quinta-feira, 22 de junho de 2023

Portugal | OS MORTOS DE PEDRÓGÃO

Domingos de Andrade* | Jornal de Notícias | opinião

Os mortos só valem enquanto estão quentes. Enquanto a memória dos vivos se alimenta de momentos. Enquanto a memória coletiva chora, sofre, se revolta, se indigna. E enquanto a política, no sentido mais cru, que está apegada ao ato da perpetuação do poder dos vivos, sabe que não pode haver lugar para o esquecimento dos mortos.

Mas acontece. Por agenda. Porque o tempo passa. Porque alguém num gabinete se esquece. Porque se faz de conta que se esquece e se invocam outros interesses públicos

É quase tudo compreensível. E é por isso que das 66 vítimas dos trágicos incêndios de 2017 em Pedrógão Grande sobra cada vez mais apenas uma ideia no país, que não queremos ver repetida, e a dor trespassada das famílias reduzida a um memorial sem memória.

É porque falhar e esquecer pode até ser, com esforço, compreensível no mundo dos vivos que não se compreende que o erro não seja reparado com pedidos de desculpas sinceros e imediatos, exceção feita à ministra Ana Abrunhosa, a que se seguiram outros, e que assistamos incrédulos ao escalar da troca de declarações e comunicados entre S. Bento e Belém.

A começar pelo primeiro-ministro, que em vez de tentar melhorar a relação com o presidente da República, que já teve óbvios e públicos melhores dias, marca o tributo às vítimas de Pedrógão Grande e a inauguração ao memorial para o dia 27 de junho, sabendo que Marcelo estará nessa altura em Itália.

A acabar no presidente, que tem experiência suficiente para evitar expor-se a S. Bento e que sabe bem como contornar manifestações públicas de azedume que revelam da política portuguesa justamente a imagem daquilo em que ela se está a transformar.

O que se espera agora, depois de tantas falhas, é que haja sentido de Estado e que as populações e a memória das vítimas estejam acima dos interesses particulares. Não é difícil, pois não?

*Diretor-Geral Editorial

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