quarta-feira, 6 de setembro de 2023

Angola | Amigos Sim Negócios à Parte – Artur Queiroz

Artur Queiroz*, Luanda

O Grupo Medianova (não é Media Nova) foi entregue pelos proprietários ao Estado no âmbito do combate à corrupção que inclui a persistente e criminosa destruição de activos. Nasceu para ser o mais potente de África, centro de formação profissional (sobretudo de jornalistas) e repor os princípios fundamentais do Jornalismo. Os investimentos foram astronómicos e o retorno incerto mas seguramente tardio. Quem lá colocou o seu dinheiro sabia que podia nunca mais ver-lhe a cor ou só recebia dividendos muitos anos mais tarde. Mesmo assim arriscaram. Um aplauso aos principais accionistas! O Jornalismo Angolano agradece.

No início ficou estabelecido que os jornalistas seniores a contratar tinham que ser polivalentes (larga experiência na Imprensa, Rádio e Televisão). Os contratos seriam de dois anos, no mínimo, e cada um era obrigando a formar, na vigência do contrato, cinco jornalistas angolanos que iam aprender fazendo, nas Redacções do jornal O País, Rádio Mais e TV Zimbo.

O mercado de publicidade em Angola não chegava para alimentar os meios do Audiovisual públicos quanto mais os novos privados. Por isso era preciso investir muito com pouco retorno e tardio. Na Imprensa, o Jornal de Angola dominava em absoluto mercado dos pequenos anúncios. Muito dificilmente O País conseguia recursos para pagar as despesas básicas. 

Para resolver este problema a curto e médio prazo o grupo lançou a Damer, uma fábrica de dimensão e nível mundial, equipada com sistemas intergráficos dos mais modernos que na época existiam. Além dos equipamentos (muito dispendiosos…) foi preciso investir em quadros técnicos importados. Uma gráfica necessita de manutenção permanente aos equipamentos. Foi preciso garantir condições dignas de alojamento. Mais investimentos pesados. A gráfica Damer ia garantir fundos para financiar o projecto multimédia. 

Tudo a correr como previsto quando chegou fogo amigo. O projecto seguiu mas com alterações substanciais. Impôs-se no audiovisual. Na Imprensa, O País ficou a meio caminho. Alguém se esqueceu que “a publicidade está para o jornal como o combustível para as máquinas”, como dizia aos accionistas, o presidente do conselho de administração do jornal The Times no início do século XX. Isso não mudou, desde então.

Os accionistas do Grupo Media Nova sabiam que nos primeiros dez anos de actividade tinham de analisar os resultados em termos de custos e benefícios. No final da segunda década podiam aspirar a dividendos. As vicissitudes surgidas alteraram o calendário. E 15 anos depois do início, os investimentos maciços continuaram. Dividendos zero. Foi neste quadro que se deu a nacionalização. O Estado passou a pagar o que pagavam os privados. 

Não sei se o benefício compensou. Mas sei que o mercado de publicidade angolano não sustenta sequer a TV Palanca. Antes que os aprendizes de feiticeiro entrem em acção perguntem ao Dr. José Guerreiro como é. Ele sabe como funciona o mercado no que diz respeito ao Audiovisual. Antes de fazerem da TV Zimbo e da Rádio Mais brinquedos do Miala, aprendam a fazer as coisas enquanto ele rebenta com a TPA.

O Grupo Nedianova já não tem na Damer o seu “banco privado”. Porque a gráfica trabalha a menos de 10 por cento das suas capacidades. Às tantas ainda é preciso colocar lá dinheiro. A gráfica de segurança nunca chegou a funcionar apesar dos investimentos pesados nessa área. A produção de livros e revistas não atingiu os níveis esperados apesar dos investimentos em equipamentos que são do melhor que existe na impressão e acabamentos.

Face a este quadro é com grande perplexidade que vejo Nok Nogueira, Teixeira Cândido e Estêvão José falarem sobre a privatização do Grupo Medianova. O problema de Angola desde o primeiro dia da Independência Nacional é o “já sei”. Todos sabem tudo e mais alguma coisa. Todos se acham capazes de ser tudo, até presidentes da república. O Miala nem se fala! Já sei. Já sei. Já sei. Vamos ver e afinal sabem pouco ou nada. Os piores têm um papel a dizer que são licenciados, mestres ou doutores. Já sabem e de papel passado. São imbatíveis. Depois fazem a figura do Doutor Tuti Fruti ou de Dona Vera Daves.

Teixeira Cândido diz, do alto da sua ignorância atrevida, que nunca um privado teve uma licença de televisão em Angola. Para concluir que as licenças são dadas a quem está próximo do poder. Têm um europeu apodrecido na cabeça e não há meio de se libertarem dele. Alguém explique ao secretário-geral do Sindicato dos Jornalistas que em Angola a televisão não é o meio com mais influência. É a Rádio. A Rádio Eclésia ou a Despertar não são do governo. Em Portugal as licenças da televisão foram entregues ao “privado” Pinto Balsemão, fundador do PSD e antigo primeiro-ministro (SIC) e à “privada” Igreja Católica (TVI/CNN).

A Imprensa tem problemas gravíssimos. Baixas tiragens, diminuta circulação (número de leitores por cópia) e zero de expansão (vendas no território nacional). Só o Jornal de Angola tem expansão aceitável, graças ao investimento pesado nas Direcções Provinciais.

A privatização do Grupo Medianova, foi anunciado, obedece a um caderno de encargos no qual está incluída a manutenção dos postos de trabalho. Quem comprar não pode fazer despedimentos. É obrigado a apresentar um plano de investimentos na renovação dos equipamentos e na formação dos recursos humanos. Só vai mesmo pegar nesse osso quem tiver muito dinheiro para investir. Não sei se são os ricos da era João Lourenço ou os do tempo de José Eduardo dos Santos. Mas espero bem que sejam uns ou outros.

Nesta altura do campeonato o pior que nos podia acontecer era o Grupo Medianova cair nas mãos de estrangeiros obrigatoriamente associados ao poder dos seus países. Imaginem que é alguém ligado ao estado terrorista mais perigoso do mundo. Ou um dos mentecaptos empresários portugueses que vivem pendurados no Orçamento-Geral do Estado, desde o dia em que nasceram! Desgraça pior só mesmo o Teixeira Cândido, o Nok Nogueira ou o Estêvão José um dia terem responsabilidades num órgão de comunicação social. Jornalismo de analfabetos ainda vá que não vá. Mas nunca jornalismo de batráquios e bagres. 

A Damer iniciou a fase de testes das máquinas e eu fui ver o arranque. Fiquei horrorizado. O espaço envolvente da fábrica era terra solta. Uma fonte permanente de poeira que é a pior inimiga da impressão e artes gráficas. Exigi que fosse tudo pavimentado. A salvação foi o engenheiro e meu amigo Manecas Van-Dúnem que conseguiu em menos de uma semana pavimentar tudo. Este erro grave aconteceu porque o director da Damer era um engenheiro têxtil que nada sabia do negócio, mas tinha a confiança dos accionistas.

*Jornalista

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