Velho Continente atravessa momentos conturbados, para além da guerra. A extrema direita avança. Governos de França e Alemanha estão frágeis. E até o acordo UE-Mercosul gera desavenças. E Trump, que volta à Casa Branca com mais poder, pode aprofundar o caos
Flavio Aguiar* | Outras Palavras | # Publicado em português do Brasil
Nos últimos anos duas preocupações cresceram entre a maioria dos governantes na Europa, na União e fora dela. A primeira foi a tensão com a Rússia, provocada pela guerra na Ucrânia. Na esteira dos Estados Unidos e da Otan, a maioria dos países europeus alinhou-se ao apoio financeiro e militar do governo de Kiev.
A segunda foi a de que, com o crescimento dos partidos de extrema-direita, a pauta de quase todos os governantes e partidos europeus, da centro-esquerda à direita tradicional, passou a assimilar de modo mais orgânico o repúdio a imigrantes e refugiados, sobretudo àqueles que vêm do antigo Terceiro Mundo, hoje Sul Global, e aos oriundos dos países muçulmanos.
A Rússia, a “invasão” do espaço europeu por aqueles considerados como estranhos a seu universo cultural e até religioso, o suposto terrorismo importado dos países árabes: eis um coquetel explosivo que alimenta alguns dos pesadelos mais aterrorizantes de governantes e governados preocupados em preservar os valores tidos por eles como autenticamente europeus, em torno da democracia liberal e do liberalismo econômico.
Agora um novo pesadelo veio se juntar aos já mencionados: a posse de Donald Trump em seu segundo mandato na Casa Branca. Jamais um presidente norte-americano acumulou tantos poderes. Ele tem a seu lado a maioria nas duas casas do Congresso em Washington, uma sólida maioria na Suprema Corte (que lhe garantiu imunidade criminal) enquanto estiver no cargo e o alinhamento explícito de duas das maiores Big Techs mundiais, lideradas por Elon Musk e Mark Zuckerberg. Outras devem aderir a este verdadeiro consórcio digital, informativo ou des-informativo, conforme o ponto de vista favorável ou crítico a elas. Elon Musk já apontou suas baterias para a Europa, aliando-se explicitamente aos partidos de extrema-direita em alguns países, como o Reino Unido e a Alemanha. Zuckerberg promete suspender o sistema de verificação da credibilidade das informações que circularem na sua Big Tech.
Os problemas europeus,
entretanto, não têm raízes apenas em fontes definidas como externas. A própria
Europa navega num mar de turbulências e incertezas. Os governos da dupla
principal da União Europeia, França e Alemanha, estão fragilizados. Em
Na Alemanha, o primeiro ministro
social-democrata, Olaf Scholz, enfrentará uma eleição difícil
Partidos de extrema-direita estão no poder na Hungria e na Itália, e acossam os governos da Escandinávia, antes um verdadeiro santuário da social- democracia. Na Áustria o Partido da Liberdade, de extrema-direita, foi o mais votado na última eleição e agora tenta formar um governo de coalizão com a direita tradicional.
O Acordo de Shengen, que prevê a livre circulação entre os países europeus, está ameaçado, porque vários deles estão restabelecendo controles policiais em suas fronteiras terrestres.
A economia da União Europeia está fragilizada. O alinhamento da Alemanha, que representa 30% do PIB da Zona do Euro, com o governo de Kiev terminou por provocar a interrupção do fornecimento do gás russo para o país. A indústria alemã entrou em recessão, acossada pela concorrência chinesa na produção de veículos elétricos e prejudicada pela turbulência no comércio mundial, graças à guerra na Ucrânia e o conflito no Oriente Médio. A Alemanha segue sendo a principal exportadora e importadora de produtos europeus. Uma crise nela atinge todo o continente.
Até a recente assinatura do Acordo de Parceria entre a União Europeia e o Mercosul é fonte de desavenças, com a Alemanha desejando sua rápida implementação, enquanto o setor agropecuário, da Espanha à Polônia, faz-lhe forte oposição.
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