Embaixadora da Ucrânia manifesta ao Governo português preocupação com infiltrados pró-russos em associações ucranianas
Maryna Mykhailenko afirma que pode constatar nas primeiras semanas em que esteve em Lisboa que as pessoas deslocadas temporariamente “são bem-vindas” em Portugal e que o Governo partilha da preocupação que tem, ou seja poder haver infiltrados pró-russos em associações ucranianas
A nova embaixadora da Ucrânia em Lisboa afirmou que está atenta à possível existência de elementos pró-russos em associações ucranianas em Portugal e que o Governo português partilha essa preocupação, apesar de limitações legislativas.
Na primeira entrevista desde que foi colocada em Lisboa pelo Presidente da Ucrânia, em fevereiro passado, Maryna Mykhailenko afirmou à agência Lusa que é muito importante que as associações da sua comunidade em Portugal sejam registadas no Alto Comissariado para as Migrações e que este "deveria incluir apenas organizações pró-ucranianas e não pró-russas", num contexto em que o seu país se encontra invadido pelas forças de Moscovo desde 24 de fevereiro do ano passado.
A diplomata não tem indicação de haver associações ucranianas com infiltrações russas, numa referência à polémica que aconteceu no ano passado em Setúbal, quando foi revelado, em plena crise de refugiados, que a organização Edintsvo - Associação dos Imigrantes dos Países de Leste, classificada como ucraniana, era liderada por um casal com ligações ao Kremlin, sendo que a mulher era funcionária do município.
Maryna Mykhailenko disse ter sido informada deste caso pela sua antecessora e que consultou a lista das associações ucranianas em Portugal e chamou-lhe a atenção que uma delas tem designação em língua russa.
"Discutimos esta questão com as autoridades [portuguesas] e elas compreendem o problema, mas a questão é muito complicada porque têm a sua própria legislação sobre o assunto", indicou a diplomata.
A embaixadora revelou que tratou do assunto diretamente com a secretária de Estado das Migrações, que, prosseguiu, apontou limitações legislativas em que, se a maioria ou 50% dos membros de associação têm passaportes da Ucrânia, essa organização pode ser registada como ucraniana.
"O que vi durante as minhas primeiras semanas [em Lisboa] é que as autoridades estão prontas para resolver esse problema", acrescentou a diplomata na entrevista à Lusa, que decorreu na Embaixada da Ucrânia, vizinha, de um lado, da representação turca, e, do outro, a residência do embaixador russo e um pouco mais abaixo as instalações da Polónia, na pacata Avenida das Descobertas em Lisboa.
Portugal recebeu cerca de 59.000 refugiados ucranianos desde que foi iniciada a invasão russa, a juntar à primeira vaga migratória nos anos 1990, e a representante da Ucrânia manifestou a sua gratidão às autoridades de Lisboa, "porque é um número enorme para o país", descrevendo que este é igualmente um assunto em cima da mesa nos seus diálogos com a tutela dos assuntos sociais.
Segundo Maryna Mykhailenko, "não há nenhum grande problema com as pessoas temporariamente deslocadas", que "são bem-vindas em Portugal" e, desde o início da guerra, a maioria já tem emprego para sustentar as suas famílias, acreditando, porém, que pretendam voltar ao país de origem quando o conflito terminar, atendendo a previsões globais de que quatro milhões dos cerca de 6,5 de milhões refugiados têm planos de regresso.
Na entrevista à Lusa, a diplomata deu a entender que as ligações entre as comunidades dos dois países beligerantes em Portugal são praticamente inexistentes, apontando números de uma sondagem realizada na Ucrânia pela organização de pesquisa não-governamental independente ucraniana Rating Group, citada no final de junho pela agência Interfax, de que "90% dos ucranianos não estão prontos para interagir com os cidadãos russos".
"Não é a primeira guerra com a Rússia, é a guerra importante, e é claro que devemos ganhá-la com o apoio dos nossos parceiros internacionais, porque estamos a lutar pela Ucrânia europeia, a lutar pelos valores e princípios europeus, e estamos a lutar pela nossa integridade territorial e pelas nossas fronteiras reconhecidas internacionalmente", afirmou a embaixadora, enfatizando: "Estamos a lutar até pelo nosso direito de existir".
Maryna Mykhailenko citou mais dados de sondagens que indicam que 84% dos ucranianos opõem-se à concessão de território à Rússia, mesmo perante o risco de prolongar a guerra em curso.
"O nosso povo está pronto a sofrer e em constantes mudanças, mas não está disposto para qualquer concessão territorial", comentou, adicionando que a maioria dos ucranianos tem familiares ou amigos feridos ou mortos devido à agressão de Moscovo, ou seja 78% dos inquiridos em todo o país controlado pelas forças da Rússia, tornando "claro o motivo pelo qual a propaganda russa sobre a história e cultura comuns não tem efeito na atual emoção dos ucranianos, que é contra Moscovo há muito tempo".
Expresso | Lusa | Imagem: A embaixadora no circulo - António Pedro Santos/Lusa
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