Pedro Tadeu* | Diário de Notícias | opinião
Vamos lá puxar pela memória. Paulo Pedroso, político, esteve em prisão preventiva entre maio e outubro de 2003, no âmbito do Processo Casa Pia. Cumpriu quatro meses e meio. Os tribunais inocentaram-no. O Estado português foi condenado pelo Tribunal Europeu dos Direitos Humanos a pagar-lhe uma indemnização de 68 mil euros por detenção injusta.
O ator Herman José foi indiciado por um crime alegadamente ocorrido em Portugal a 8 de fevereiro de 2002. No entanto, Herman José apresentou provas, como gravações vídeo e bilhetes de avião, que demonstravam que naquela data estava no Brasil em trabalho para a SIC. Não foi julgado, mas fora despedido da SIC e sofrera graves danos reputacionais.
No julgamento do Processo Casa Pia, o Ministério Público propôs a alteração das datas dos crimes com que formulara a acusação para conseguir obter as condenações dos arguidos. Essa alteração foi feita nas alegações finais do julgamento, mais de seis anos depois de terem sido feitas as primeiras acusações.
Em 2006 o Ministério Público fez uma busca na redação do jornal 24Horas, apreendeu um computador e fez uma acusação de acesso indevido de dados pessoais aos jornalistas Jorge Van Krieken e Joaquim Eduardo Oliveira. Os tribunais decidiram não levar os jornalistas a julgamento e, em todas as instâncias, declararam a busca ilegal.
Madeleine McCann desapareceu na noite de 3 de maio de 2007, quando tinha quase 4 anos de idade, do seu apartamento em Praia da Luz, Algarve. As autoridades contaminaram o local do desaparecimento. Os pais foram publicamente declarados como principais suspeitos de uma morte acidental e de ocultação do cadáver da filha. 16 anos depois, o mês passado, a BBC noticiou que elementos da Polícia Judiciária se tinham deslocado a Londres onde tinham pedido desculpa ao casal. A Judiciária emitiu um comunicado a desmentir essa informação, alegando que foram apenas dadas informações sobre o andamento do caso, que foi arquivado pelo Ministério Público em 2008 e reaberto em 2013, sem resultados.
Miguel Macedo demitiu-se em 2014 de ministro da Administração Interna ao ser envolvido pelo Ministério Público no chamado Caso Vistos Gold. Ao fim de quatro anos foi absolvido de todas as acusações. Nunca mais voltou à política.
Manuel Palos, também acusado nesse processo e que era diretor do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, cumpriu quatro meses de prisão efetiva e também foi ilibado. Perdeu o emprego.
O antigo primeiro-ministro José Sócrates foi detido em 2014 (Operação Marquês) e preso preventivamente durante nove meses. A decisão de que o caso deveria seguir para julgamento só aconteceu sete anos depois. Dos 31 crimes que o Ministério Público o indiciava o juiz de instrução anulou 25. Há recursos a correr no Tribunal da Relação, da defesa e da acusação, num caso que se eterniza.
Dos processo ligados ao Banco Espírito Santo, já nada se entende.
O ex-ministro da Defesa, Azeredo Lopes, foi ilibado de quatro crimes no Processo de Tancos onde era acusado pelo Ministério Público de denegação de justiça, prevaricação, abuso de poder e favorecimento pessoal de funcionário. Demitira-se em 2018. O julgamento começou em novembro de 2020 e durou até 2022.
O Ministério Público, no debate instrutório para decidir se havia ou não julgamento, desistiu da acusação que fizera a Eduardo Cabrita por possível homicídio por negligência num acidente de viação em que ele era passageiro de um automóvel. O político demitira-se dois anos antes por causa disto.
Esta semana o presidente da Câmara Municipal de Sines, Nuno Mascarenhas, saiu do tribunal, depois de seis dias detido, sem qualquer acusação formulada depois de o Ministério Público o ter declarado suspeito de corrupção. As acusações de corrupção feitas a outros suspeitos também caíram. Restam acusações de tráfico de influências e de vantagem indevida. O Ministério Público vai recorrer. Este caso, que tem um processo paralelo no Supremo Tribunal de Justiça contra o primeiro-ministro António Costa, suscitou a queda do Governo.
A pergunta que deixo é esta: Não podendo, nem devendo, a política meter-se no trabalho da Justiça, que penalizações a própria Justiça aplicou aos responsáveis por erros, omissões, incompetências, demoras, desleixos, teimosias e atropelos ao bom senso que, como é evidente, sempre que um caso é mediático, sistematicamente os investigadores judiciais cometem?... Que fizeram sobre isso, por exemplo, o Conselho Superior do Ministério Público ou o Conselho Superior da Magistratura?
E já nem falo das violações de segredo de justiça que, em todos estas situações, aconteceram e que arruinaram a reputação pública de alguns inocentes.
Se o Ministério Público quer que confiemos nele, tem de fazer Justiça a si próprio.
* Jornalista
Sem comentários:
Enviar um comentário