Este texto tem vários anos. O problema da Palestina já era tão grave como hoje. Leiam.
Artur Queiroz*, Luanda
Em Lisboa, Amadora, Setúbal e outras grandes cidades portuguesas há bairros onde seres humanos nem sequer têm direito a um documento de identificação. Ponham a mão na consciência e pensem. Quem é tratado pior do que um animal doméstico tem tudo para se comportar irracionalmente. A segregação, o racismo, a xenofobia, o analfabetismo, o desemprego, são óptimos ingredientes para radicalizar um santo.
Em Agosto de 1990, uma coligação internacional liderada pelos EUA bombardeou o Iraque com “mísseis cruzeiro”, a mais potente arma da época, excluindo as bombas atómicas. Milhões de iraquianos fugiram do seu país ou tiveram de abandonar as suas cidades, vilas e aldeias e procuraram refúgio em áreas mais seguras. Mas isso não existia. Morreram centenas de milhares
Os que se refugiaram noutros países e levaram filhos pequenos, nunca mais voltaram. Vivem em guetos na Europa e nos EUA. E lá cresceram as crianças. Outros nasceram longe da pátria dos Sumérios e hoje já têm mais de 25 anos. Ponham a mão na consciência. Quando esses escorraçados da vida viram os ocupantes tratar Saddam Hussein como um bicho, ficaram revoltados. Quando assistiram, em directo, ao seu enforcamento, ficaram irados. E juraram vingança.
Eu estive no Iraque durante a guerra. E uma coisa é segura: Saddam era idolatrado por milhões de iraquianos. Não sei quantos nem se eram a maioria. Mas eram muitos os que viam nele o saladino. Clamam por vingança. Os seus filhos, hoje cidadãos europeus ou norte-americanos, sentem a dor dos pais. E como sãos segregados, tratados como animais, facilmente se radicalizam.
As elites europeias inventaram uma coisa idiota que se chama eurocentrismo. E pensam que a vida na Europa vale mais do que noutras paragens. Os mortos de Paris, Bruxelas, Londres, Madrid ou Nova Iorque nunca deviam ter sido alvos de assassinos tresloucados. Nunca. Mas essas vidas não valem mais do que as daqueles iraquianos destroçados pelos “mísseis cruzeiro” ou os bombardeamentos aéreos dos países da NATO. Não valem mais nem menos do que os milhares de palestinos arrasados na Cisjordânia e na Faixa de Gaza pela aviação israelita. São iguais aos milhares de líbios trucidados pelos aviões do Reino Unido, França ou Itália.
Os presidentes Saddam ou Kadafi, no mínimo, valiam tanto como Hollande ou Obama. Ponham a mão na consciência. Imaginem ver na televisão, em directo, os assassinatos dos presidentes de França e EUA. Com uma chusma de “comentadores” a justificarem esses crimes. Até um santo se radicalizava!
Eu ouvi o administrador de bancos e outras fontes de dinheiro, António Lobo Xavier, dizer no programa “Quadratura do Círculo” que no Ocidente “a vida tem outro valor”. Há milhões de europeus a pensarem como ele. Ponham a mão na consciência.
Os convivas de um casamento no Afeganistão, reduzidos a pó pelas bombas dos aviões da NATO, valem tanto como os espectadores do Bataclan, os passageiros do aeroporto de Bruxelas, os que morreram nas Torres Gémeas, na estação ferroviária de Atocha ou no metro de Londres. Os 50 iraquianos que no sábado morreram no estádio de futebol de Bagdade, vítimas de um bombista suicida, são tão civilizados como os europeus ou norte americanos.
Na Suméria (actual Iraque) nasceu a civilização ocidental. Os sumérios inventaram a roda e a escrita. Contribuíram para a Cultura da Humanidade como mais nenhum povo. Por vezes, fico com a desagradável sensação de que das elites portuguesas, apenas o Professor Agostinho da Silva leu a “Eneida” de Virgílio.
Líbia ardente, Cartago, a rainha
Dido, Eneias. Todos são íntimos dos desgraçados que se fazem ao Mediterrâneo,
fugindo da Síria. A Tripolitânia e a Cirenaica são as longínquas e amadas
pátrias dos que hoje são tratados na Europa como cães vadios ou animais peçonhentos.
O Império de Palmira estava
Um dia antes de rebentar a primeira guerra no Iraque, entrevistei, em Bagdade, Yasser Arafat, líder da Organização de Libertação da Palestina (OLP). E ele disse isto: “O Ocidente já ganhou a guerra, mais vai perder para sempre a paz”. Não precisam de ir ler a entrevista ao centro de documentação do “Jornal de Notícias”. Mas atentem nas palavras de António Costa, o único chefe de governo europeu que pôs o dedo na ferida. Disse ele que o problema do terrorismo só se resolve com diálogo intercultural e a integração de todos os que vivem em guetos, nas grandes cidades europeias. Já agora oiçam também o Papa Francisco. E ponham a mão na consciência.
* Jornalista
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