Nova escalada acende risco de conflito fora de controle e deslize nuclear. Exame dos fatos revela: propaganda ocidental é falsa. Rússia esteve sempre aberta a acordo, mas Putin caiu em cilada. É hora de um movimento global pela paz
David Mandel* | Outras Palavras | Tradução: Maurício Ayer | # Publicado em português do Brasil
A natureza complexa da guerra na Ucrânia e, especialmente, da questão da responsabilidade a ser atribuída às partes envolvidas dificultou a mobilização de um movimento antiguerra vigoroso. Uma parte da esquerda, aliás, se opõe a um cessar-fogo imediato e à retomada das negociações, interrompidas abruptamente no final de março. O objetivo deste artigo é lançar luz adicional sobre a guerra com vistas a ajudar os oponentes do imperialismo a adotar uma posição esclarecida.
Tendo em vista as divisões internas da esquerda, sinto que é necessário começar com algumas palavras sobre mim. Por muitos anos, dei aulas sobre a política da União Soviética e dos estados que surgiram dela. Como sindicalista e socialista, participei ativamente da educação trabalhista na Rússia, Ucrânia e Bielo-Rússia, desde o momento em que tal atividade se tornou politicamente possível. Essa educação é de inspiração socialista, e definimos o socialismo como humanismo consistente. Assim, opus-me ativamente aos regimes russo e ucraniano, ambos profundamente hostis à classe trabalhadora.
A condição dos trabalhadores na Ucrânia independente não tem sido melhor do que a de seus correlativos na Rússia. Em certas dimensões, é ainda pior. Desde a independência, uma sucessão de governos predatórios transformou a Ucrânia de uma região outrora relativamente próspera da União Soviética no estado mais pobre da Europa. A população da Ucrânia nos últimos 30 anos caiu de 52 para 44 milhões (antes da guerra atual). Desses 44 milhões, um bom número está trabalhando na Rússia.
É verdade que na Ucrânia, ao contrário da Rússia, as eleições podem mudar o governo. Mas elas não podem mudar a natureza antitrabalhadora da política do Estado. Um violento golpe em fevereiro de 2014, executado por forças ultranacionalistas (neofascistas) e ativamente apoiado pelo governo dos EUA, derrubou um presidente eleito, embora corrupto, bloqueando um acordo alcançado no dia anterior com a oposição, sob o auspícios da França, Alemanha e Polônia, para formar um governo de coalizão e promover novas eleições.
O golpe e as primeiras medidas do novo regime, em particular uma lei que eliminava o russo, língua cotidiana de pelo menos metade da população, como uma das duas línguas oficiais, provocaram resistência e, finalmente, confronto armado no leste do país, em regiões onde os falantes de russo predominam. Essa oposição foi reprimida em todos os lugares, às vezes por meios violentos e com perda de vidas, como ocorreu na cidade de Odessa em maio de 2014, exceto no Donbass. Ali, estourou uma guerra civil, com a intervenção russa do lado dos insurgentes e a intervenção da OTAN do lado de Kiev.