quarta-feira, 22 de janeiro de 2025

Habitação: um pé em solo rústico, o outro com uma entorse

Miguel Prado, jornalista | Expresso (curto)

Antes de mais um convite: hoje, às 14h00, "Junte-se à Conversa" com David Dinis e Pedro Cordeiro, para falar sobre "Trump: qual é o perigo?". Inscreva-se aqui.

Bom dia. Esta quarta-feira vai ser fértil em matéria de troca de ideias sobre o presente do território e o futuro da habitação, levando ao Parlamento o diploma que altera o “Regime Jurídico dos Instrumentos de Gestão Territorial”, o tal que o Presidente da República promulgou a contragosto (afinal ninguém gosta de ir a jogo com uma entorse).

Sobre o Decreto-Lei 117/2024 falarão hoje no Parlamento Filipa Roseta, Isaltino Morais e Miguel Pinto Luz, depois de esta terça-feira o ministro da Coesão, Manuel Castro Almeida, ter desdramatizado a questão. “Vai aumentar o preço dos solos rústicos, qual o problema?”, questionou o governante, defendendo não ver mal em que um pequeno proprietário possa valorizar o seu terreno, quando em meio urbano o custo do solo já é particularmente elevado.

O diploma será debatido no Parlamento na sexta-feira, 24 de janeiro, com o PS e o PSD a preparar algumas alterações legislativas, e os partidos à esquerda a defenderem a cessação do Decreto-Lei, que, na sua versão final, eliminou o “arrendamento a preços acessíveis” da tipologia de intervenções que legitimam a conversão de solo rústico em solo urbano para a construção de habitação. Será a oportunidade para o Presidente da República revisitar a polémica lei dos solos, depois de a ter promulgado lamentando a “entorse” que constituía em termos de ordenamento e planeamento do território.

Em ano de eleições autárquicas, o acesso à habitação promete ser um tema crítico na agenda política. Com o prazo de concretização dos projetos do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) a aproximar-se, urge incrementar a taxa de execução dos investimentos. Em setembro do ano passado o programa 1º Direito apresentava uma execução inferior a 3%.

Em Espanha, Governo e oposição digladiam-se em torno do problema da falta de casas. Por cá, o sector imobiliário clama por medidas que permitam aumentar a oferta de nova habitação, que vão desde o repetido apelo à redução do IVA da construção até à proposta de conversão de terrenos públicos ou à ideia de criar grupos de trabalho intermunicipais, como contamos aqui na edição digital no Expresso.

E são várias as autarquias nas quais o tema é sensível. É o caso de Lisboa, cuja assembleia municipal acaba de aprovar as condições para numa área de 48 hectares no Vale de Santo António edificar uma oferta com 2400 apartamentos para arrendamento acessível.

Em Portugal o mercado imobiliário continua aquecido, tendo as vendas de casas acelerado no último trimestre de 2024, com um crescimento homólogo de 27%, a maior subida em mais de três anos. Lisboa continua a ser a cidade do país onde mais custa ter um teto sob o qual dormir: cada metro quadrado de habitação custa acima de 4 mil euros, mais do dobro do valor mediano das casas no país (cerca de 1700 euros por metro quadrado).

Não é que faltem terrenos no país. Eles existem, de norte a sul, e vão dando lugar a pequenas, médias e grandes centrais solares que fomentam a transição energética enquanto alimentam a discórdia. Existem também para acolher grandes infraestruturas, enfrentando, porém, um quebra-cabeças no licenciamento (“num projeto de interesse público terá de haver uma capacidade de sacrifício dos indivíduos, há sempre perdedores e vencedores nestes processos”, nota o professor Nuno Gil, da Universidade de Manchester, em declarações ao Expresso). Existem para diversos projetos industriais. E também para muitos dos projetos que captam largos milhões de euros de investimento para fazer de Portugal um destino turístico de referência (veja-se como a britânica Arrow Global se está a tornar num dos maiores proprietários de campos de golfe em Portugal). Os terrenos existem, mas são escassos nas áreas mais densamente povoadas do país, pressionando o custo da oferta edificada existente e sobrecarregando a gestão do orçamento das famílias, cujos rendimentos em muitos casos não acompanham a subida do custo de vida.

O diploma que esta semana está em discussão no Parlamento foi criticado por Helena Roseta por abrir a porta à especulação num país que até tem 5,9 milhões de casas para 4,1 milhões de famílias. Há cidadãos com segundas casas e outros com casa nenhuma. O debate é, por isso, crítico: como podem os decisores políticos desenhar as ferramentas mais adequadas para ampliar a oferta de habitação, a preços comportáveis para as famílias portuguesas? Avançando em solo rústico será conveniente ter cautela. Para evitar entorses dolorosas.

OUTRAS NOTÍCIAS

Supervisores. O Banco de Portugal não é a única entidade de supervisão que faz rodear a sua administração de consultores. A CMVM tem sete assessores da administração, como aqui contamos.

SNS. A polémica do ex-diretor-executivo do Serviço Nacional de Saúde, António Gandra de Almeida, foi tema do Conselho Nacional do PSD, com Luís Montenegro a defender que o Governo “não tinha como saber” da incompatibilidade. Certo é que Gandra de Almeida entregou uma declaração sob compromisso de honra garantindo a inexistência de incompatibilidades, mas o presidente da Cresap defende que aquele responsável deveria ter facultado mais informação sobre o seu trabalho no Algarve.

Bloco de Esquerda. Entre 2022 e 2024 o Bloco dispensou cinco trabalhadoras depois de terem sido mães, numa altura em que o partido se confrontava com uma redução de verbas. O Bloco nega a existência de irregularidades.

PSD. O presidente da Câmara de Lisboa, Carlos Moedas, recusou anunciar uma recandidatura à maior autarquia do país, preferindo defender a candidatura de Luís Marques Mendes à Presidência da República.

Supermercados. A taxa de segurança alimentar, criada há mais de uma década, quando Portugal estava sob intervenção da troika, tem sido contestada judicialmente pelas empresas de distribuição, que já ganharam algumas ações.

FRASES

“Penso que há uma pessoa que reúne todas as condições. Essa pessoa é Luís Marques Mendes. Se se candidatar terá todo o meu apoio”

Carlos Moedas, presidente da Câmara Municipal de Lisboa, sobre uma eventual candidatura presidencial de Marques Mendes

“Vai aumentar o preço dos solos, qual o problema?”

Manuel Castro Almeida, ministro da Coesão, sobre o diploma da conversão de solo rústico em urbano

“Não nos precipitemos”

Joaquim Miranda Sarmento, ministro das Finanças, sobre potencial guerra comercial dos Estados Unidos com a Europa

“O empate já seria penoso, então perder ainda mais penoso é”

Bruno Lage, treinador do Benfica, sobre a derrota por 5-4 contra o Barcelona

OS NOSSOS PODCASTS

Donald Trump e Melania lançaram criptomoedas com os seus nomes, que subiram e desceram vertiginosamente. No Expresso da Manhã Paulo Baldaia conversa com o jornalista Gonçalo Almeida sobre estes e outros criptoativos.

Socialistas de todo o mundo, dividi-vos! O mais recente episódio da Comissão Política analisa a demissão de Gandra de Almeida, as candidaturas presidenciais e o posicionamento de Alexandra Leitão para a Câmara de Lisboa. Pode escutar aqui.

O que justifica os salários elevados do Banco de Portugal? É este o tema do último episódio do podcast Economia Dia a Dia, disponível aqui.

A psicóloga Rute Sampaio, da Associação Portuguesa para o Estudo da Dor, e Vera Guimarães, que sofre de dor crónica há quase 20 anos, são as convidadas do mais recente episódio do podcast “Que voz é esta?”.

O QUE ANDO A OUVIR

O silêncio. Tendo trocado um veículo com motor de combustão por um elétrico, os movimentos pendulares de casa para a redação do Expresso passaram a arrancar de forma silenciosa. Depois, no caminho, a companhia habitual de Kings of Convenience, Beirut, Belle & Sebastian, Interpol e Vampire Weekend, entre outros.

Este Expresso Curto termina aqui, mas já sabe que continuamos a trazer-lhe a atualidade nacional e internacional na nossa edição digital. E aqui pode seguir a nossa cobertura minuto a minuto do que é fundamental saber. Tenha uma boa quarta-feira!

Ler o Expresso

Sem comentários:

Mais lidas da semana