António Capinha
Já sabemos que os partidos são máquinas de assalto ao poder. Transfiguram-se, mudam de discurso, prometem o que não podem cumprir. Quase sempre tem sido, assim, na democracia portuguesa.
O simples odor a poder provocou no Chega uma transformação expressa na mais notória alteração do seu discurso. Não sabemos para onde foi a castração química de pedófilos, a pena de morte, os ciganos.
A questão é que se as sondagens estiverem correctas, o Chega poderá conseguir 15% dos votos nas eleições de 10 de Março. 15% do total dos votos são, aproximadamente, um milhão e quatrocentos mil portugueses a votarem no Chega! Que fazer, então, com eles e com o seu voto? Vamos atirá-los ao Tejo? Não podemos ostracizar nem colocar fora da lógica democrática um milhão e quatrocentos mil portugueses.
Torna-se claro, assim, que o Chega, entrou na lógica de poder e tudo fará para ser Governo, já em Março, ou mais tarde.
O PS tem, pois, o resultado da sua prática política. De tanto querer enfraquecer o PSD, conseguiu transformar o Chega numa forte hipótese deste, um dia, ocupar uma posição governativa. A sistemática tensão que Augusto Santos Silva colocou no Parlamento nos debates com André Ventura produziu o efeito desejado. E a degradação da situação social, com o aumento das bolsas de pobreza, aliadas à falta de combate à corrupção, tiveram um resultado. O Chega subiu!
Pois bem! A melhor maneira de combater o Chega, na lógica institucional, não é ostracizá-lo ou colocá-lo, sistematicamente, fora do jogo democrático como sempre fizeram os socialistas. O Chega combate-se fazendo um escrutínio apertado às suas propostas, discutindo-as, mostrando à população o irrealismo das mesmas, a sua falta de rigor financeiro, o eventual perigo que elas podem constituir para o equilíbrio financeiro do país.
Nas propostas, recentemente, apresentadas pelo Chega há de tudo. Demagogia, oportunismo, irrealismo, falta de rigor financeiro. Mas há, também, propostas lógicas e exequíveis.
O fim do IUC é um dos casos. O IUC era, originariamente, um imposto de selo pago no momento da compra da viatura. Transformou-se, depois, num imposto de circulação, pago anualmente. O tal imposto que o PS, estupidamente, queria aumentar por razões ambientais e, depois, colocou a “viola no saco” deixando-o cair.
A proposta do Chega relativa à obrigatoriedade dos bancos pagarem uma parte do crédito à habitação de quem tem empréstimos, aliviando as famílias, sobretudo as mais jovens, faz todo o sentido. A Banca factura, diariamente, milhões de euros. Não seria lógico que uma parte desses lucros fosse utilizada para ajudar as famílias? Isto depois do país ter passado anos a salvar bancos com os impostos dos portugueses. Porque é que o PS, nestes oito anos de governo, não se lembrou de aplicar esta medida? Falta de coragem face ao poder dos Bancos? Então não se admirem, agora, com o crescimento do Chega!
Mas sobre as propostas que vieram, recentemente, a púbico, algumas de duvidosa aplicação, o Chega terá de clarificar como vai conseguir os tais 20 mil milhões de euros que espera obter no combate à corrupção. Tem de dizer quais as medidas a aplicar e o resultado financeiro delas.
Terá de explicar aos pensionistas como vai fazer para que todos tenham uma reforma ao nível do salário mínimo. Qual o custo anual? E qual é o valor do salário mínimo. O de hoje? Ou, o salário mínimo daqui a quatro anos? Tudo tem de ser muito bem explicado e a credibilidade dessa explicação será mais uma chave de acesso do Chega a partido mainstream*. Nos futuros debates eleitorais os partidos terão a oportunidade de confrontar o Chega e de mostrar a falsidade, ou não, das suas propostas.
Portanto, tal como a lagarta daninha o Chega quer transformar-se na borboleta voadora. Cheirou-lhe a poder! A boa notícia é que o Chega está a agir dentro do jogo democrático. A má notícia é que toda a sua nova narrativa poderá não ser mais do que um mero exercício de oportunismo político.
* Jornalista
* Nota: Mainstream
Nome masculino
1. Corrente cultural ou ideológica que é mais divulgada ou dominante em determinado local e período.
Adjectivo de dois géneros e de dois números
2. Que pertence a uma corrente ideológica ou cultural dominante, convencional ou mais divulgada (ex.: jornais mainstream).
3. Criado para ser vendido ou divulgado em grande escala (ex.: música mainstream). = COMERCIAL
Origem etimológica:palavra inglesa.
Plural: mainstreams.
"mainstream", in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa [em linha], 2008-2024, https://dicionario.priberam.org/mainstream
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