segunda-feira, 31 de março de 2025

RAPAZES QUE ODEIAM RAPARIGAS -- Expresso (curto)

Rita Ferreira, editora de sociedade | Expresso (curto) - via newsletter

Bom dia.

O número de jovens entre os 12 e 20 anos internados em centros educativos pelo crime de abuso sexual de crianças ou menores incapazes é o mais alto da última década: no final de 2024, havia 14 adolescentes, todos rapazes, condenados por tribunais de menores a permanecer presos em centros educativos.

Nunca houve raparigas retidas nestes estabelecimentos por abuso de menor ou de violação neste período.

Este é o início da notícia que o Hugo Franco escreve esta manhã no Expresso. Depois da que escreveu no final da semana passada sobre a violação de uma rapariga de 16 anos, por três rapazes entre os 17 e os 19 anos, que filmaram e publicaram nas redes sociais os atos que praticaram.

Milhares de pessoas viram o vídeo, nenhuma denunciou.

Na segunda-feira, tivemos acesso ao relatório preliminar da segurança interna, o RASI. E lá estava o destaque para o abuso sexual de crianças cometido por ofensores menores, com idades entre os 12 e os 16 anos.

“O documento frisa que estão referenciados grupos de WhatsApp criados por crianças entre os 10 e 13 anos em que se partilham conteúdos multimédia de pornografia e de violência extrema”, casos que seguiram para os Tribunais de Família e Menores.

O acesso à pornografia desde idades tão precoces como os 7 anos já tinha sido tema de um trabalho da Joana Pereira Bastos. “Em Portugal, 40% dos rapazes e 26% das raparigas entre os 9 e os 16 anos já foram expostos a pornografia”, lemos, quase incrédulos, num estudo de 2019. Quantos serão agora?

Discutir o que é extremo pode enviesar a narrativa, dir-se-á. Mas ignorar os sinais será pior ainda.

O que leva estes e outros rapazes a odiar as raparigas, ao ponto de serem violentos?

Novas conversas e discussões surgem: temos de olhar para os rapazes, dar-lhes mais atenção. Porque estão a ficar para trás na escola e nas qualificações, perdem os trabalhos mais bem pagos, estão sem auto-estima, sem amor-próprio. E isso leva-os a juntar-se na “manosfera”, unidos numa tribo que já só tem uma arma: o poderio físico e a violência.

E dizer isto, escrever isto, não estará a estereotipar milhões de rapazes? Dar a entender que um qualquer miúdo é um predador sexual, ou um agressor em potência, é sequer aceitável? Por que razão os rapazes seriam por si só mais violentos que as raparigas? Por que razão seriam piores seres humanos?

O machismo e a violência dos homens sobre as mulheres não é novo. O exibicionismo e o voyeurismo da violência também não. Talvez seja novo o sentimento de inferioridade destes rapazes, mascarado de uma masculinidade tóxica; é novo de certeza o mundo onde todos eles se movem, cheio de salas virtuais, acesso ilimitado e identidades escondidas atrás de écrãs, que lhes dificulta (e distorce?) a distinção entre bem e mal, jogo e real, vida e morte.

Vai ser preciso mais do que uma boa série de televisão para os compreendermos. Com toda a certeza vai ser preciso ouvi-los, mais e melhor.

Outras notícias

“Hamas fora!” O cessar-fogo na Faixa de Gaza criou na população a ilusão de que poderia continuar com a vida após quase ano e meio de uma guerra sem igual. A retoma dos bombardeamentos israelitas levou-a de volta ao inferno. Em várias cidades, protestos populares inéditos exigiram a saída do Hamas do poder.

Trump chateado com Putin e com Zelensky. O presidente dos Estados Unidos decidiu fazer ameaças de imposição de tarifas “a todo o petróleo que sai da Rússia”, numa entrevista dada à BBC. Na viagem de avião de volta aos EUA, virou-se para Zelensky: "Vejo-o a tentar sair do acordo de terras raras. E se o fizer, estará em apuros”.

Decisão em França. Marine Le Pen sabe hoje se pode ser candidata às presidenciais de 2027. Se for condenada no caso do alegado desvio de fundos europeus, a líder de facto da extrema-direita francesa fica impossibilitada de concorrer à sucessão de Emmanuel Macron.

“Problema de seriedade e transparência.” Pedro Nuno Santos voltou a criticar duramente o primeiro-ministro, considerando a investigação do Ministério Público à maior obra pública de Espinho envolvendo o escritório de Luís Montenegro - noticiada pelo Expresso - o "caso mais grave" desde que a crise política começou.

Listas aprovadas. A Iniciativa Liberal aprovou este domingo em Conselho Nacional os candidatos a deputados e as linhas programáticas do partido às eleições legislativas antecipadas de 18 de maio, com Rui Rocha a recusar entrar numa “campanha de casos”.

Gomes vs Proença. Estalou a polémica entre ex e atual presidente da Federação Portuguesa de Futebol. Fernando Gomes desmentiu Pedro Proença anunciando que não o apoia na corrida ao Comité Executivo da UEFA. Proença fala em “gravíssimas insinuações” e marcou uma reunião de urgênciada direção da FPF para hoje.

Oceanos em Paris. A Torre Eiffel iluminou-se da cor do mar para receber o “SOS Oceano”, que juntou perto de uma centena de personalidades de diversas áreas para lançar um manifesto que conta com o apoio do Presidente Emmanuel Macron, e desafia os líderes políticos a agir nos próximos cinco anos. A Carla Tomás está lá para dar conta das decisões.

A história estranha da Raize. A atual gestão da empresa Raize queria que a assembleia geral decidisse processar os administradores que saíram há um ano. Acabou por retirar a proposta sem qualquer explicação. A CMVM obrigou-a a vir justificar-se. Pelo meio, a instituição procura capital para continuar a existir.

“Podemos todos ter calma?” O presidente da OpenAI, Sam Altman, teve de pedir calma aos milhões de utilizadores que de um dia para o outro desataram a gerar imagens ao estilo dos estúdios de animação japoneses Ghibli. Mas não era apenas uma questão de nervos, o problema era obviamente de direitos de autor e a dona do ChatGPT acabou por anunciar um bloqueio à produção destas imagens.

Frases

“As miúdas eram inteligentes. Duas estudaram e quando chegou a altura para a faculdade a minha patroa, que era minha amiga, que sempre ajudou a comprar cadernos e lápis para as crianças, ficou triste comigo. Deixou de ser minha amiga. Disse que as miúdas não tinham que ir para a faculdade, que eu tinha que ensiná-las a fazer uma sopa, passar a ferro uma roupa, descascar batatas e cenoura”, Palmira Joaquim, 65 anos, cuidadora geriátrica, entrevistada pelo Fumaça

“Foi um momento histórico, um marco histórico, representar uma classe e abrir as portas para que mais colegas possam fazer parte deste palco nacional. Estamos mais do que preparadas para este compromisso”, Catarina Campos, a primeira mulher portuguesa a apitar um jogo da I Liga, no final do Casa Pia-Rio Ave

Podcasts

Expresso da manhã. Bruxelas propôs aos cidadãos europeus que tenham em casa kits de sobrevivência. Paulo Baldaia conversa com Pedro Cordeiro, editor de Internacional do Expresso, e tentam responder a estas perguntas: Serão os EUA e a Rússia as tenazes que pressionam a Europa? Bruxelas precisa de um kit de sobrevivência para a Democracia?

O CEO é o limite. No episódio de hoje a Cátia Mateus entrevista Frederico Magalhães, fundador da Sisqual: “Temos pessoas fantásticas que são péssimos líderes, são lobos solitários”

No Leste/Oeste, Nuno Rogeiro analisa os ensaios laboratoriais de Trump na Casa Branca, a obsessão americana com a Gronelândia e os recuos na Guerra na Ucrânia

Contas poupança. A Inteligência Artificial pode ajudar-me a poupar? Pedro Andersson conversa com a IA

Consulta aberta. Margarida Graça Santos trouxe ao podcast Miguel Peliteiro, interno de neurorradiologia e um dos fundadores da Dioscope: “Cresci na Póvoa do Varzim a ver o médico ser uma figura incontestável. A medicina continua paternalista, temos de envolver mais o doente”

O que ando a ouvir:

O novo álbum de Capicua, Um Gelado Antes do Fim do Mundo. Fica aqui um excerto da letra poderosa de Making Teenage Ana Proud:

Estamos fartas de penar o dobro para ter metade
Estamos fartas da vergonha pelo corpo e na idade
De perder anos de vida na senda pouco sadia
De querer viver até aos cem, sem envelhecer um dia
Mães trabalham como hoje, mas em casa é como dantes
Tudo mina a autoestima de meninas e mulheres brilhantes
Enquanto afaga o ego de qualquer gajo mediano
Encontrando em cada adulto funcional o pai do ano
O tal duplo critério é o sal do patriarcado
Estamos sempre em desvantagem no mesmo micromercado
Exaustas de ter mais bagagem às costas no mesmo trilho, diz-me:
Quantos homens que idolatras criam os seus filhos?
Quantos homens geniais criaram os seus filhos?
Quantas mães sobrecarregadas ficaram sem brilho?

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