segunda-feira, 1 de maio de 2023

Angola | Os Matadores da Democracia e da Unidade -- Artur Queiroz

Artur Queiroz*, Luanda

O MPLA fez a Luta Armada de Libertação Nacional entre 4 de Fevereiro de 1961 e 21 de Outubro de 1974. Após o 25 de Abril os seus combatentes ainda protagonizaram uma acção importantíssima na defesa da integridade territorial. O governador do distrito de Cabinda, brigadeiro Themudo Barata, fazia reuniões com dirigentes da FLEC, organização para a qual foi eleito “presidente de honra”. O militar português revelou, muitos anos depois, que “os contactos com a FLEC foram ordenados pelo Presidente Spínola no sentido de convocar uma delegação da FLEC para reunir com ele em Lisboa”.

Combatentes do MPLA em Cabinda tomaram de assalto o palácio do governador e prenderam-no. Oficiais do Movimento das Forças Armadas (MFA), entre os quais o coronel Fontão, associaram-se à operação. Themudo Barata foi recambiado, sob prisão, para Luanda onde o almirante Rosa Coutinho já tinha substituído o general SS Marques, em finais de Julho de 1974, como presidente da Junta Governativa. Tinha terminado a época dos governadores.

Rosa Coutinho ainda não tinha aquecido lugar quando um grupo de mercenários comandados por franceses e elementos da FLEC tomaram de assalto o posto fronteiriço de Massabi. O presidente da Junta Governativa não perdeu tempo e repôs a ordem. Os combatentes do MPLA continuaram a proteger a integridade territorial na província de Cabinda.

Estes acontecimentos foram antecedidos de uma cimeira na Base das Lajes, Açores, em 19 de Junho de 1974, entre os presidentes Spínola e Nixon. Além deles, estava também o patrão da CIA. Ali ficou decidido que o MPLA tinha de ser excluído do processo de descolonização. No interior a Revolta Activa fazia cada vez mais barulho para ajudar à festa. Graças à abnegação dos seus combatentes, o MPLA continuou a contar.

Após a prisão e expulsão de Themudo Barata e o fracasso de Massabi, os presidentes Spínola e Mobutu encontraram-se na Ilha do Sal, Cabo Verde, em, 16 de Setembro de 1974. Ponto único da agenda: A província de Cabinda é integrada na República do Zaire e o MPLA fica excluído do processo de descolonização. Os combatentes e militantes do movimento cerraram fileiras e enfrentaram todos os perigos. Assumiram o controlo militar em Cabinda.

Em Luanda enfrentavam os esquadrões da morte dos independentistas brancos. No dia 28 de Setembro de 1974 o golpe de estado de Spínola em Lisboa fracassou. Se triunfasse, os líderes das associações económicas, proclamavam a independência unilateral na cidade do Huambo. Jonas Savimbi e a UNITA davam cobertura ao golpe. Como a FNLA deu, nas acções contra Cabinda. O MPLA, entre 25 de Abril de 1974 e 28 de Setembro foi o expoente máximo da democracia em Angola.

No dia 3 de Janeiro de 1975, Agostinho Neto, Holden Roberto e Jonas Savimbi assinaram a “plataforma de entendimento” em Mombaça, Quénia, que permitiu a Cimeira do Alvor. Durante a manhã, os três movimentos de libertação negociavam na “State House”. À tarde, FNLA e UNITA concertavam posições na sala de conferências de um hotel na Ilha de Mombaça. No dia seguinte impunham essas decisões ao MPLA! Agostinho Neto e Lúcio Lara aceitaram tudo. Mas fizeram uma imposição: O processo de transição termina obrigatoriamente com a realização de eleições. 

Esta exigência foi colocada em cima da mesa na Cimeira do Alvor. E aceite por todas as partes. Consta do acordo. FNLA e UNITA levaram tudo, até escolheram o alto-comissário que tinha colaborado activamente na invasão silenciosa do Norte de Angola pelas tropas de Mobutu. O MPLA também impôs que os Ministérios atribuídos a cada movimento de libertação tinham obrigatoriamente secretários de estado dos outros dois.

Em obediência ao decidido por Spínola, Nixon e Mobutu nas cimeiras das Lajes e da Ilha do Sal, FNLA e UNITA começaram a sabotar o Governo de Transição. Era preciso afastar o MPLA a todo o custo. O alto-comissário, Siva Cardoso, chamou os Media para dizer (logo em Fevereiro!) que era impossível realizar eleições. Agostinho Neto exigiu que todos passassem pelo “crivo dos votos para vermos qual é a representatividade de cada movimento”. Acabou a festa. 

Tropas zairenses acobertadas na FNLA desencadearam a guerra nas ruas de Luanda. Os ministros e secretários de estado da FNLA e da UNITA estimularam os combates e depois abandonaram o Governo de Transição! O MPLA defendeu a democracia, a liberdade e a Independência Nacional. Centenas de combatentes e dirigentes do movimento deram a vida pelo Acordo de Alvor. Pela democracia. Pela libertação do Povo Angolano. Como sempre. E como sempre a UNITA bandeou-se com os inimigos de Angola. Primeiro, os colonialistas portugueses. Depois com os racistas da África do Sul.

Entre 11 de Novembro de 1975 e 23 de Março de 1988 (13 anos) o MPLA enfrentou os exércitos invasores estrangeiros. FNLA e UNITA integravam as tropas invasoras. Nestes anos o Governo da República Popular de Angola fez o que pôde. Os governantes fizeram o que podiam e sabiam. O país nasceu com grande parte do seu território ocupado por forças estrangeiras. Antes da Independência Nacional os serviços públicos pararam. As unidades de produção pararam. A economia parou. 

Só ficou o povo que não conseguiu fugir. E os combatentes da liberdade. Enfrentar exércitos invasores não é governar. Risquem esses 13 anos da propaganda. O MPLA não governou nos primeiros 13 anos de existência da República Popular de Angola. Lutou de armas na mão pela existência da Pátria Angolana. 

Em nome da reconciliação nacional o MPLA pôs o poder em disputa nas eleições de 1992. Ganhou com maioria absoluta. A UNITA regressou à guerra para ganhar a ferro e fogo o direito a governar contra a vontade do Povo Angolano. Apesar desta tentativa de matar o regime democrático ainda no ovo, o Primeiro-Ministro indigitado, Marcolino Moco, convidou todos os partidos que elegeram deputados para o seu governo. Até a UNITA, que já estava em guerra contra a democracia.

Entre 1992 e 2007 Angola foi governada por todos menos a UNITA ainda que o partido estivesse representado na Assembleia Nacional com os deputados eleitos que não andavam aos tiros contra a democracia. No dia 11 de Abril de 1997, graças à paixão do MPLA pela democracia e o pluralismo, a UNITA entrou no Governo de Unidade e Reconciliação Nacional (GURN). Todos os partidos representados no parlamento governavam. Portanto, o MPLA só governa sozinho há 15 anos. Em 2008, ganhou as eleições com maioria qualificada. Resultados: MPLA 81,76 por cento, UNITA, 10,36 por cento. Em 2012, o MPLA ganhou com 71 por cento e a  UNITA 18 por cento.  Mais uma maioria qualificada.

Depois veio a liderança de João Lourenço. Resultados eleitorais em 2017: MPLA 61,10 por cento. UNITA 26,71. Mais uma maioria qualificada. Resultado das eleições de 2022 (passaram poucos meses e já esqueceram a estrondosa derrota da frente podre unida?): MPLA 51,17 por cento dos votos. UNITA 43,95 por cento. Vitória do MPLA com maioria absoluta. 

Entre 1992 e 2022 (32 anos!) a UNITA usa sempre o mesmo truque: Nós ganhámos as eleições mas como houve fraude, o MPLA foi o vencedor. Isto é matar a democracia. É afastar os eleitores. É destruir o regime democrático. 

O líder da bancada parlamentar do MPLA, Virgílio de Fontes Pereira, convidou os angolanos a refletirem sobre a necessidade de serem institucionalizados mecanismos de diálogo nos vários níveis e segmentos da vida nacional. Diálogo no que diz respeito ao funcionamento das instituições democráticas. Diálogo com as organizações da sociedade civil. Diálogo com os agentes económicos e culturais. 

O sicário da UNITA Liberty Chiaka respondeu assim ao desafio: “Finalmente, o MPLA decidiu associar-se ao desejo genuíno da maioria dos angolanos. A fuga do MPLA ao diálogo impactou o retrocesso do Estado democrático de Direito”. O que dizer disto? Para a direcção da UNITA e seus deputados, eles é que ganham as eleições. Por isso Chiaka diz que o MPLA decidiu associar-se “ao desejo genuíno da maioria dos angolanos”. Conclusão: Já fecharam as portas a qualquer hipótese de diálogo. Tudo o que é bom para Angola, os membros da associação de malfeitores UNITA matam logo à nascença.

Hoje deixo um texto que escrevi no dia 3 de Junho de 2010 a propósito do falecimento do almirante Rosa Coutinho, publicado no Jornal de Angola: 

O almirante Rosa Coutinho, falecido ontem em Lisboa, teve um papel fulcral no período entre o 25 de Abril de 1974 e o 11 de Novembro de 1975, dia da Independência Nacional. Foi ele que trouxe para Angola o programa integral do Movimento das Forças Armadas, que fez a Revolução dos Cravos em Portugal, e desmontou todas as conspirações montadas pelo general Spínola, Richard Nixon e Mobutu Sese Seko. Os oficiais que derrubaram em Portugal o regime colonial fascista elegeram uma Junta de Salvação Nacional constituída pelos generais Costa Gomes, António de Spínola e Diogo Neto, brigadeiro Jaime Silvério Marques, coronel Galvão de Melo, capitão de fragata Rosa Coutinho e pelo capitão de mar e guerra Pinheiro de Azevedo.

Spínola foi escolhido para Presidente da República na fase de transição e contrariando o programa do MFA, anunciou que Portugal ia criar uma federação de estados independentes com as suas colónias.

Jonas Savimbi, aos microfones da então Emissora Oficial de Angola, apoiou de imediato a solução do federalismo. Mas os “Capitães de Abril” forçaram Spínola a aceitar a tese da “independência total e completa” para todas as colónias.

Desta clivagem resultou uma situação grave. Spínola mandou para Angola, como governador-geral, o general Silvino Silvério Marques que tinha cumprido um anterior mandato ao serviço de Salazar. O novo governador imediatamente se associou aos grupos de colonos ricos que defendiam uma solução igual à da Rodésia de Ian Smith, a proclamação unilateral da independência e a adopção de um regime de apartheid. As forças de defesa e segurança da África do Sul apoiavam esta solução.

Esquadrões da morte começaram a actuar lançando o terror sobre as populações indefesas dos musseques. Os órgãos de informação, com destaque para o Diário de Luanda, apoiavam a aventura spinolista e de Silvino Silvério Marques. A situação agravou-se de tal forma que milhares de angolanos que cumpriam serviço militar obrigatório nas forças armadas portuguesas revoltaram-se e assumiram a defesa das populações. Face à gravidade da situação social e política, o MFA viu-se forçado a demitir o governador. Foi neste quadro que o almirante Rosa Coutinho chegou a Angola, investido no cargo de Alto-Comissário.

A sua primeira tarefa foi desarmar os esquadrões da morte. Depois prendeu e deportou para Portugal todos os líderes do movimento que defendia uma “independência branca”. Agentes da polícia que eram cantineiros nos musseques e taxistas invadiram o palácio do governador para derrubar Rosa Coutinho. Foi a última aventura contra-revolucionária. Nessa noite os líderes do movimento foram presos e enviados para Lisboa.

Quando a situação em Luanda acalmou, Spínola estabeleceu contactos com Nixon e encontrou-se com ele nos Açores. Os três decidiram que Angola tinha de ficar na órbita do Zaire de Mobutu e para isso era preciso que Portugal privilegiasse as relações com a FNLA. Um mês depois, Nixon, Spínola e Mobutu têm uma reunião na Ilha do Sal, Cabo Verde, e estabelecem o plano de transferência de poderes para a FNLA, sob a alegação de que o MPLA não podia ser interlocutor já que estava dividido em três facções, uma liderada por Agostinho Neto, outra por Daniel Chipenda (Revolta do Leste) e a terceira por Joaquim Pinto de Andrade (Revolta Activa). A UNITA ficou de fora porque não era reconhecida pela Organização de Unidade Africana (hoje União Africana) como movimento de libertação.

O almirante Rosa Coutinho foi informado da situação pelo MFA e estabeleceu contactos com Hermínio Escórcio e Manuel Pedro Pacavira, que estavam a “refundar” no interior o MPLA sem facções. Ficou decidido que só existia um MPLA, o que era dirigido por Agostinho Neto, e que as duas facções não eram reconhecidas pelo Alto-Comissário. Esta decisão ia custando muito caro porque algumas figuras de proa da Revolta Activa tinham excelentes relações com Henri Lopez, primeiro-ministro do Congo Brazaville, e este accionou uma “operação” da FLEC em Massaoi, com a ajuda de mercenários franceses, com o objectivo de proclamarem a independência da província de Cabinda. Rosa Coutinho organizou uma operação de fuzileiros navais e ele próprio acompanhou essa força a Massabi e os mercenários foram abatidos ou postos em fuga.

Preparação de Mombaça

O MPLA no interior estava unido e cada vez mais forte, em todas as províncias. Em Portugal começaram a surgir sinais de divisões profundas no seio do MFA. O almirante Rosa Coutinho pedia a Hermínio Escórcio e Manuel Pedro Pacavira rapidez na acção. Queria assinar um cessar-fogo com Agostinho Neto para de seguida preparar condições que conduzissem a um acordo para a independência.

O acordo de cessar-fogo entre Portugal e o MPLA foi assinado por Agostinho Neto e oficiais do MFA, entre os quais Pezarath Correia e José Emílio da Silva, os coordenadores do movimento em Angola, na chana do Luinhamege. O almirante Rosa Coutinho queria Agostinho Neto em Luanda com toda a urgência, porque a ala spinolista do MFA dava cada vez mais força à solução que privilegiava a FNLA e Mobutu.

As coisas corriam a alta velocidade e a UNITA aparecia aos olhos da opinião pública como o “movimento dos brancos”. E Savimbi auto-intitulava-se o “muata da paz”. Os colonos e grande parte das elites negras do Planalto Central engrossavam a UNITA de tal forma que já não era possível iniciar as negociações para a independência sem a sua presença. Mas a FNLA, que tinha acabado de assinar um acordo de cessar-fogo com o MFA, em Kinshasa e sob a tutela de Mobutu, rejeitava a UNITA sob a alegação de que não era um movimento de libertação reconhecido pela Organização de Unidade Africana.

Rosa Coutinho e o MFA conseguem que Agostinho Neto e Jonas Savimbi assinem um acordo de cooperação, no Luena, em Novembro de 1975. E a diplomacia portuguesa, ajudada pelo MPLA, conseguiu que a OUA reconhecesse a UNITA. Estavam criadas as condições para preparar a independência de Angola.

MPLA, FNLA e UNITA, em Dezembro, encontraram-se em Mombaça para prepararem uma posição comum a apresentar à parte portuguesa, na conferência marcada para Janeiro, no Alvor, Algarve.

Acordo de Alvor

O general Spínola estava fora da Presidência da República desde finais de Setembro de 1975, na sequência de um golpe de estado fracassado e que ele encabeçou. Mas continuava a conspirar e tinha ligações privilegiadas a sectores importantes do MFA. Durante as conversações do Alvor, essa facção, apoiada pelo poder económico em Angola, agora rendido à FNLA, rejeitou o nome de Rosa Coutinho para a fase de transição até ao dia 11 de Novembro, data definida no Acordo de Alvor para a Independência Nacional.

O afastamento de Rosa Coutinho ficou caro aos seus detractores. Porque o MPLA em troca exigiu pastas ministeriais estratégicas e bateu-se pela marcação de eleições. Agostinho Neto, numa entrevista ao jornal português Diário de Notícias, afirmava: “é bom que passemos pela experiência das eleições para cada um saber o que vale e quem representa”.

O Acordo de Alvor foi assinado e as partes aceitaram para Alto-Comissário o general da Força Aérea Silva Cardoso, que já prestava serviço em Angola. Logo que iniciou o seu mandato, permitiu a invasão do Norte de Angola pelas forças zairenses. Máquinas, equipamentos fabris e viaturas foram saqueados. O gado de raça do Planalto de Camabatela foi levado para o Zaire. O café das roças foi roubado. O Alto-Comissário mandou retirar para Luanda todas as forças portuguesas.

Em Luanda, Agostinho Neto denunciou em conferência de imprensa “uma invasão silenciosa no Norte de Angola”. O general Silva Cardoso respondeu que nada podia fazer.

Ainda em Janeiro de 1975, Daniel Chipenda e a FNLA assinaram um acordo de amizade e é aberta em Luanda uma “delegação do MPLA Chipenda”.

Agostinho Neto lembra ao Alto-Comissário que só existia um MPLA, aquele que estava no Governo de Transição. Silva Cardoso ignorou o protesto e deixou degradar a situação de tal forma que rebentou a guerra em Luanda.

Rosa Coutinho, agora figura de proa do Conselho da Revolução em Portugal, consegue substituir o Alto-Comissário pelo almirante Leonel Cardoso. Foi ele que conseguiu também que a parte portuguesa continuasse no Governo de Transição, com os ministros indicados pelo MPLA, quando a FNLA deu ordens aos seus ministros para abandonarem o governo e ordenou aos seus militantes que abandonassem Luanda e fossem para o Norte. A UNITA fez o mesmo e apelou “ao povo do sul” para abandonar Luanda. Simultaneamente uma coluna do Exército de Libertação de Portugal (ELP) e tropas sul-africanas com apoio aéreo invadem Angola pela fronteira de Namacunde e chegam ao Lubango onde Jonas Savimbi, aos microfones do Rádio Clube da Huíla, anuncia que está em marcha a tomada de Luanda.

O almirante Rosa Coutinho em Lisboa continuou a defender a presença da parte portuguesa no Governo de Transição até ao dia 11 de Novembro de 1975. E ao conseguir esse objectivo, ajudou a criar condições para que Agostinho Neto proclamasse a Independência Nacional na data prevista no Acordo de Alvor.

Angola perdeu um bom amigo.

* Jornalista

 

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