Pedro Tadeu* | Diário de Notícias | opinião
O que significa, afinal, a independência do governador do Banco de Portugal que tanta gente, desde que foi colocada a hipótese de Mário Centeno sair do cargo para ser primeiro-ministro, defende estar posta em causa?
Significa independência em relação ao Executivo?
Bem, como o poder da nomeação da pessoa que vai ocupar o cargo cabe, precisamente, ao Governo, ao poder político, como acontece em toda a Europa, essa parte da independência nunca está, à partida, garantida, por muito que a personalidade convidada esteja assética de bactérias partidárias.
É independência ideológica?
Como se assegura isso? Nomeando-se pessoas que não sejam militantes partidárias? Que nunca tenham participado em debates públicos? Que nunca tenham tomado uma posição política? Que nunca tenham subscrito um abaixo-assinado? Que nunca tenham, sequer, dado um parecer profissional que revele se o seu pensamento é "clássico", "neoclássico", "keynesiano", "monetarista", "liberal", "neoliberal", "marxista", "austríaco" ou de outra qualquer corrente ou variante ideológico-económica? Pensam, talvez, num Revisor Oficial de Contas?...
É independência em relação ao poder económico e financeiro que supostamente vão vigiar, nomeadamente os bancos? De cada vez que um cidadão vê a sua conta bancária reduzida por mais uma comissão absurda ou se sujeita a condições claramente abusivas para garantir um empréstimo percebe-se que, na realidade, essa independência, a que devia interessar, ou não existe ou não é exercida.
Aliás, é o próprio Banco Central Europeu (BCE) que se está nas tintas para a independência dos seus banqueiros, a começar pela sua primeira figura, Christine Lagarde, que ainda vai ter de se pronunciar sobre a ética de Centeno por requerimento de três eurodeputados - será um verdadeiro juízo em causa própria, já que todos os governadores de bancos centrais da União Europeia fazem parte da instituição que os avaliam, obedecem quase totalmente a ela, transformando-se assim este discurso da "independência" num chiste irónico, hipócrita e amargo.
Chistine Lagarde pertence ao
partido de centro-direita francês fundado pelo ex-presidente Nicolas Sarkozy,
os Republicanos. Foi ministra de governos de direita de
No Deutsche Bundesbank, o suposto modelo de independência de todos os outros bancos, temos a liderá-lo, desde 2020, Joachim Nagel, que foi conselheiro do SPD, o maior partido da coligação do Governo alemão. Antes disso esteve lá Jens Weidemann, um homem que, por sua vez, foi conselheiro da chanceler Angela Merkel, da CDU.
Em França o banco central é governado, desde 2015, por François Villeroy de Galhau, um socialista que foi conselheiro político do antigo primeiro-ministro Pierre Bérégovoy e que esteve no Governo de Lionel Jospin a trabalhar como chefe de gabinete do então ministro Strauss-Khan.
Finalmente, em Itália (nem vou falar do caso famoso de Mario Draghi), a senhora Meloni nomeou há 20 dias governador do banco central do seu país um homem chamado Fabio Panetta, que, antes das eleições do ano passado, fora apontado pela imprensa italiana como futuro ministro das Finanças do Governo da mesma senhora Meloni, o que só não aconteceria por ela lhe ter pedido, dada a situação económica italiana, o favor de se manter, ainda, no cargo influente que ocupava no Comité Executivo do Banco Central Europeu.
É, portanto, neste exemplar enquadramento europeu que cá no burgo nos escandalizamos com Mário Centeno.
De resto, a suposta independência dos bancos centrais é, sobretudo, uma arma para o poder político ser dominado pelo poder financeiro, o que tem trazido múltiplos desastres à Europa.
Dou quatro exemplos que todos vivemos: as políticas de juros para combater a inflação, que empurram a economia europeia para a recessão e arruínam quem tem crédito à habitação; os atuais lucros excessivos da banca em contraciclo com os prejuízos de tanta e tanta gente; o envolvimento do BCE na troika, que degradou a vida social em Portugal; o experimentalismo ruinoso aplicado pelo BCE e por um submisso governador do Banco de Portugal, Carlos Costa, na resolução do BES, que provavelmente ainda andamos a pagar.
Não era mesmo melhor a política limitar, sensatamente, esta falsa "independência" dos governadores dos bancos centrais?
* Jornalista
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