M. Azancot de Menezes* - Timor-Leste
No início deste mês tomou posse o IX Governo Constitucional de Timor-Leste. Na cerimónia de tomada de posse, Kay Rala Xanana Gusmão afirmou que a língua portuguesa e a formação de professores seriam uma preocupação do governo.
Na RTTL, no passado dia 6 de Julho, num programa semanal, foi entrevistado o Reitor da Universidade Católica de Timor-Leste e, uma das perguntas dirigidas ao entrevistado, foi para indagar em que língua os docentes ministram as aulas.
Ora bem, como este assunto é de importância estratégica para Timor-Leste, começando-se, finalmente, a questionar o rumo do país nesta matéria, decidi tornar público parte dos resultados de um “Estudo de caso” que realizei em Novembro de 2022, com o envolvimento de 50 estudantes de algumas Instituições de Ensino Superior de Díli.
Este estudo foi apresentado na 12ª Conferência do Fórum da Gestão do Ensino Superior nos Países e Regiões de Língua Portuguesa (FORGES), na Universidade pública de Cabo Verde, portanto, os cidadãos da CPLP que testemunharam a exposição ficaram cientes da realidade sobre a (não) utilização da língua portuguesa nas Instituições de Ensino Superior que integraram a amostra do estudo, uma amostra por conveniência, ou seja, num processo de amostragem não probabilístico, sem pretensões de generalização dos resultados.
Contexto social, geopolítico e ensino superior em Timor-Leste
Timor-Leste, como se sabe, é um território com cerca de 15 mil quilómetros quadrados e 1 milhão e 300 mil habitantes, situa-se no Sudeste Asiático, tendo a Austrália e a Indonésia como países vizinhos, continuando-se (ainda) a discutir as questões inerentes às fronteiras terrestres e marítimas, a disputa do petróleo e gás, entre outros aspectos.
No campo do Ensino Superior o país vive tensões complexas, em relação ao processo de ensino-aprendizagem, em relação à língua de ensino, entre outras dimensões.
As tensões devem-se, por um lado, devido à discussão que emerge no âmbito do plano didáctico-pedagógico e que remete para as metodologias de ensino-aprendizagem, sabendo-se que umas são mais tradicionais, fortemente centradas na figura do professor e do gestor, e outras propostas pedagógicas, contemporâneas, apologistas da pedagogia da aula invertida, com ênfase na figura do estudante e no desenvolvimento de competências científicas e de âmbito alargado.
Por outro lado há a problemática sobre a língua ministrada no ensino superior timorense, apesar de estar mais que legislado sobre quais devem ser as línguas a utilizar no ensino superior.
O território nacional, é certo, geograficamente pertence ao Sudeste Asiático, sendo necessário ao Estado timorense fazer um exercício inovador e complexo face à pressão exercida de forma implícita e explícita pelos países vizinhos e pelos grupos regionais, nomeadamente a ASEAN (Associação dos Países do Sudeste Asiático) e o Fórum das Ilhas do Pacífico (FIP), devido aos interesses económicos e políticos que preocupam todas as partes.
Após a tomada de posse do Presidente da República, José Ramos-Horta, eleito com o esforço conjunto do CNRT e do PST (o CNRT com dois mil apoios formais de militantes e o PST com três mil cartões), surgiu uma nova dinâmica no que diz respeito à política externa, elegendo-se como prioridade principal a adesão formal de Timor-Leste à ASEAN.
As prioridades e decisões nessa matéria pertencem à Presidência da República e ao IX Governo Constitucional, pelo que, não faço nem tenho que fazer críticas, mas, como sou sou livre de emitir opiniões, neste aspecto, penso que Timor-Leste ainda não está preparado para aderir formalmente à ASEAN.
Ora, por que é que estou a tecer considerações sobre a ASEAN e o FIP no contexto de uma discussão em torno da língua portuguesa ministrada nas universidades timorenses?
A Constituição da República Democrática de Timor-Leste (C-RDTL), no seu Artº 13, refere que em Timor-Leste há duas línguas oficiais: tétum e português.
Outrossim, a C-RDTL, no seu Artº 159º, é referido que o inglês e o indonésio são línguas de trabalho, “enquanto tal se mostrar necessário”.
Panorama geral das IES, docentes e estudantes
Para além da C-RDTL, a Lei de Bases da Educação (Línguas do sistema educativo) também esclarece que o tétum e o português são as línguas de ensino do sistema educativo:
“As línguas de ensino do sistema educativo timorense são o tétum e o português”.
(Artigo 8º da LBE – Lei de Bases da Educação)
E, para reforçar ainda mais a LBE, o Decreto-Lei Nº 3/2022 de 12 de Janeiro que estabelece o regime jurídico do currículo padrão nacional do ensino superior, no seu Artigo 3º (Definições), refere sem equívocos, na sua alínea k):
“Línguas oficiais: as definidas constitucionalmente”.
(Artigo 3º do Decreto-Lei Nº 3/2022 de 12 de Janeiro)
O povo timorense aguarda a divulgação dos resultados do Relatório da Comissão, anunciada pelo IX Governo para avaliar o “Estado da Arte” do ensino superior em Timor-Leste, nomeadamente, o diagnóstico sobre as línguas de ensino ministradas nas Instituições de Ensino Superior.
Contudo, a avaliar pelo “Estudo
de caso” que realizei no final do ano passado, apresentado
96% de estudantes do ensino superior querem aulas em português
O meu intuito em partilhar os resultados do estudo é problematizar em torno da teoria e da prática, ou seja, a lei e as orientações superiores não condizem com a prática.
Em termos empíricos, a fim de recolher dados que pudessem comprovar as minhas premissas, para ilustrar melhor o meu pensamento, apliquei 50 questionários a estudantes de 8 Instituições de Ensino Superior (IES), um inquérito só com perguntas fechadas, numa amostra não aleatória, porquanto, não foi minha intenção generalizar os resultados mas, tão-somente, analisar os resultados numa perspectiva de “estudo de caso”.
Estabelecendo como principal objectivo do estudo analisar o ponto de situação em relação à (s) língua (s) de ensino ministradas nas IES timorenses, foi solicitado aos estudantes que respondessem (Sim/Não) às seguintes questões:
Os professores ensinam em português?
Os professores ensinam em tétum?
Os professores ensinam em bahasa indonésia?
Os professores ensinam em inglês?
Os professores ensinam em tétum e bahasa indonésia?
Os professores ensinam em tétum e português?
Gostaria de ter aulas em português?
Vai escrever (ou escreveu) a sua monografia em português?
Vai escrever (ou escreveu) a sua monografia em bahasa indonésia?
O Questionário respeitou todas as regras de ordem ética (anonimato, etc.) e apresentava mais 8 perguntas, sobre outros tópicos, onde se incluía, a solicitação de informações sobre as competências científicas e pedagógicas dos docentes, dos reitores, sobre os recursos materiais, entre outras.
Para ultrapassar os habituais obstáculos de ordem administrativa, muito habituais em Timor-Leste, devido ao excessivo sistema de organização e gestão fortemente centralizado e burocrático, e superar outras barreiras de carácter subjectivo, os inquéritos foram aplicados no exterior dos recintos das universidades / institutos.
IES dos estudantes envolvidos no estudo
Em relação às respostas dos estudantes sobre a monografia e as suas preferências de língua de ensino, os resultados são os seguintes:
22 estudantes responderam que vão escrever a monografia em português;
28 responderam que não vão escrever a monografia em português;
48 estudantes querem aulas em português (dois querem em tétum porque frequentam um curso de tétum);
Em relação às respostas dos estudantes sobre a língua de ensino, obtiveram-se as seguintes informações:
- 1 docente ensina exclusivamente em português;
- 5 docentes ensinam exclusivamente em inglês;
- 6 docentes ensinam em tétum e em português;
- 7 docentes ensinam em tétum e bahasa indonésia;
- 31 ensinam em tétum, bahasa indonésia e português;
A maior parte dos docentes das Instituições de Ensino Superior de Timor-Leste obtiveram os graus académicos de licenciatura, mestrado e doutoramento em universidades indonésias, por ser mais barato, devido às aulas serem ministradas em língua indonésia (a língua internacional que os docentes dominam).
Esta realidade, desconhecimento generalizado da língua portuguesa por parte dos docentes e reitores (mas também de deputados, dirigentes de partidos políticos, jornalistas, etc.), agravada com a ausência de um programa sério de capacitação de professores (e de outros quadros do país), têm como consequência as aulas serem ministradas em língua indonésia e/ou tétum, muito pouco ou quase nada em língua portuguesa.
Como se não bastasse, li há pouco uma notícia, segundo a qual, a nova ministra da educação, Dulce Soares, também quer introduzir a língua coreana e a língua francesa nas escolas, quiçá para preparar jovens para (ainda) mais emigração (!).
Bem, seja qual for a estratégia, cada vez mais, observa-se que há um investimento em todas as línguas e cada vez menos na língua portuguesa.
*M. Azancot deMenezes -- PhD em Educação / Universidade de Lisboa, Timor-Leste
*Publicado em Jornal Tornado
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