quinta-feira, 8 de junho de 2023

Angola | ESTADO DE DIREITO CADA VEZ MAIS TORTO – Artur Queiroz

Artur Queiroz*, Luanda

O Presidente da República deu explicações públicas sobre o que se passa com a figura do Presidente do Tribunal Supremo, Joel Leonardo. Um membro do seu gabinete está a contas com a Justiça mas até agora não há qualquer evidência de que o venerando conselheiro tenha ligação com os factos em investigação. Em cima da hora a Procuradoria-Geral Rafael Marques dava uma entrevista que desmentia João Lourenço. É o Estado de Direito a dar para o torto.

A Procuradoria-Geral da República de Hélder Pita Grós tem violado reiteradamente o segredo de justiça para prejudicar o venerando conselheiro e presidente do Tribunal Supremo. Uma instituição que tem o dever de velar pelo cumprimento das Leis viola o segredo de justiça para prejudicar um cidadão. Para enfraquecer o sector da Justiça que, nunca me canso de lembrar, foi o que mais evoluiu desde a Independência Nacional. Situação extraordinária! Sabemos que magistrados judiciais, advogados e agentes do Ministério Público são obrigatoriamente quadros superiores diferenciados. Os funcionários judiciais têm igualmente especiais qualificações.

A Procuradoria-Geral de Rafael Marques escalou a campanha e já deduziu acusação contra Joel Leonardo e praticamente todas e todos os membros do Conselho Superior da Magistratura. É evidente que as duas Procuradorias (de Hélder e de Rafael) trabalham em rede e têm como objectivo desmantelar o Poder Judicial para não ficar pedra sobre pedra e o Estado de Direito ficar cada vez mais torto. 

Este é o tempo de ser reposta a autoridade do Estado e não de declarações públicas mesmo que proferidas pelo mais alto magistrado da nação. Porque nem a declaração do Chefe de Estado (Presidente de todos os Angolanos) foi respeitada. A democracia exige acções concretas em sua defesa quando está em perigo.

A Procuradoria-Geral da República, infelizmente sequestrada por Hélder Pita Grós e a sua turma de malfeitores, tem um dever inalienável. Zelar para que a Lei seja cumprida em todas as circunstâncias.

Os agentes do Ministério Público sabem que ninguém pode estar preso preventivamente por período superior ao estabelecido na Lei Processual Penal. Não sendo cumprida escrupulosamente a Lei no que respeita ao período pelo qual um cidadão pode estar preso sem ter sido definitivamente condenado, estamos perante uma gravíssima violação do direito dos cidadãos à liberdade. É a demolição do mais importante pilar da democracia e do Estado de Direito. 

O prazo durante o qual um cidadão pode estar em prisão preventiva é definido no artigo 283.º do Código de Processo Penal. São vários prazos que se vão adicionando, de acordo com a fase do processo. E esses vários prazos podem, em circunstâncias extraordinárias, sofrer prorrogações, também previstas no mesmo artigo. 

Tudo somado, contando as prorrogações legalmente admissíveis, o período máximo durante o qual um cidadão pode estar preso sem ter sido definitivamente condenado é de 24 meses. Se alguém tiver dúvidas, pode consultar o Código de Processo Penal e o seu artigo 283.º Decorridos dois anos, se o processo não tiver terminado, é obrigatório restituir o detido à liberdade. Obrigatório! Não há excepções. Um cidadão não pode ser mantido na prisão, uma vez expirado o prazo máximo de prisão preventiva.

O empresário angolano Carlos Manuel de São Vicente está preso desde 22 de Setembro de 2020. Já lá vão mais de 32 meses. Mais de dois anos e oito meses! O seu processo está pendente no Tribunal Constitucional. Isso significa que a decisão condenatória do Tribunal Supremo não é definitiva. O seu efeito encontra-se suspenso. Logo, o cidadão está em prisão preventiva. 

A instância judicial competente deve ordenar oficiosamente a sua libertação imediatamente. Mas não. Os Tribunais não só não o fizeram como se remeteram a um comprometedor silêncio. Vários requerimentos, entre os quais pedidos de habeas corpus foram apresentados. Mas, decorridos meses, continua a imperar o silêncio, apesar de a Lei impor o prazo de cinco dias para que haja decisão sobre um pedido dessa natureza.

Um magistrado judicial não pode ignorar a ilegalidade em que se encontra o arguido. Não é possível um juiz ignorar que está obrigado a pronunciar-se sobre um pedido de habeas corpus em cinco dias. Ao que tudo indica, a violação da Lei pelos magistrados que tinham a obrigação de libertar o cidadão Carlos Manuel de São Vicente é consciente. 

O Ministério Público tem o dever de promover a aplicação da Lei. Sobretudo quando está em causa a liberdade de um cidadão. Na democracia a Liberdade é que nos move, mais ninguém. Mais nada! O exercício da magistratura com expressa e deliberada violação da Lei constitui um grave ilícito. 

Esses magistrados vão prestar contas, num futuro próximo, de actos de violação de direitos fundamentais? Por que razão quem deve cumprir a Lei e não o faz, se sente impune? Em nome de que interesses é conscientemente violada a Lei? A quem obedecem os juízes das várias instâncias chamados a intervir? Que garantias dão esses magistrados de aplicação da Constituição da República e na construção do Estado de Direito? Muitas perguntas mas não há respostas. É o Estado de Direito a dar para o torto de uma forma assustadora. 

Sobretudo quando sabemos que a Procuradoria de Pita Grós e a Procuradoria de Rafael Marques dão todos os dias marretadas arrasadoras no edifício do Poder Judicial, que tanto custou a erguer ao Estado Angolano e aos agentes da Justiça. 

*Jornalista

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