Ricardo Marques, jornalista | Expresso (curto)
Há imagens que não cabem na cabeça de ninguém. E há imagens que não nos saem da cabeça. A imagem de Rui Rio à varanda, ontem, é as duas em simultâneo.
É também uma inesperada homenagem a Gustave Caillebotte, um impressionista francês que raramente figura ao lado dos grandes nomes - como Monet, Manet, Degas ou Renoir -, e a um dos seus quadros, "Jeune homme à la fenêtre" (1876).
O homem que vimos ontem à varanda já não é jovem. E atrás de si, dentro de casa, não estava nenhum pintor, antes um inspetor. Mais do que um, na verdade. Também ao contrário do quadro, o homem à varanda não se limita a contemplar a paisagem tranquila do 8.º arrondissement parisiense, no cruzamento da rue de Miromesnil com a rue de Lisbonne. Verdade seja dita: não é em Lisboa, é no Porto, e durante vários minutos o homem da imagem, que é mais dado ao alemão do que ao francês, não se cala.
"Vou daqui para o médico. Estou a sentir-me muito mal, muito mal", diz. "Vão descobrir todos os crimes que cometi," A seguir atira: "Estou cheio de medo", e "Nunca vi uma coisa tão má". Da rua, lançam uma pergunta. E ele, lá do alto, responde: “Vão descobrir tudo o que eu roubei.”
De uma forma resumida, o Ministério Público suspeita que a direção de Rui Rio autorizou pagamentos ilegais a onze funcionários do PSD. De acordo com o Expresso, as autoridades - que fizeram buscas em casa de Rui Rio, de outros elementos do partido e também nas sedes do Porto e nacional -, investigam a utilização das “subvenções destinadas pela Assembleia da República para encargos de assessoria de deputados do grupo parlamentar do PSD para pagar os salários dos trabalhadores”.
Tal como ex-presidente do PSD, o assunto não deverá ficar na varanda do dia de ontem e promete descer à rua nos próximos dias. Aliás, foi Rui Rio, já ao volante do carro, a deixar uma pista: "Os pagamentos não são ilícitos, isto são os partidos todos, porque é que [foi] o PSD?”, afirmou. Nada melhor do que ler este artigo para perceber o que está em causa (há uma reunião num hotel, contratações, cortes salariais e uma denúncia anónima…)
As reações políticas ao caso
foram tímidas. A exceção foi o primeiro-ministro que, na Lituânia para a Cimeira da Nato, quebrou a regra de não
falar de política interna. "Sempre tive concordância absoluta com o
dr. Rui Rio quando ele dizia que não devemos fazer julgamentos de tabacaria. É
preciso confiar na justiça e no seu funcionamento sem andar a teorizar e a
opinar trazendo para a praça pública esses julgamentos", afirmou o
primeiro-ministro.
Em 1888, Caillebotte acabou uma paisagem de inverno. Foi a 13 junho desse ano
que nasceu, em Lisboa, no quarto andar de um prédio com o número 4, um menino
chamado Fernando António Nogueira Pessoa, que anos mais tarde, assinando
Álvaro de Campos, escreveu um poema chamado "Tabacaria".
Lá pelo meio, diz assim: “O mundo é para quem nasce para o conquistar / E não para quem sonha que pode conquistá-lo, ainda que tenha razão.”
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O que estou lendo
O que têm em comum Espinosa
e Genghis Khan? Surpreendentemente muito pouco. Em boa verdade, quase
nada. Na realidade, partilham ambos a minha mesa de cabeceira e é com eles -
ora mais nas estepes imensas da Mongólia, ora mais nos Países Baixos do século
XVII - que vou passando os poucos tempos livres que encontro.
Podemos dizer que Genghis Kan não
tem a melhor das imagens - é frequentemente associado às suas vagas de
impiedosos guerreiros que conquistaram um império que ia da Sibéria à
Índia, da Hungria ao Vietname e da Coreia aos Balcãs. Também podemos dizer
que Espinosa, não sendo um daqueles filósofos que toda a gente conhece,
construiu um verdadeiro império de ideias que dura até hoje e que,
seguramente, deveria ser mais estudado.
O problema, e esse é um dos
pontos de Frédéric Lenoir, autor de “O Milagre Espinosa” (Quetzal), é que Espinosa
(nascido de uma família que fugiu de Portugal para fugir à inquisição) não é um
autor fácil. É mesmo muito difícil de ler. Por outro lado, o grande mérito
de Lenoir é ser capaz de tornar claro esse complexo pensamento, acompanhando
sempre as questões filosóficas com pormenores da vida de Espinosa.
No caso de Ganghis Khan, a
dificuldade maior – e que muito contribuiu para a tal imagem menos boas – foi a
inexistência de fontes diretas sobre o grande líder. Uma das partes mais
fascinantes do livro “Genghis Khan e a Criação do Mundo Moderno”, de Jack
Weatherford (Desassossego), é precisamente essa busca pelas fontes, num
território que durante séculos existiu longe de tudo. A segunda surpresa é
perceber que o tal guerreiro sanguinário, e ele era implacável, foi também
alguém com uma visão política e de sociedade muito à frente de tudo o que
existia – e até de muito do que existe neste nosso tempo.
E já é tempo de acabar.
Amanhã há Expresso nas bancas. Até lá estamos consigo a todo o
instante em Expresso.pt
Desejo-lhe uma excelente quinta-feira
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