Artur Queiroz*, Luanda
Fernando Garcia Miala preparou meticulosamente um golpe de estado contra o Presidente José Eduardo dos Santos. Até vestiu a pele de filantropo apoiando crianças desvalidas. E de grande mecenas dos artistas. Quando se sentiu dono e senhor da situação passou a comportar-se como se já fosse o senhor do poder. Daí a ameaçar que partia para “medidas activas” contra o Chefe de Estado que ganhou a guerra e promoveu a paz, foi um instante.
O golpista urdiu a teia do golpe até ao mais ínfimo pormenor. Colocou homens da sua inteira confiança na gestão das empresas públicas rentáveis. Dinheiro era com eles. Nas embaixadas pelo menos o “número dois” era dele. Tratava dos negócios e das facilidades à sua tropa. A filha ia passear pelo mundo com as amigas em aviões da TAAG. Ele requisitava um avião e a administração fornecia, sem hesitar. Fundos para o golpe eram aos milhões. Quando ia avançar para as “medidas activas” partiram-lhe logo o semieixo e nem saiu do lugar. Foi preso. José Eduardo dos Santos entendeu proteger um colaborador próximo e apenas foi acusado e condenado por insubordinação.
João Lourenço, dirigente do MPLA, sabia de tudo isto. Sabia que Miala foi condenado e despromovido. Sabia que criou uma tropa de choque na comunicação social cuja missão era deitar abaixo o Presidente José Eduardo dos Santos. Até o seu estado de saúde servia como arma de arremesso. Quem aprendeu na escola de Kinkuzu não conhece limites para a infâmia.
O MPLA escolheu João Lourenço para seu cabeça de lista nas eleições de 2017. Boa escolha. Pelo que sei, não existia mais ninguém que tivesse dado tanto ao partido, desde 1992. Ele era o homem do aparelho. O que tinha ligações estreitas com as províncias e os municípios. O que estava mais perto das bases.
Os crentes dizem que Deus não dorme. Eu duvido mas admito. Os dirigentes do MPLA estavam todos a dormir quando o eleito Presidente João Lourenço foi buscar um condenado, um insubordinado, um suspeito de golpe de estado, um abusador do poder, para chefiar a segurança do Estado. Dado o perfil de Miala, era melhor ter metido uma matilha de mabecos no curral para guardar o gado. Era mais seguro e dava menos prejuízos.
Fernando Garcia MIala não triunfou com o seu golpe porque nunca conseguiu penetrar no Poder Judicial. Pelo contrário, foi sempre posto à distância. Quando regressou ao poder, a primeira coisa que fez foi demolir o edifício da Justiça. Quem se opôs foi perseguido e empurrado.
O golpe também bateu de frente contra fiéis do Presidente José Eduardo que nunca dormiam. Como era o caso do General Zé Maria. Mal se apanhou no poder perseguiu quem desmantelou o golpe. Vingança! João Lourenço sabia de tudo isto. Assistiu às perseguições e aos abusos de poder sem o menor sinal de incómodo. Pelo contrário, apoiou!
O empresário Carlos São Vicente foi investigado durante meses porque um Tribunal de Genebra pediu informações sobre ele e os seus negócios, A Procuradoria-Geral da República de Angola respondeu à carta precatória informando que nada existia contra ele e todas as suas actividades eram legais. Pouco tempo depois desta declaração a mesma PGR prendeu-o. Alguns dias depois da detenção, a procuradora Eduarda Rodrigues e outro colega fizeram uma “visita surpresa” ao detido. Propuseram-lhe entregar todos os seus bens em troca da liberdade. Recusou. Avisaram-no de que nunca mais saía da cadeia. Ordens superiores. Emanadas do Palácio da Cidade Alta via Miala.
A chantagem passou incólume. A gritante ilegalidade que foi abordar um detido sem a presença do advogado passou sem o mínimo sobressalto cívico. Acabava de ser instituída a lei da selva e a barbárie. O estilo Miala fez escola. Que se saiba, repetiu-se com as filhas do vice-almirante Zengo e mais tarde com o major Pedro Lussati. Mas há muitos casos que não são conhecidos porque as vítimas têm medo de ser torturadas, esbulhadas dos seus bens ou mesmo mortas.
Neste quadro idílico para Miala e o seu chefe, hoje foi aprovada na Assembleia Nacional a Conta do Estado de 2021. Com “recomendações”. O Tribunal de Contas “amigo” (depois de saneada Exalgina Gamboa) levanta muitos problemas. Denuncia muitas violações inclusive à Lei do Orçamento Geral do Estado. Aponta o dedo ao mau desempenho de gestores públicos. Mas passou. Porque a UNITA colou à aprovação da Conta do Estado o pedido de destituição do Presidente João Lourenço. O deputado Kilamba Van-Dúnem, filho do meu saudoso amigo Beto Van-Dúnem, fez um discurso notável e rebentou com a golpada do Galo Negro.
Registo uma garantia do deputado do MPLA: O Grupo Parlamentar jamais permitirá que sejam abandalhadas as instituições do Estado. E não vai permitir perseguições. Esta parte é para o Palácio da Cidade Alta. Porque a UNITA não passará. Leiam o que escreveu Abílio Camalata Numa no Clube K (ao serviço do General Miala) sobre o MPLA e ficam com a certeza de que a direcção do Galo Negro é um cancro que tem de ser extirpado antes que destrua Angola de uma forma irreversível.
Nada de cantar vitória. Porque se a UNITA é um cancro mortal que temos de extirpar custe o que custar, Miala não lhe fica atrás. Se o Miala fosse uma doença era o cancro da mama. Se fosse uma praga era piolho do púbis. Se fosse um fantasma era o Salupeto Pena. De fosse uma reincarnação era o Savimbi. João Lourenço só pode ser masoquista. Confiar a sua vida política a um torturador, chantagista e perito em extorsão só pode significar um grave desvio. Ou então está de acordo e quer mesmo a parceria.
Por favor, tomem nota. Os angolanos foram educados pelo MPLA a lutar pela dignidade, a honra e a liberdade. O reinado de Miala está condenado ao fracasso. Quem estiver associado a ele vai pelos canos ingloriamente. Não envolvam nessa loucura o partido de Agostinho Neto e José Eduardo dos Santos.
*Jornalista
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