A Denúncia é da Engenheira Isabel dos Santos Antiga PCA da Sonangol
Artur Queiroz*, Luanda
Palavras faladas são levadas pelo vento e passam rapidamente para o mundo do esquecimento. As palavras escritas ficam gravadas no papel ou na pedra. Podem entrar na memória durante séculos e milénios, sempre que sejam lidas ou decifradas. O jornalista Edno Pimentel, da Rádio Essencial, entrevistou Isabel dos Santos. Jornalismo! Todos davam uma parte (a acusação) e ignoraram a outra parte (a acusada).
A Procuradoria-Geral da
República, ao fim de cinco anos, apresentou uma acusação contra a empresária
angolana, pela sua gestão na Sonangol, entre 2016 e
A agência Lusa identifica a acusada pelo Ministério Público como “filha de José Eduardo dos Santos”. Outra arguida, Paula Oliveira, é identificada como “amiga e sócia de Isabel dos Santos”. O arguido Mário Leite Silva é identificado pela agência noticiosa portuguesa como “seu antigo gestor e amigo”. Depois aparece o administrador financeiro da Sonangol à época do factos sem mais nenhuma carga, apenas o nome: Sarju Raikundalia. No pacote da encomenda à Lusa, também aparece a arguida Pricewaterhouse Coopers (PwC), simplesmente apresentada como consultora financeira.
A entrevista de Isabel dos Santos
à Rádio Essencial está gravada. Reproduzo partes essenciais do que foi dito por
Isabel dos Santos, de forma audível, porque é uma peça fundamental para se
compreender o combate à corrupção
No início da entrevista, Isabel
dos Santos acusa a Justiça Portuguesa de estar ao serviço do poder
Isabel dos Santos (IS): Em
IS: Foi criado um Comité de Avaliação dos Petróleos e uma Comissão de Reestruturação da Sonangol presidida pelo Dr. Edeltrudes Costa e da qual também fazia parte o ministro dos Petróleos, Dr. Botelho de Vasconcelos, o ministro as Finanças, Dr. Armando Manuel e o governador do Banco Nacional de Angola, Dr. José Pedro Morais, penso que era ele nessa altura. O Dr. Archer Mangueira também colaborava. Convidaram-me para apresentar um projecto que ajudasse a tirar a empresa da difícil situação em que se encontrava.
EP: Qual era o seu papel?
IS: Fui contratada como consultora mas também a minha empresa. Convidada pelo Governo de Angola. Para fazer um trabalho eficaz subcontratei outras empresas de nível mundial. Posso citar a BCG (Boston), a Pricewaterhouse Coopers (PwC), a Vieira de Almeida Advogados. Apresentámos um relatório e um projecto. Estava lá tudo como melhorar a Sonangol. A minha empesa e as empresas subcontratadas fizeram o trabalho. O contrato submetido ao Tribunal de Contas. Eu reportava directamente ao Dr. Edeltrudes Costa. Falava com ele várias vezes por semana. O projecto foi aprovado. Disseram-me: Vamos adoptar as medidas e recomendações.
EP: Como chegou a presidente do Conselho de Administração da Sonangol?
IS: Aprovada a reestruturação da Sonangol em função do modelo apresentado por mim e pela minha empresa o Dr. Edeltrudes Costa e restantes membros da Comissão de Reestruturação procuraram as pessoas para a administração. Havia urgência porque a situação da empresa era grave. Dadas as dificuldades em encontrar quem assumisse a gestão propuseram ser eu a executar o projecto. Todos sabiam. Eu fazia relatórios semanais ou quinzenais. Tinha audiências com todos os membros da Comissão de Reestruturação. Dava-lhes informação completa. Foi assim que me convidaram para ser PCA da Sonangol. Eu na altura já tinha as minhas empresas com mais de 20.000 trabalhadores. Não cheguei à Sonangol por ser filha do Presidente José Eduardo dos Santos como a PGR está a fazer crer. A PGR sabe disto tudo. Os meus advogados entregaram todas as provas. Face às acusações da PGR até cheguei a pensar que isto fosse um mal-entendido.
EP: Foi tudo esclarecido?
IS: As pessoas que trabalhavam comigo foram esclarecer. Mas a PGR prefere o caminho das mentiras. Os administradores que foram comigo para a Sonangol foram seleccionados, eram pessoas de elevado nível. O administrador Edson vinha da Esso. A Dra. Eunice Carvalho vinha da Chevron. Presidiu à Chevron do Brasil. Pessoas de grande valor, que estavam a trabalhar em petrolíferas estrangeiras. Foram convidadas pela Comissão de Reestruturação. Pelo Dr. Edeltrudes Costa, o Dr. Armando Manuel. Eles é que me indicaram para PCA ao Presidente da República, que hesitou na nomeação, porque temia que fosse considerado nepotismo.
EP: E a engenheira Isabel dos Santos o que pensou disso?
IS: No início pensei que podia existir uma ideia de nepotismo. Mas os responsáveis procuraram outras pessoas. A situação era urgente. O Estado não estava a receber o dinheiro do petróleo. Não era possível esperar meses até encontrar as pessoas que assumissem o projecto. Aceitei o convite. Houve uma queixa apresentada por advogados no Tribunal Constitucional ou no Tribunal Supremo contra a minha nomeação para a Sonangol. O Tribunal decidiu que fui contratada por mérito e não por nepotismo ou tráfico de influências.
EP: Como encontrou a empresa?
IS: Fui para a Sonangol em Junho de 2016, um momento muito difícil. Encontrei a empresa numa situação desastrosa. Não havia dinheiro para salários, para pagar aos bancos, para nada. Não havia dinheiro para pagar a gasolina, o gasóleo, o fuel para os aviões, combustíveis importados. Havia uma dívida grande. Já não pagavam aos fornecedores há dois anos. A dívida era de 1,8 biliões de dólares. Muito dinheiro! Em Julho fui de emergência a Londres para reunir com os fornecedores. Estavam prestes a cortar os fornecimentos totais a Angola. Recebi as pastas e fui informada: Daqui a 15 dias não há combustíveis nas bombas de abastecimento. Acabava de chegar e 15 dias depois fui fazer reuniões de emergência para tratar das dívidas e assegurar que os combustíveis chegavam a Angola.
EP: Problemas herdados da gestão anterior?
IS: A gestão danosa na Sonangol foi antes de nós. Nada tem a ver com o nosso mandato de meses. Quem esteve mais tempo à frente da Sonangol foi o engenheiro Manuel Vicente. Só saiu em 2012, ele e os seus colegas administradores. Entre 2012 e 2015 o PCA era José Maria Francisco Lemos. Este PCA da Sonangol em 2015 alertou: A Sonangol está em situação de pré falência! Um gestor disse isto e o Governo não reagiu. Como é possível? Angola nesse ano era o maior produtor africano de petróleo. O Presidente José Eduardo dos Santos foi apanhado de surpresa. Face à situação nós fomos chamados. Foi uma contratação de urgência.
EP: Não houve concurso público, segundo a acusação.
ES: O General Pita Grós vem dizer que não houve concurso público. É verdade, não houve. Por causa da emergência. Isso consta no contrato. Não pode ser ignorado nesta acusação. Dizem que me contratei a mim própria. Mentira, o Estado é que me contratou. Estas acusações são mentiras. Por isso estou a esclarecer. Deixei as minhas empresas bem-sucedidas para ir trabalhar na Sonangol.
EP: Quem conhece este processo?
IS: O Dr. Edeltrudes Costa conhece tudo porque era o presidente do Comité de Avaliação. Pediu-nos para darmos continuidade ao trabalho feito e ao projecto apresentado. O Decreto de nomeação diz que a nossa responsabilidade era fazer o projecto de reestruturação com as consultoras internacionais. O Procurador-Geral da República diz que essas empesas estão ligadas a mim. Mas são empresas mundiais, multinacionais!
EP: A sua equipa é acusada de ter lesado o Estado em milhões de dólares.
IS: Esse é o caminho das
mentiras. O Estado contratou o Conselho de Administração da Sonangol com a
missão de reestruturar a petrolífera nacional. Cumprimos a missão. Porque a
empresa estava a perder dinheiro. Onde? Porquê? Tínhamos de transformar o
resultado negativo
EP: A acusação diz que houve danos de 208 milhões de dólares durante o seu mandato.
IS: Caminho das mentiras. Dessa verba, 131 milhões foram pagos aos consultores. A acusação diz que foram pagos à Isabel dos Santos. Dizem que não houve consultores! Estas mentiras têm de acabar. O Procurador-Geral da República tem responsabilidades no que diz. É irresponsável gerir um país em cima de mentiras.
EP: Essa parte da acusação é falsa?
IS: Claro que isso dos 208 milhões é mentira. As provas foram enviadas ao processo na Procuradoria-Geral da República. Até enviámos os documentos das transferências bancárias para as contas das consultoras. Todas as transferências bancárias estão documentadas. As autoridades portuguesas e angolanas receberam essas provas. O Juiz de Instrução em Portugal quando viu esses documentos confirmou que os consultores prestaram os serviços e receberam 131 milhões de dólares. Está provado! A PGR não juntou esses documentos ao processo. Se isto fosse verdade, os administradores que trabalharam comigo tinham de ser constituídos arguidos. Não foram porque é tudo mentira e isto é uma perseguição política à minha pessoa.
EP: A PCA é a responsável máxima?
IS: Eu era PCA não executiva. O Conselho de Administração tinha mais 11 membros. Todos participaram, todos votaram favoravelmente os pagamentos aos consultores. Todos trabalharam com os consultores. Trabalhavam com eles todos os dias. Esses administradores do meu Conselho de Administração, inclusive o engenheiro Paulino Jerónimo, presidente da Comissão Executiva, não são arguidos. Se há uma gestão danosa, o presidente da Comissão Executiva tem de ser responsabilizado. Paulino Jerónimo é um quadro de topo na Sonangol. Muto bom. Era o responsável pela gestão. Se a gestão nesse período foi danosa ele tem que ser arguido. A PGR deixou-o de fora. Repito, é um quadro de grande monta. Antes de eu chegar à Sonangol ele já lá estava. Mas nem sequer foi chamado como testemunha. Porque pode desmascarar as mentiras do General Pita Grós.
EP: É acusada de decidir aumentos salariais ao Conselho de Administração sem cumprir os requisitos legais. A acusação fala em aumentos de 13 milhões de dólares. O que se passou?
IS: Eu vou chegar aí. No processo dizem que tudo foi feito pela filha do Presidente da República. Não me chamam administradora ou gestora. O General Pita Grós quer atacar as decisões políticas do titular do Poder Executivo. Estas mentiras servem para provar que o Presidente da República José Eduardo dos Santos e a família andavam a gerir as empresas públicas. Essa mentira tem de ser desmascarada. Quando o meu pai faleceu houve um conflito entre a família e o Estado Angolano. Fizeram coisas desumanas aos filhos. Obrigaram o corpo a ir para Angoa e fizeram um funeral forçado. Foi o Presidente João Lourenço que deu a cara. Perseguição política. A frase “filha do presidente” é um ataque político.
EP: E a questão dos salários no Conselho de Administração da Sonangol?
IS: Cada administrador é responsável pelo seu voto. Se não estiver à vontade, pode abster-se. Ou vota contra. Ninguém é obrigado a votar favoravelmente seja o que for. Um esclarecimento: A PCA não tinha voto de qualidade. Neste e noutros temas eu cumpri o Estatuto do Gestor público. Se o assunto envolvesse uma empresa à qual estava ligada, eu agia como manda a lei, abstinha-me. Dizerem que votei no Conselho de Administração da Sonangol assuntos que tinham a ver com as minhas empresas é uma acusação falsa. Agi sempre como manda a lei.
EP: E os 13 milhões em salários?
IS: Na acusação dizem que os
administradores auferiram salários de 145 meses. Dez anos adiantados! Mentira.
Eu recebi apenas os salários a que tinha direito. Recebia
EP: Mas estando a empresa em situação difícil, esses aumentos não podia esperar?
IS: Por isso mesmo é que tínhamos de atrair os melhores quadros. Mas não fizemos uma gestão despesista ou irresponsável. Francisco Lemos e Manuel Vicente quando iam a Portugal gastavam quatro vezes o meu salário só na deslocação. Eles andavam de jacto privado. Falcon último modelo! Manuel Vicente não viajava nas companhias aéreas, só jacto privado. Uma viagem dele eram quatro meses do meu salário! Administradores e quadros angolanos no estrangeiro ou noutras empresas petrolíferas, para deixarem esses empregos e virem para Luanda tinham que receber o mesmo! Por isso aumentámos os salários. Mas poupámos nos custos. Nunca viajei de jacto privado. Estava grávida, tinha uma criança pequena mas viajava nas linhas aéreas.
EP: Mesmo assim não podiam evitar os aumentos?
IS: Em Angola hoje, com a economia muito pior, há salários muito superiores a 50 mil dólares. Hoje na UNITEL o administrador Miguel Geraldes, indicado pela Sonangol, ganha mais de 100 mil dólares por mês! A PGR não diz nada. Eu não fui para a Sonangol por uma questão de salários. Tínhamos que ser competitivos. Fomos buscar bons quadros angolanos que estavam no estrangeiro. A Dra. Eunice Carvalho ganhava mais na Exxon do que veio ganhar para a Sonangol. Estive 18 meses na Sonangol e acusam-me de 11 crimes. Mas são conhecidos casos de corrupção na empresa muito antes da minha administração. E nunca foram investigados apesar das denúncias de Rafael Marques no portal Maka Angola.
EP: Quais são esses casos?
IS: Condomínios com as casas entregues a pessoas que não pagaram. Casas de um milhão e meio de dólares entregues a quem não pagou. Construídas por empresas dos administradores e dos directores. As embarcações que serviam as plataformas pertenciam a administradores e directores da Sonangol. A PGR nunca quis olhar, nunca investigou essas denúncias. O Executivo nada. Ninguém pôs em causa um administrador ou um director da Sonangol. Rafael Marques está calado. Mas no passado escrevia muito sobre a corrupção na Sonangol. O Baptista Sumbe não foi investigado. O Veloso zero. Como é que a Sonangol em 2015 não tinha dinheiro? Ninguém investiga. Onde foi parar o dinheiro? Ninguém quer saber. Por isso eu digo que este combate à corrupção dirigido pelo Presidente João Lourenço não é sério. É uma farsa. E no que me diz respeito, uma perseguição política.
EP: O que justifica essa afirmação?
IS: Se houvesse interesse real em conhecer a corrupção na Sonangol, o comportamento dos dirigentes políticos tinha sido outro. Eu e os consultores que eles dizem não existirem fomos à sede do MPLA duas vezes. Reunimos na altura com o cabeça de lista do partido, General João Lourenço. Mostrámos o relatório. Estão aqui as irregularidades! Pelos contratos da refinaria do Lobito já tinham sido pagos 1,6 biliões de dólares e nada estava feito. A Odebrecht recebeu um bilião e 600 milhões de dólares para fazer uma terraplanagem!
EP: Mostrou isso ao Presidente João Lourenço?
IS: Ainda era o candidato do MPLA, o cabeça de lista. Mas com ele estavam todos os membros do Bureau Político. Eu disse-lhes: Estão aqui os problemas que precisamos de resolver. Deixo um desafio. Os documentos que entreguei ao Presidente João Lourenço naquelas reuniões, que sejam tornados públicos. Se têm coragem, se isto é mesmo combate à corrupção a sério, investiguem. Mais de 90 por cento dos dólares em Angola resultam das operações da Sonangol. Como é que hoje não temos dólares se o petróleo está a 80 ou 90 dólares o barril? Onde estão os dólares? Temos de saber o que se passa. Por isso eu digo que há um processo político contra mim.
EP: Pode especificar melhor?
IS: Esta acusação, este processo, fazem parte de um calendário político. Querem alterar a Constituição da República para assegurar um terceiro mandato aso Presidente João Lourenço. Esta manobra, esta acusação, este combate à corrupção que existe em Angola é para distrair. Querem mudar a Constituição da República. João Lourenço quer tirar do caminho quem não tem as mesmas posições políticas dele. Eu acredito na economia de mercado, venho do sector empresarial. Eu defendo que o Estado não tem que ser dono da comunicação social. Estas manobras servem para tirar o poder económico a quem queira concorrer ou apoiar outros candidatos mesmo dentro do MPLA. Tenho tudo congelado antes de ser julgada e condenada. Nem consigo movimentar a minha conta para pagar os estudos dos meus filhos. O Estado Angolano faz isto. A PGR faz isto contra pessoas inocentes. Por que me retiraram a gestão das minhas empresas? Agora estão a ser melhor geridas? Estão melhor? Estas acusações são feitas em 2024. Por que não antes?
EP: Já respondeu às acusações?
IS: Eu sou representada pelo meu advogado, o Dr. Sérgio Raimundo, um excelente profissional. A acusação foi entregue aos meus advogados e automaticamente fui notificada. Tenho o direito, no prazo de dez dias, a contar de sexta-feira dia 12 de Janeiro, de remeter as provas. Até 22 de Janeiro vamos entregar os documentos que acabam com as mentiras. Mas não posso ir a Angola. O procurador Bento Mateus, em 2022, pediu à Interpol que emitisse um mandado de detenção contra mim. Fiquei impedida de viajar! Fez o mesmo ao Presidente José Eduardo dos Santos. Mas depois vieram dizer que foi engano.
EP: Onde vive a engenheira Isabel dos Santos?
IS: . Nas procurações passadas ao meu advogado consta o meu endereço. A minha morada, Desde 2020, é sempre a mesma. As autoridades sabem onde resido. Não estou em parte incerta.
EP: Vai reclamar a devolução das suas empresas?
IS: Em Angola o processo já está
*Jornalista
*O entrevistador foi Edn0o Pimentel
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