AntónioFilipe* | Expresso | opinião
As eleições legislativas de 10 de março de 2024 são uma oportunidade que não pode ser desperdiçada para corrigir o erro que em 2022 deu ao PS a maioria absoluta, cujos resultados nefastos estão à vista de todos
As eleições legislativas de 2022, precipitadas pela decisão de Marcelo Rebelo de Sousa dissolver a Assembleia da República na sequência da ameaça de o fazer se o Orçamento do Estado para esse ano fosse rejeitado, decorreram sob o signo da chantagem.
A chantagem vinha de trás. Se bem
nos lembrarmos, o resultado das eleições de 2019 colocou o PS à beira da maioria
absoluta e mudou quase radicalmente a sua postura relativamente aos partidos à
sua esquerda. Se entre 2015 e 2019 tinha sido possível impor ao PS um conjunto
de medidas positivas para as camadas sociais mais prejudicadas pela governação
PSD/CDS, a partir de
Se bem nos lembrarmos, sucederam-se as ameaças de demissão do Governo caso algumas medidas fossem aprovadas. Foi o caso, por exemplo, da reposição do tempo de serviço dos professores. Perante a possibilidade de aprovação de uma medida nesse sentido contra os votos do PS, António Costa ameaçou com a demissão do Governo, o que levou o PSD - sim, o PSD - a voltar atrás. O mesmo sucedeu com a possibilidade de baixa do IVA na eletricidade.
A intenção do PS para voltar às políticas de direita sem empecilhos começava a ser cada vez mais notória. Em plena pandemia, o Orçamento retificativo de 2020 ficou muito aquém do que a situação de emergência exigia e o Orçamento para 2021 só foi viabilizado pelo sentido de responsabilidade do PCP que, tendo obtido a muito custo a decisão de pagamento da totalidade dos salários das centenas de milhares de trabalhadores que se encontravam em lay-off entendeu, ao contrário do BE, que esse Orçamento devia ser viabilizado.
Contudo, a chantagem prosseguiu, e a partir de junho de 2021 tornou-se evidente que o PS não estava disponível nem interessado em negociar fosse o que fosse relativamente ao Orçamento para 2022, pelo que o dilema, para o PCP, era o seguinte: ou perdia a face e cedia à chantagem do PS e de Marcelo Rebelo de Sousa, viabilizando um Orçamento que não respondia minimamente aos problemas que o país enfrentava, ou agia em coerência e rejeitava o Orçamento, mesmo tendo de se sujeitar a uma intensa campanha de vitimização por parte do PS, que o iria responsabilizar pela queda do Governo e que o iria acusar, falsamente, de com essa opção abrir as portas ao regresso da direita, como se tal regresso, a verificar-se, não fosse da responsabilidade do próprio PS.
A história foi a que sabemos e a campanha decorreu o signo de uma chantagem baseada em duas falsidades: a de que a queda do Governo tinha sido da responsabilidade do PCP e do BE e não de quem a provocou, quando não há nenhuma norma constitucional que preveja a demissão do Governou ou a dissolução da AR caso a proposta de Orçamento não seja aprovada, e a de que havia um empate técnico entre o PS e o PSD, pelo que, com a muleta da extrema-direita, o PSD poderia voltar ao Governo.
A primeira mentira custou muito a desmentir perante uma narrativa de vitimização mil vezes repetida. Algumas pessoas chegaram a sugerir que, se a intenção do PS era a de que a Orçamento deveria ser rejeitado para se vitimizar, o PCP deveria trocar-lhe as voltas, aprovando o Orçamento apesar de discordar dele. Sucede que o PCP não tem uma massa gelatinosa no lugar da coluna vertebral e não troca princípios por tacticismo, mesmo que isso possa ter, como teve, pesados custos eleitorais.
A segunda mentira foi a de que havia
um empate técnico entre o PS e o PSD. O impacto desta falsa ideia de que era
preciso votar no PS para evitar o regresso da direita teve efeitos tão
irracionais como que ocorreu no distrito de Évora. Senão vejamos: o distrito
elege três Deputados. Em 2019 foram eleitos dois Deputados do PS e um da CDU.
Em
Sucede, porém, que as sondagens têm destas coisas, e apesar da mentira mil vezes repetida de que haveria um empate técnico, o PS ficou nada menos de 14 pontos percentuais à frente do PSD e obteve a maioria absoluta, que tanta gente dizia não querer. Só que, como quem não quer ser lobo não lhe veste a pele, quem não quer uma maioria absoluta não deve votar para que ela aconteça.
Dois anos passados, já houve tempo para refletir sobre as lições de 2022. O PS que, com a maioria absoluta, ficou - como se costuma dizer - com a faca e o queijo na mão, usou a faca e cortou a mão.
O anunciado diálogo deu lugar à prepotência, os problemas mais prementes com que o povo e o país se confrontam ou se agravaram ou se arrastam sem solução, mas as eleições de 2024 abrem uma oportunidade que não pode ser desperdiçada para retomar a esperança num país mais justo e solidário. Como o passado ainda recente já demonstrou, o peso eleitoral da CDU poderá ser decisivo quanto ao caminho a seguir.
*António Filipe é membro do Comité Central do PCP e professor universitário
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