Pedro Filipe Soares* | Diário de Notícias | opinião
Escrevi um artigo com este mesmo título há cerca de ano e meio. Era uma reação a uma "discriminação sistemática" segundo a descrição de um grupo de especialistas europeus, ou a um apartheid como relatavam a Human Rights Watch e a organização não governamental israelita B"Tselem. Os silêncios cúmplices calaram perante o atropelo de direitos e as vidas que eram derramadas. E vidas foram ceifadas, direitos foram negados. E a Terra girou sem que a comunidade internacional fizesse cumprir as leis.
Fiz este pequeno passo atrás para mostrar que o conflito "israelo-palestiniano" não começou no sábado. Existe há décadas, baseia-se em leis que se impõem pela força porque lhes falta a razão. Leis fora da lei internacional e do cumprimento dos direitos humanos. Leis que são um sistema de injustiça.
Quem esteve em silêncio até sábado passado, achava normal que um povo colonizado por um dos estados mais militarizados e agressivos do mundo, como prova de boa vontade, assistisse pacificamente à sua própria destruição. Que resistisse pacificamente à expulsão de famílias das suas casas, à destruição dos seus olivais, à expropriação do acesso a terrenos férteis ou fontes de rega, à explosão de escolas, reservatórios de água, à humilhação diária e à prisão indiscriminada, sem rockets, nem confusão nem nada que chame a atenção.
Enquanto isso, o "democrático" governo de Israel cumpria o seu objetivo de um Estado étnico, declarava que o povo judaico tem direito exclusivo à autodeterminação nacional, que o Estado daria "valor nacional" ao "estabelecimento de comunidades judaicas" e que iria "encorajar e promover o seu estabelecimento e consolidação", consagrava Jerusalém "unida" como capital - violando todas as convenções e acordos internacionais - e definia que o hebraico é a única língua oficial, diminuindo o estatuto do árabe.
E o desrespeito contínuo pelos limites territoriais definidos pela ONU? Ou a contínua ocupação forçada de territórios palestinianos por forças israelitas? E a enorme favela em que transformaram a faixa de Gaza, negando dignidade a centenas de milhares de palestinianos? Ou a absurda equiparação entre a força e o poder de destruição de um dos mais bem equipados exércitos do mundo com o uso de engenhos artesanais? Tudo em nome de quê? Do mesmo fanatismo que acusam ao Hamas e que serve para alimento mútuo.
Os governos israelitas apostaram tudo no poderio militar, na força que se imporia a qualquer pretensão palestiniana. Mas esqueceram-se que quem não tem nada a perder acaba por ser o mais feroz dos inimigos. E não, não legitimo os meios do Hamas, mas não me esqueço das atrocidades cometidas pelas forças israelitas.
As vítimas deste conflito estão dos dois lados e decorrem de uma ocupação ao arrepio de todo o direito internacional. Parar com a guerra, evitar a perda de mais vidas, implica acabar com o apartheid e a ocupação ilegal da Palestina por Israel. O direito à autodeterminação valeu para Timor, vale para a Ucrânia e vale para a Palestina
A construção da paz exige um cessar fogo imediato, a ação solidária contra a ocupação, uma ação internacional coordenada, o cumprimento dos acordos internacionais firmados e o respeito pelos direitos humanos. Se verdadeiramente se quer evitar a guerra, é este o caminho para a paz.
* Presidente da bancada parlamentar do BE
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