areal chegaram a madeira, as malas, as mochilas, os
sapatos, os cosméticos, os medicamentos, uma bolsa de água quente e
brinquedos, e depois vieram os socorristas e os sacos brancos para cobrir
os corpos.
Este é o acidente com migrantes mais grave de 2023 na zona do Mediterrâneo, um
mar que já tolheu 26 mil vidas nos últimos dez anos, mais do dobro dos
habitantes de Cutro onde se deu esta tragédia; os números pecam certamente por
defeito, pois é impossível contabilizar quem se afoga e nunca mais é
encontrado. Segundo a Organização Internacional para as Migrações (OIM), mais
de 15 mil migrantes chegaram à Europa por via marítima desde o início do ano e
o ministério do Interior italiano garante que às suas costas vieram dar 14 mil
em 2023.
A instabilidade política e social, as guerras, a pobreza e as alterações
climáticas vão provocar mais fluxos migratórios para a Europa que anda há dois anos a tentar fechar um
acordo entre os 27 sobre que políticas adotar perante o fenómeno.
Não será fácil.
De um lado, defende-se a criação de rotas seguras e legais para os
migrantes que se arriscam pondo a suas vidas nas mãos de traficantes pouco
escrupulosos, em embarcações frágeis ou furgões clandestinos. Do outro,
pedem-se muros e mecanismos de pushback, inglês suave para “mandar as
pessoas de volta”.
E entre os dois extremos, temos a política de Giorgia Meloni que os
ativistas e a própria ONU classificam de ambígua. Desde que democraticamente
eleita primeira-ministra de Itália, Meloni tem criado regras que, segundo as
ONG, dificultam o socorro aos migrantes que chegam pelo Mediterrâneo.
São mais ou menos estas: de forma a descentralizar o problema, a
PM decidiu que os barcos que recolhem as pessoas no mar têm de aportar
longe do lugar onde o salvamento ocorreu, por exemplo, a mais de mil
quilómetros de distância (já aconteceu); por outro lado, por cada exercício de
salvamento, o barco deve imediatamente dirigir-se para terra, cessando então
quaisquer outras buscas. Diz Meloni que as ONG são um incentivo à migração:
havendo menos oportunidades de salvamento, menos pessoas se lançarão ao mar.
A Itália vai ter um museu dedicado ao fascismo em Salò, onde
Benito Mussolini inventou um estado para ele próprio.
OUTRAS NOTÍCIAS
E agora? Na sexta-feira, a SIC noticiou que o “projeto de parecer” da
Inspeção-Geral de Finanças (IGF) detetara “irregularidades” na indemnização de 500 mil euros paga pela TAP à
ex-secretária de Estado Alexandra Reis. A seguir, o incansável Marcelo
Rebelo de Sousa pediu ao ministro das Finanças que retirasse as suas
conclusões quando o relatório da IGF estivesse terminado. No domingo de
manhã, Fernando Medina respondeu, afirmando que a IGF estava na fase
de contraditório e que apenas agiria quando tivesse todas as informações nas
mãos. E no final da manhã de domingo, o duplamente incansável Marcelo Rebelo de
Sousa disse que Medina dissera “aquilo” que ele “tinha dito que era previsível que
viesse a dizer”. E que diz o Estatuto do Gestor Público? Que parte da
indemnização deve ser reduzida ou devolvida se o gestor regressar ao trabalho
ou aceitar um cargo no setor público no prazo de 12 meses. Alexandra Reis
entrou na NAV quatro meses após deixar a TAP.
Em que ficamos? Um novo estudo levanta algumas dúvidas sobre a eficácia do
uso de máscara para travar infeções respiratórias. Dizem os autores que talvez
- talvez - a lavagem diligente das mãos faça mais diferença do que cobrir o
nariz e a boca. Acontece que os mesmos autores dizem que as conclusões são questionáveis e os especialistas que
ouvimos também. Ainda sobre covid-19: o Wall Street Journal escreve que uma fuga num
laboratório chinês terá provavelmente provocado a pandemia, citando fontes do
departamento de energia dos EUA que se baseou em informações fornecidas pelo
FBI. Uma vez mais, ficamos na mesma, pois a agência classificou esta conclusão com a etiqueta
“baixa confiança”.
Permanecemos ou abalamos? Os representantes dos alunos das universidades
portuguesas alertam para a pressão inflacionista, garantindo que os pedidos
de ajuda têm subido sobretudo entre os que ficam apenas a algumas dezenas
de euros da elegibilidade para as bolsas sociais. O Governo garante que no
próximo ano letivo os critérios vão ser alargados para que mais estudantes possam
beneficiar dos apoios.
Talvez nos encontremos a meio caminho... Em entrevista ao Jornal de
Notícias e à TSF, o ministro João Costa garantiu que o Governo anda a fazer contas e a promover
“estudos” para depois apresentar aos sindicatos propostas concretas
para a recuperação do tempo perdido dos professores. O Ministério da Educação
parece disposto a ceder um bocadinho no que era aparentemente inegociável, mas
assegura que o fará apenas num contexto de “comparabilidade” com outras
carreiras da função pública.
Ou então fiquemos para trás. O FC Porto perdeu com o Gil Vicente (1-2) em casa pela primeira
vez na sua história (e em dia de aniversário de Pepe) e ficou a oito pontos do
Benfica que batera o Vizela (0-2) no sábado. O Sporting defronta o Estoril esta segunda-feira (19h).
FRASES
“Eu não sei mesmo viver muito bem”, João Canijo, realizador de “Mal Viver”, vencedor do Urso de Prata
no Festival de Berlim
“É preciso marchar com duas pernas. Tem de se partir de políticas universais
para reduzir as desigualdades e acrescentar depois o combate ao racismo, à
xenofobia e às discriminações”, Thomas Piketty em entrevista ao Expresso
“Ficámos muito surpreendidos e muito divertidos com o resultado. Tivemos a
nítida sensação de que tínhamos feito uma boa cantiga, uma cantiga de peso”, Fernando
Tordo, sobre os 50 anos da canção “Tourada”
“A visita de Estado é do presidente brasileiro, não é do senhor Lula da Silva
nem do senhor Bolsonaro”, Marcelo Rebelo de Sousa, a propósito de mais uma trapalhada política originada pelo MNE
PODCASTS
Nuno Baltazar: “Não precisamos de tanta roupa. Não é só o lixo em que se
transformam, é o lixo de onde vêm à custa de mão-de-obra imoral” O
estilista conversa com Bernardo Mendonça no podcast A Beleza das Pequenas Coisas onde afirma também que
sempre achou “a falha e o desequilíbrio fascinantes, porque é humano, tem
camadas. A perfeição é aborrecida.”
Arte pública em Portugal, comportamentos no elevador, e funcionários
chico-espertos No Irritações desta semana, Carla Quevedo discute a
arte pública em Portugal, Luís Pedro Nunes aborda os novos comportamentos num
elevador, para assumir que, depois da Covid, ainda se mantém um "certo
desconforto" nas pessoas. José de Pina volta aos CTT e às raspadinhas, com
Luana do Bem a nomear os "funcionários chico-espertos".
O prato de resistência e o problema da habitação. Esta semana no podcast O
Programa Cujo Nome Estamos Legalmente Impedidos de Dizer Ricardo
Araújo Pereira declara-se o anticristo. João Miguel Tavares confessa-se
incorruptível e Pedro Mexia sente-se “gobblefunk”.
O QUE ANDO A VER
“Tár”, de Todd Field
É difícil trancar o objeto deste filme numa gaveta: wokismo, feminismo,
machismo, controlo, poder, assédio moral e laboral e sexual, sexo e amor,
família, homoparentalidade, burnout, paranoia e música são movimentos e
palavras a mais para caberem num pequeno compartimento.
Digamos que “Tár” é sobre isto tudo, mas também sobre tudo o que sobra da
história escrita por Todd Field de uma maestrina que dirige a
melhor orquestra do mundo - a de Berlim -, geradora de mitos como von Karajan,
Abbado ou Furtwängler.
Lydia Tár é então a protagonista, a mulher autoritária, intransigente,
meticulosa e talentosa com um estilo de vida semelhante ao de uma estrela rock
- vive e trabalha entre viagens, entrevistas, solicitações, restaurantes,
espetáculos, flirts e lóbis - cujo objetivo é levar os seus músicos à
melhor interpretação possível da 5.ª Sinfonia de Gustav Mahler.
Este é o ponto de partida do filme que tocará, progressivamente, em todos os
termos engavetáveis. Com uma ambição destas, “Tár” poderia facilmente cair em
lugares-comuns, mas o enredo nunca é óbvio: não há facilitismos,
previsibilidade nem personagens caricaturais.
E acima de tudo há uma interpretação extraordinária de Cate Blanchet, tão
credível, complexa e ampla, que em momentos chegamos a sentir que “Tár” é um
documentário e a protagonista existe para lá da tela.
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