Lagarde culpa trabalhadores se tiver de subir mais os juros devido a exageros nos salários
"Salários crescerão mais 14% até ao final de 2025 e, em termos reais, recuperarão plenamente o nível anterior à pandemia", avisou a líder do BCE. Economista-chefe do FMI faz alerta semelhante em Sintra.
Os trabalhadores da zona euro devem ter cada vez mais a noção de que ao conseguirem obter aumentos salariais para tentarem compensar as perdas de poder de compra sofridas nesta crise, mas que não acompanhem a produtividade estão a pôr-se eles próprios e à economia em risco já que o Banco Central Europeu (BCE) será obrigado a ser ainda mais duro nos juros (nas subidas) na sequência desse comportamento.
O aviso partiu ontem da
presidente do BCE, Christine Lagarde, no primeiro dia de debates do Fórum BCE
que, como habitualmente, decorre
Outros economistas presentes no encontro anual deram-lhe razão quanto ao perigo da inflação ser mais "persistente" e difícil de dominar na Europa por causa dos aumentos salariais e de isso dificultar o trabalho do banco central, obrigando-o a ser mais duro nos juros. É o caso do economista-chefe do Fundo Monetário Internacional,
Como referido, o andamento dos salários está a criar um novo desafio ao BCE, que vê nisso uma nova fonte de inflação "persistente" que tem de ser combatida, disse Lagarde no discurso de abertura do Fórum BCE.
"Temos de garantir que as expectativas de inflação das famílias permanecem ancoradas, perante o desenrolar do processo de convergência em alta dos salários".
"Apesar de atualmente não se assistir a uma espiral salários‑preços, nem a uma desancoragem das expectativas, quanto mais a inflação se mantiver acima do objetivo, maiores serão esses riscos", advertiu a banqueira central.
"Isto significa que temos de assegurar o retorno atempado da inflação ao nosso objetivo de médio prazo de 2%", ou seja, a ação do BCE, através de subidas de taxas de juro e de outras formas de aperto monetário, terá de ser mais expedita e rápida do que agora.
Aliás, Lagarde não perdeu tempo e confirmou que "apesar de ainda não termos assistido ao impacto total dos aumentos acumulados das taxas de juro decididos desde julho passado - que ascendem a 400 pontos base [4 pontos percentuais]", "o nosso trabalho ainda não terminou" e "continuaremos a aumentar taxas de juro em julho".
Para a presidente do BCE, "a segunda fase do processo inflacionista está a começar agora a tornar‑se mais forte" e é nos salários que reside o nó górdio, a seu ver.
Sendo verdade que "os trabalhadores ficaram, até à data, a perder com o choque inflacionista, tendo sofrido grandes decréscimos dos salários reais", essa perceção de que perderam muito poder de compra "está a desencadear um processo sustentado de convergência em alta dos salários, com os trabalhadores a tentar recuperar essas perdas".
"Tal está a fazer subir outras medidas da inflação mais sensíveis aos salários e medidas da inflação interna", estimou Lagarde.
Por exemplo, "como as negociações salariais em muitos países europeus são plurianuais e inertes, este processo desenrolar‑se‑á obviamente ao longo de vários anos".
"As nossas projeções mais recentes indicam que os salários crescerão mais 14%, entre agora e o final de 2025, e que, em termos reais, recuperarão plenamente o nível anterior à pandemia", revelou a chefe do BCE.
"Este efeito da subida dos salários na inflação foi recentemente amplificado por um crescimento da produtividade mais baixo que o projetado, o que está a gerar custos unitários do trabalho mais elevados", acrescentou.
Aumento dos salários fazem subir inflação? Declarações de Lagarde são "um embuste"
À TSF, Isabel Camarinha afirma que o que faz aumentar a inflação é "a especulação" e o "aumento das margens de lucro" dos grandes grupos económicos". A secretária-geral da CGTP considera que é "um embuste" afirmar que o aumento dos salários contribui para as elevadas taxas de inflação. Ouvida pela TSF, reagindo às palavras da presidente do Banco Central Europeu, Christine Lagarde, na terça-feira, em Sintra, Isabel Camarinha lembra que não é a primeira vez que responsáveis europeus têm declarações semelhantes. Contudo, os trabalhadores continuam a viver com dificuldades enquanto os grandes grupos económicos continuam a registar lucros enormes. LER COMPLETO EM TSF
Para Lagarde, é um problema grave, tanto mais que esse movimento de expansão salarial ainda agora começou e vai durar anos, o que pressionará o BCE a prolongar o período de subida dos juros ou a apertar as condições do crédito ainda com mais força e celeridade, sendo que o ponto máximo das taxas de juro ainda não está sequer à vista.
"Enfrentaremos vários anos de aumento dos salários nominais, sendo as pressões sobre os custos unitários do trabalho exacerbadas por um fraco crescimento da produtividade", insistiu Christine Lagarde.
À luz disso, uma coisa é certa para Lagarde: os bancos centrais "precisam de responder a esta dinâmica de forma decisiva para garantir que não se conduz a uma espiral autorrealizável, alimentada por uma desancoragem das expectativas de inflação".
FMI acompanha
Pierre-Olivier Gourinchas, economista-chefe do FMI, acompanha Lagarde nesse tipo de aviso aos trabalhadores.
Num artigo em coautoria com mais quatro colegas seus, que apresentará hoje (quarta-feira) no Fórum, o alto responsável do Fundo defende que "uma inflação global persistentemente elevada, mesmo que mesmo quando provocada por choques nos preços da energia e dos alimentos, pode, com o tempo, desancorar as expectativas de inflação e refletir-se na inflação efetiva através da fixação de preços e dos salários".
Aí, os bancos centrais "têm um papel importante a desempenhar de modo a manter firmemente ancoradas as expectativas de inflação a médio e longo prazo, independentemente da fonte inicial dos aumentos de preços".
Um novo estudo de Christiane Baumeister, professora de Economia na Universidade de Notre Dame (Indiana, EUA), apresentado neste primeiro dia de debates (segundo do evento), também dá razão a Lagarde.
"A repercussão [dos choques da energia, a passagem dessa inflação para as várias áreas da economia] é muito mais rápida nos EUA, ao passo que as consequências inflacionistas são mais persistentes na zona euro, o que aponta para importantes efeitos de segunda ordem", diz a economista.
Luís Reis Ribeiro | Dinheiro Vivo
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