Carvalho da Silva* | Jornal deNotícias | opinião
A vida política recente é marcada por evidências preocupantes. Realça-se a trapalhada carregada de fanfarronice e mentira, que Miguel Albuquerque e Luís Montenegro criaram nas eleições na Região Autónoma da Madeira. Não têm palavra, atropelam-se no acesso aos palcos e aliar-se-ão com qualquer partido de ocasião, ou com o diabo, quando “precisarem”. O fazer de morto, do secretário-geral do PS, naquele processo eleitoral também foi triste. Por outro lado, a intervenção do presidente da República (PR) é cada vez mais errática.
Há que realçar, entretanto, a extraordinária convergência entre a ação do Governo (com a sua política de “contas certas” e de desvalorização dos serviços públicos), os propósitos da Direita no tema impostos, e os comentários avulso do PR sobre estes temas. Essa convergência tem gerado na sociedade alguma credibilização da política fiscal neoliberal, e tem facilitado o ataque ao Estado social de direito democrático.
Aproveitando a onda, surgiu, no plano económico, a proposta de “Pacto Social” da CIP - que tem andado a negociar com o Governo e os dois a arrastarem a UGT. A proposta tem alguns sinais que importa observar, todavia é, no fundamental, um tratado de manigâncias e de embelezamento de velharias.
O elemento mais seguro para melhorar a vida das pessoas é a valorização dos salários e o Governo até tinha esse compromisso no seu programa. Mas, com o Acordo de Concertação Social do ano passado, começou a travá-lo e o problema agravou-se. Outra fonte de rendimento importante para o comum dos cidadãos é a existência de serviços de qualidade na saúde, educação, proteção social, justiça: o Governo sabe disso, mas não utiliza a folga orçamental para aí fazer investimento estratégico. Prefere a política de pensos e esmolas nestas áreas, ou na política fiscal. Aceitará agora desbaratar aquela folga, substituindo os patrões no pagamento dos salários?
Da proposta da CIP, pode tirar-se a ilação de que ela reconhece a premência da melhoria do rendimento dos trabalhadores. Pegando nos números que o presidente da CIP tem utilizado, poderá acrescentar-se que ele reconhece que os salários reais deviam estar cerca de 20% acima do seu valor atual. Os patrões, o Governo e quem estuda estas matérias sabem que este valor devia ser uma meta de muito curto prazo. Contudo, a proposta da CIP fica a léguas desse valor e é carregada de manigâncias.
Sugere que as empresas, voluntariamente, atribuam um prémio equivalente a um salário, não um salário. Esse prémio, se aplicado, representaria uma melhoria de rendimento de cerca de 6%. Todavia, sendo voluntário, a sua aplicação será uma miragem para muitos trabalhadores. Além disso, pode ser abandonado a qualquer momento, não conta para a formação da pensão de reforma e não paga os impostos relativos a um salário.
Sobre salários, a sua proposta é apenas um aumento médio, para 2024, de somente 4,75 %. Depois acrescentam um malabarismo que nada tem a ver com salários e traz zero aumento de rendimentos aos trabalhadores: propõem-se pegar em 10% das contribuições de cada trabalhador para o sistema público da Segurança Social e entregá-lo a sistemas complementares individuais de poupança. É um espanto ver a CIP mais atraída pelos negócios da esfera financeira associada aos fundos de pensões, do que pela afirmação dos interesses objetivos da indústria.
Esperemos que o Governo não apresente, no ano da evocação dos 50 anos do 25 de Abril, o Orçamento do Estado de incremento do neoliberalismo na Segurança Social e na política salarial.
* Investigador e professor universitário
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