domingo, 14 de maio de 2023

Portugal | ISTO AQUI NÃO É UM CIGARRO

"Está estafada a citação do Brecht mas é irresistível: Primeiro vieram buscar os críticos da gestão covid e todos aplaudiram porque não eram críticos da gestão covid. Depois, vieram buscar o computador e o ministro não caiu porque o Dr Costa tem maioria absoluta. Depois, acossaram os fumadores mas como não fumo, não me importei. Depois, levaram os combatentes da censura, mas eu como não quero problemas, não reclamei. Depois, foram também atrás dos opositores do dinheiro digital mas eu, que me deslumbro com facilidades, também não me importei. Agora levam-me a mim, mas já não sobra ninguém para se importar."

Joana Amaral Dias* | Diário de Notícias | opinião

Eis que, depois do Homo Sapiens, chega o Homo Exemplar, o cidadão virtuoso sem vícios nem maus hábitos, de mente higienista e bacteriologicamente pura. Puríssima. E a quem se deve esta inaudita transição na evolução da espécie humana? Ao impoluto, imaculado, asceta e quase virgem Dr. António Costa e à sua excelsa secretária de Estado para a promoção da saúde, a praticamente santa Dra Margarida Tavares. Juntos e suportados pela também muito sanitarista e zelosa da nossa saúde, a anjinha União Europeia, querem que antes de 2040 ninguém fume. A bem ou a mal.

Ora: esse Plebeu Perfeito, esse verdadeiro homem novo, é pobre e esmifrado mas muito saudável. Coloca sempre o bem comum (determinado pelos ricos) acima dos seus próprios interesses e por ele abdica da sua liberdade. Pobre, mas honrado. Pobre mas lavadinho. Pobre e bem agradecido.

Pois é. Nos últimos três anos, a reboque da covid, a esmagadora maioria subjugou-se às medidas sanitárias arbitrárias supostamente para proteger a saúde do outro. Agora, os mesmos que aplaudiram coimas por estar a 1,90 m e não a pelo menos 2 metros de outra pessoa ou por comer gomas na rua, que apoiaram a interdição do surf ou a catadupa de medidas inconstitucionais, indignam-se com a nova Lei do Tabaco.

Até lhe chamam ditadura sanitária.

Claro que ninguém tem que ser prejudicado pelo cigarro do outro, mas tratar os fumadores como criminosos, seguir a vereda persecutória, assumir como projecto "uma sociedade livre de fumo" mas que esfumou a liberdade, galgar mais um degrau na biopolítica onde não há lugar para o livre-arbítrio ou para a auto-determinação e onde prevalece o tal suposto interesse superior decidido pelo 1% é deveras triste. Claro que como esses ataques aos nossos direitos, liberdades e garantias na covid abriram perigosas excepções, agora é fartar vilanagem - desde os serviços de informações a comportarem-se como polícias políticas até às regras absurdas contra os fumadores que incluem não usar tabaco a menos de 300 metros de escolas, cafés ou restaurantes, hospitais, serviços públicos (o que, nas cidades, equivale a lado nenhum). Prevenção ou comparticipação para medicamentos anti-tabágicos como em muitos outros países? Nã. O que interessa é proibir e uma série de outras normas estapafúrdias (como não fumar nas praias) que, além de pretenderem sobrecarregar o pobre honrado de novas multas, visa partir ainda mais a espinha do Homo Sapiens - que caminha erecto - para alcançar o Homo Exemplar que anda de quatro ou rasteja. De seguida, podem proibir comer carne ou doces. Está estafada a citação do Brecht mas é irresistível: Primeiro vieram buscar os críticos da gestão covid e todos aplaudiram porque não eram críticos da gestão covid . Depois, vieram buscar o computador e o ministro não caiu porque o Dr Costa tem maioria absoluta. Depois, acossaram os fumadores mas como não fumo, não me importei. Depois, levaram os combatentes da censura, mas eu como não quero problemas, não reclamei. Depois, foram também atrás dos opositores do dinheiro digital mas eu, que me deslumbro com facilidades, também não me importei. Agora levam-me a mim, mas já não sobra ninguém para se importar.

E assim vamos: de bem comum em bem comum até ao mal geral.

*Psicóloga clínica. Escreve de acordo com a antiga ortografia

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