segunda-feira, 10 de julho de 2023

ISRAEL: A BRUTALIDADE DERROTADA


O gigantesco aparato bélico de Tel Aviv foi batido pelo campo de Jenin, o histórico centro de resistência palestina. Vitória exigiu unificar forças e inspirar novas gerações. Alas da ultradireita israelense retiram-se, após escalada que matou 200

RamzyBaroud* no Counterpunch | em Outras Palavras | Tradução: Rôney Rodrigues - # Publicado em português do Brasil

Os números podem ser desumanos. No entanto, quando colocados em seu devido contexto, eles ajudam a iluminar questões mais amplas e responder a questões urgentes, como por que a Palestina ocupada está no limiar de uma grande revolta. E por que Israel não pode esmagar a resistência palestina, não importa o quão duro, ou violentamente, tente.

É aí que os números se tornam relevantes. Desde o início deste ano, quase 200 palestinos foram mortos na Cisjordânia ocupada e em Gaza. Entre eles, 27 crianças.

Se alguém imaginar um mapa de calor correlacionando as cidades, vilas e campos de refugiados das vítimas palestinas à rebelião armada em andamento, identificará imediatamente conexões diretas. Gaza, Jenin e Nablus, por exemplo, pagaram o preço mais alto pela violência israelense e, portanto, tornaram-se as regiões que mais resistem.

Não é de surpreender que os refugiados palestinos tenham estado historicamente na vanguarda do movimento de libertação da Palestina, transformando campos de refugiados como Jenin, Balata, Aqabat Jabr, Jabaliya, Nuseirat e outros em zonas de resistência popular e armada. Quanto mais Israel tenta esmagar a resistência palestina, maior é a reação palestina.

Tome Jenin como exemplo. O rebelde campo de refugiados nunca cessou sua resistência à ocupação israelense desde a famosa batalha e subsequente massacre israelense de abril de 2002. A resistência continuou lá em todas as suas formas, apesar do fato de que muitos dos combatentes que defenderam o campo de refugiados contra a invasão israelense da Segunda Revolta Palestina, ou Intifada, terem sido mortos ou presos.

Agora que uma nova geração assumiu o governo, Israel está de volta. As incursões militares de Israel em Jenin tornaram-se uma rotina, resultando em um número crescente de baixas, embora Israel um preço por isso.

A mais notável e violenta dessas incursões foi em 26 de janeiro, quando o exército israelense invadiu o campo, matou dez palestinos e feriu mais de vinte.

Mais palestinos continuam sendo mortos à medida que os ataques israelenses se tornam mais frequentes. E quanto mais recorrentes os ataques, mais dura a resistência, que cresceu além dos limites da própria Jenin para os assentamentos judaicos ilegais das proximidades, para postos de controle militares e assim por diante. É de conhecimento geral que muitos dos palestinos acusados por Israel de realizar operações contra seus soldados e colonos vêm de Jenin.

Os israelenses podem querer justificar sua violência na Palestina como legítima defesa. Mas isso é totalmente impreciso. Um ocupante militar, seja na Palestina – ou em qualquer outro lugar – não pode, por estrita definição legal, estar em estado de legítima defesa. Este conceito se aplica apenas a nações soberanas que tentam se defender contra ameaças em ou dentro de suas fronteiras reconhecidas internacionalmente.

O Estado de Israel não é apenas definido pela comunidade e lei internacionais como uma potência ocupante, mas também é legalmente obrigado a “garantir que a população civil seja protegida contra todos os atos de violência”, como declarou o secretário-geral da ONU em 20 de junho.

A declaração era uma referência ao assassinato de oito palestinos em Jenin, um dia antes. As vítimas incluíam duas crianças: Sadil Ghassan Turkman, 14, e Ahmed Saqr, 15. Desnecessário dizer que Israel não está investindo na “proteção” dessas e de outras crianças palestinas. É o gente que está provocando estragos na região.

Mas como a ONU e a comunidade internacional estão satisfeitos com a emissão de declarações – “lembrando Israel” de sua responsabilidade, expressando “profundas preocupações” sobre a situação ou, no caso de Washington, até mesmo culpando os palestinos. Portanto, que outras opções os palestinos têm a não ser resistir?

A ascensão da Cova dos Leões, das Brigadas de Jenin, das Brigadas de Nablus e de muitos outros grupos e brigadas semelhantes, formados principalmente por refugiados palestinos pobres e mal armados, não é nenhuma surpresa. A pessoa luta quando é oprimida, humilhada e constantemente violada. Esse fato rege as relações humanas e os conflitos desde sempre.

Mas a ascensão dos palestinos deve ser angustiante para quem quer manter o status quo. Uma delas é a Autoridade Palestina.

A Autoridade Palestina perderá muito se a revolta palestina se espalhar além das fronteiras do norte da Cisjordânia. O presidente da AP, Mahmoud Abbas, que goza de pouca legitimidade, não terá nenhum papel político a desempenhar. Sem esse papel, por mais artificial que seja sua liderança, os fundos estrangeiros vão secar rapidamente, e a festa vai acabar.

Para Israel, as apostas também são altas.

Os militares israelenses sob a liderança do inimigo de Netanyahu, o ministro da Defesa Yoav Gallant, querem intensificar a luta contra os palestinos sem repetir a invasão em grande escala de cidades, como em 2002. Mas a agência de segurança nacional de Israel, a Shin Bet, se está cada vez mais entusiasmada por uma luta e repressão em grande escala.

O ministro das Finanças de extrema direita, Bezalel Smotrich, quer explorar a violência como pretexto para expandir os assentamentos ilegais de israelenses na Palestina. Outro político de extrema direita, o ministro da Segurança Nacional, Itamar Ben Gvir, está em busca de uma guerra civil, liderada pelo mais violento dos colonos judeus, o cerne de seu eleitorado político.

O primeiro-ministro israelense Benjamin Netanyahu, que está lutando com seus próprios problemas políticos e jurídicos, está tentando dar a todos um pouco do que eles querem, mas de uma só vez. Os paradoxos são uma receita para o caos.

Isso resultou no reativamento, feito pelo ministro Gallant, de bombardeio aéreos para assassinar ativistas palestinos, pela primeira vez desde a Segunda Intifada. Os primeiros desses ataques ocorreram na região de Jalameh, perto de Jenin, em 21 de junho.

Enquanto isso, o Shin Bet está expandindo sua lista de alvos. Mais assassinatos certamente virão.

Ao mesmo tempo, Smotrich já está planejando uma expansão maciça de assentamentos ilegais. E Ben Gvir está despachando hordas de colonos para realizar pogroms em aldeias palestinas pacíficas. O inferno de Huwwara de 26 de fevereiro foi repetido em Turmus’ayya, em 21 de junho.

Embora os EUA e seus parceiros ocidentais possam continuar a abster-se de intervir em supostos “assuntos internos de Israel”, eles devem considerar cuidadosamente o que está acontecendo na Palestina. Este não é mais um negócio como era costume.

A próxima Intifada na Palestina será armada, não-faccional e popular, com consequências muito complexas de se avaliar.

Embora para os palestinos uma revolta seja um grito contra a injustiça em todas as suas formas, para gente como Smotrich e Ben Gvir, a violência é uma estratégia para a expansão dos assentamentos, limpeza étnica e guerra civil. Considerando os pogroms de Huwwara e Turmus’ayya, a guerra civil já começou.


 
“Não nos renderemos”: os extraordinários palestinos de Jenin

Ramzy Baroud, no Counterpunch, publicado em 4/6 | Outras Palavras | Tradução: Rôney Rodrigues - # Publicado em português do Brasil

Em 19 de junho, uma grande força militar israelense invadiu a cidade palestina do norte e o campo de refugiados de Jenin de várias direções. O ataque não apenas falhou, mas saiu pela culatra e também criou um precedente na guerra de décadas de Israel contra a sempre rebelde região palestina.

Israel matou oito palestinos e feriu outros 91, após horas de confrontos envolvendo soldados israelenses, de um lado, e grupos unificados da resistência palestina, de outro.

Israel admitiu apenas o ferimento de oito de seus soldados; alguns meios de comunicação israelenses fala de feridos em estado crítico entre as tropas invasoras e outros alegam apenas ferimentos moderados.

A realidade no campo de refugiados, no entanto, sugeria que uma batalha extraordinária havia ocorrido. Vídeos produzidos localmente mostraram veículos militares israelenses explodidos, envoltos em nuvens de fogo e fumaça, entre eles o porta-aviões Panther – conhecido como Nimr – um veículo monstruoso e bem fortificado usado em combate de moderado a pesado.

Um total de sete veículos, juntamente com um helicóptero militar, foram explodidos ou danificados no que era para ser um ataque israelense de rotina a Jenin, que muitas vezes resultou na morte de vários palestinos “procurados” – uma referência aos combatentes que resistem à ocupação militar israelense.

As alas militares do Hamas e da Jihad Islâmica – as principais forças de resistência em Jenin, além das Brigadas dos Mártires de Al-Aqsa – emitiram declarações detalhando a coragem de seus combatentes e celebrando o legado daqueles que foram mortos nos combates.

Mas nem todos os palestinos mortos eram combatentes. Israel tem como alvo civis, incluindo crianças, mulheres, médicos e jornalistas, como sempre acontece. Uma das vítimas de Jenin foi um menino de 15 anos chamado Ahmed Saqr. Outra era uma garota de 14 anos chamada Sadil Ghassan Turkman. Um jornalista, Hazem Emad Nasser, também foi ferido.

Um dos mortos, Amjad Aref Abu Jaas, é pai de um jovem palestino, Wasim, que foi morto pelo exército israelense durante uma invasão anterior de Jenin, em 25 de janeiro.

O fato de que um filho e um pai foram mfoortos, com alguns meses de diferença, por Israel é indicativo do relacionamento de Israel com Jenin. Israel vê Jenin como o coração pulsante da Resistência – armada ou não – na Cisjordânia ocupada. Portanto, Jenin tem sido o principal alvo de Israel por décadas, simplesmente para reprimir – nunca esmagar – a intensidade da Resistência lá.

Israel sabe que esmagar a Resistência em Jenin não é possível. Embora os ministros de extrema direita do governo de direitista de Benjamin Netanyahu estejam constantemente fazendo essa exigência, os militares israelenses entendem a dificuldade – na verdade, a impossibilidade de tal tarefa.

Resistência geracional

O campo de refugiados de Jenin foi criado em 1953 pela Agência das Nações Unidas para os Refugiados Palestinos (UNRWA). Os habitantes do campo são refugiados que foram expulsos por milícias e gangues sionistas israelenses durante a Nakba, a histórica limpeza étnica da Palestina em 1947-48.

O campo de refugiados cresceu em tamanho e população ao longo dos anos, embora a pobreza e o abandono tenham permanecido como suas principais características. A história do campo e de seus habitantes tem sido a principal motivação por trás de sua resistência contínua.

Em meu livro de 2003, Searching Jenin detalhou os relatos de muitos dos residentes do campo enquanto eles descreviam a lendária batalha e o subsequente massacre de abril de 2002.

O orgulho e a dureza dos moradores de Jenin me impressionaram, embora eu esteja bastante familiarizado com a tenacidade e resiliência dos palestinos, em geral. Apesar da morte de dezenas de habitantes, centenas de feridos, prisões de muitos e destruição de bairros inteiros, os residentes de Jenin insistiram que a resistência não acabou e que a próxima geração em breve continuará o que começou.

Escrevendo sobre Jenin nos últimos meses, percebo que muitos nomes de famílias e clãs são repetidos, seja no sobrenome de combatentes e mártires, mas também são mencionados jornalistas, médicos e vítimas civis. De alguma forma, Jenin, embora em isolamento quase completo, repressão contínua e total negligência, ressuscitou das cinzas do passado.

Eu me pergunto se os jovens soldados israelenses que continuam invadindo Jenin, matando alguns palestinos a cada invasão, sabem alguma coisa sobre essa história, sobre a origem desses refugiados e que, por mais violentas e bem armadas que sejam suas buscas sangrentas podem ser, Jenin nunca se renderá.

Em outras palavras, para Israel, a batalha de Jenin já está perdida.


Não acabou 

Jenin apavora Israel porque é a representação de uma luta muito maior empreendida pelos palestinos na Faixa de Gaza sitiada e em toda a Cisjordânia ocupada. Eles sabem que todos os palestinos estão assistindo aos eventos em andamento em Jenin – mas também em Nablus e seus arredores, Al-Khalil (Hebron), Jericó e muito mais. Quando Jenin resiste, a resistência palestina se levanta em uníssono.

Em abril de 2002, durante a invasão das principais cidades palestinas da Cisjordânia, a destruição de Jenin era para ser o fim trágico de uma história palestina igualmente trágica. Os sobreviventes finalmente voltaram para o campo, recolheram e enterraram os corpos, muitas vezes em valas comuns, cuidaram dos feridos e lentamente começaram a reconstruir suas vidas destruídas.

Então, toda a Palestina estava sangrando; Nablus, Ramallah, Belém e Gaza estavam cambaleando sob o peso dos tanques israelenses, que deixaram em seu rastro destruição maciça e um alto número de mortos. Israel saiu chamuscado, mas triunfante. A força policial da Autoridade Palestina foi reestruturada em torno das prioridades israelenses e com treinamento e fundos estadunidenses. A Palestina, pensava-se, foi totalmente derrotada.

Mas a profecia daqueles que entrevistei há duas décadas se revelou verdadeira: a resistência não acabou e a próxima geração logo continuará o que começamos.

Desde então, muitas das minhas testemunhas oculares morreram – de velhice, de corações partidos, de balas israelenses e assim por diante. Alguns estão atualmente na prisão. Mas outros ainda estão vivos para nos lembrar que a liberdade é preciosa e que o desejo de justiça nunca pode ser morto ou derrotado, não importa o poder de fogo do inimigo ou os sacrifícios. Porque é inato e dado por Deus, e porque Jenin conhece muito bem sua história.

*Jornalista e escritor palestino-americano. Ex-editor da Al-Jazeera, atual editor-chefe do Chronicle Palestina. Escreve em seu blog (http://www.ramzybaroud.net/). 

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