quinta-feira, 22 de maio de 2025

Angola | Exclusão da RTP é "recado" à imprensa internacional

Borralho Ndomba* | Deutsche Welle 

Expulsão da emissora pública portuguesa da cobertura das atividades da Presidência de Angola, pela alegada divulgação de uma reportagem tendenciosa, é vista como ameaça à independência da imprensa internacional no país.

Não é a primeira vez que o Governo angolano entra em choque com órgãos de comunicação portugueses. Em março de 2017, o canal de televisão SIC viu a sua emissão suspensa em Angola por transmitir reportagens críticas ao regime. Agora, é a RTP que perde o privilégio de aceder ao Palácio Presidencial, após divulgar uma peça sobre o conflito em Cabinda.

O jornalista e correspondente da Voz da América em Angola, Coque Mukuta, considera que, atualmente, apenas os órgãos que seguem à risca a agenda do Executivo — sem questionar — têm acesso à Presidência. Para Mukuta, a RTP pensou "fora da caixa" e perdeu um privilégio que muitos meios nacionais e internacionais nem sequer possuem.

"O Governo entendeu que a RTP, em alguns casos, tem estado a sair fora da caixa — por exemplo, contando realidades sobre Cabinda, doenças, problemas de acesso à água. E quando não há alinhamento com a narrativa oficial, isso incomoda", afirma.

"Já tivemos representantes da RTP muito ligados à Casa Presidencial, e esses mantiveram o privilégio", lembra. "Mas os atuais responsáveis parecem estar a incomodar o poder político e, por isso, foram afastados", diz o jornalista.

Medida intimidatória

O correspondente da Voz da América em Angola considera ainda a medida como intimidatória para a imprensa internacional credenciada no país. Com as eleições gerais de 2027 a aproximarem-se, Mukuta alerta que o ambiente pode tornar-se ainda mais restritivo: "Acho que, daqui para frente, por conta das eleições, o cenário poderá apertar. Poderá haver um cerco maior, com mais limitações à liberdade de imprensa".

Também na visão de Ilídio Manuel, jornalista e analista político, a decisão da Presidência representa um ato de intolerância contra a imprensa independente: "Serve também para passar uma mensagem clara aos demais órgãos — estrangeiros e nacionais — de que o Executivo pretende uma imprensa domesticada, obediente à agenda governamental, retirando-lhe a autonomia de produzir conteúdos de forma crítica e independente".

Liberdade de imprensa em risco

A Associação para o Bem de Angola (Pro Bono Angola) emitiu uma nota pública manifestando "profunda preocupação e veemente repúdio" pela exclusão da equipa da RTP. A organização também classifica o episódio como um sinal alarmante de restrição à liberdade de imprensa no país.

Bartolomeu Milton, jurista e presidente da associação, lembra que as ações do Presidente são de interesse público e, por isso, não devem estar sujeitas à cobertura de meios selecionados.

"O que se observa é que apenas têm acesso à Cidade Alta os órgãos que realçam, de forma positiva, as ações do Executivo. Os meios independentes que apresentam uma narrativa diferente da imprensa pública acabam por ser censurados", afirma.

Para Milton, este cenário constitui um fator inibidor ao exercício do jornalismo livre, uma vez que "esses órgãos não podem simplesmente divulgar informações que não sejam abonatórias ao Governo, sob pena de sanções. Isso configura uma limitação à prática jornalística".

A RTP é um dos poucos órgãos de imprensa internacional com acesso regular às atividades do Presidente da República. Meios como a RFI, Voz da América e DW não estão credenciados para a cobertura de eventos no Palácio.

*Borralho Ndomba - Correspondente da DW África em Angola

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