Domingos de Andrade* | Jornal de Notícias | opinião
Os mortos só valem enquanto estão quentes. Enquanto a memória dos vivos se alimenta de momentos. Enquanto a memória coletiva chora, sofre, se revolta, se indigna. E enquanto a política, no sentido mais cru, que está apegada ao ato da perpetuação do poder dos vivos, sabe que não pode haver lugar para o esquecimento dos mortos.
Mas acontece. Por agenda. Porque o tempo passa. Porque alguém num gabinete se esquece. Porque se faz de conta que se esquece e se invocam outros interesses públicos
É quase tudo compreensível. E é
por isso que das 66 vítimas dos trágicos incêndios de 2017
É porque falhar e esquecer pode até ser, com esforço, compreensível no mundo dos vivos que não se compreende que o erro não seja reparado com pedidos de desculpas sinceros e imediatos, exceção feita à ministra Ana Abrunhosa, a que se seguiram outros, e que assistamos incrédulos ao escalar da troca de declarações e comunicados entre S. Bento e Belém.
A começar pelo primeiro-ministro, que em vez de tentar melhorar a relação com o presidente da República, que já teve óbvios e públicos melhores dias, marca o tributo às vítimas de Pedrógão Grande e a inauguração ao memorial para o dia 27 de junho, sabendo que Marcelo estará nessa altura em Itália.
A acabar no presidente, que tem experiência suficiente para evitar expor-se a S. Bento e que sabe bem como contornar manifestações públicas de azedume que revelam da política portuguesa justamente a imagem daquilo em que ela se está a transformar.
O que se espera agora, depois de tantas falhas, é que haja sentido de Estado e que as populações e a memória das vítimas estejam acima dos interesses particulares. Não é difícil, pois não?
*Diretor-Geral Editorial
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