sexta-feira, 23 de maio de 2025

Angola | Medalhas de Bom Comportamento – Artur Queiroz

David Bernardino
Artur Queiroz*, Luanda >

Manuel Rui contou no Jornal de Angola como um dia relembrou “poetas como Alexandre Dáskalos e o hospital singular de Bernardino (assassinado numa fase de quase extermínio étnico)”.  O citado “hospital singular” foi criado e mantido à sua custa, pelo médico David Bernardino, que cuidou dos meus filhos do Huambo, porque eu não tinha dinheiro para pagar as consultas com o Dr. Fialho. 

David Bernardino foi assassinado à porta do centro de saúde da Bomba, no Huambo, quando tinha acabado de prestar cuidados de saúde às Mamãs e seus bebés. E sim, o hediondo crime aconteceu “numa fase de extermínio étnico”. Manuel Rui não escreveu quem eram os tribalistas exterminadores e quem foram os assassinos de um angolano excepcional. O seu texto, publicado no Jornal de Angola, trata da censura. Alguém censurou a parte em que o escritor revela quem assassinou o médico David Bernardino e exterminava tudo o que não fosse da tribo do criminoso de guerra Jonas Savimbi.  

Os pistoleiros assassinos eram da UNITA e o extermínio no Huambo estava a cargo do criminoso de guerra Jonas Savimbi. A minha sorte é que não tenho donos e posso escrever sem medo. Da Cidade Alta veio a ordem superior: Não se pode falar dos crimes da UNITA porque isso é contra a unidade e reconciliação nacional. Obrigado Avô Domingos, obrigado Papá Luís, obrigado Mano Amado por terem feito de mim um desordeiro.

A crónica é um género jornalístico e literário que em Angola atingiu estádios superlativos, desde a explosão da Imprensa Livre no último quartel do Século XIX. Foi então que nasceu, pujante, a Moderna Literatura Angolana. A luta pela liberdade é sempre um grito pela modernidade.

Ernesto Lara Filho, repórter e poeta, benguelense, está entre os melhores cronistas de Língua Portuguesa. Ombro a ombro (ou por cima…) do brasileiro Rubem Braga e do português Baptista-Bastos. Fui companheiro nas Redacções de Ernesto Lara Filho e Baptista Bastos. Mas também de outos dois, ao nível do trio maravilha: Eduardo Guerra Carneiro e Manuel António Pina. Se me bate a saudade vou ler os textos desses cronistas. Quando termino as leituras, Juro que nunca mais escrevo uma linha. Mas o vício tem mais força do que a incompetência e continuo a escrever.

Ernesto Lara Filho escapou ao extermínio étnico na cidade do Huambo, em 1975, porque se refugiou no quartel do Regimento de Infantaria, ainda sob controlo das tropas portuguesas. E lá ficou dois meses. O Governo de Lisboa tratou de “repatriar” os prisioneiros porque eram quase todos portugueses. Mano Arnesto aproveitou a boleia. 

O avião fez escala em Luanda e ele fugiu ante o espanto do pessoal de bordo. Na época o Diário de Luanda era dirigido pelo Conselho de Redacção. O repórter, cronista e poeta foi convidado a escrever obre a sua experiência. Foi o seu último trabalho no Jornalismo Angolano. Ao longo de meses Ernesto Lara Filho publicou peças sob o título genérico “Diário de Um Prisioneiro de Guerra no Huambo”.

Por favor, publiquem essas crónicas. Porque Ernesto Lara Filho, o repórter excepcional que era, reporta os hediondos crimes dos sicários da UNITA na cidade do Huambo. Dá pormenores assustadores do extermínio étnico de que fala Manuel Rui no seu texto do Jornal de Angola. Publiquem os textos do “Diário de Um Prisioneiro de Guerra no Huambo”. Se a deputada Navita Ngolo e o cabo reprovado Paulo Lukamba Gato lerem aquelas crónicas/reportagens nunca mais votam no Galo Negro. Justino Pinto de Andrade desiste de ser o intestino grosso de Adalberto da Costa Júnior.

Eu fiz a minha parte. Em 1990 publiquei o livro “Crónicas da Roda Gigante” que reúne os melhores textos de Ernesto Lara Filho (segundo o meu gosto…). O título da obra deriva da secção permanente que o poeta, repórter e cronista tinha no Jornal de Angola dos anos 40 do século passado. Nada trem a ver com o actual.

Como não publicam o melhor que temos, fazem do empregado do Riquinho, um tal Manuel Homem, o nosso Prémio Nobel da Literatura. Com a cobertura despudorada do Palácio da Cidade Alta. Torrar dinheiro na promoção de lixo literário é um insulto aos cronistas, aos escritores mas também aos angolanos que lutam bravamente para pôr na mesa o seu pedaço de pão. Os promotores deste insulto ignoram que a Literatura Angolana tem escritoras e escritores que estão no topo da Literatura de Língua Portuguesa e Universal. Não nivelem tudo pela bitola do Riquinho, seus empregados e sócios. 

João Melo escreveu no Jornal de Angola que “a literatura angolana moderna, surgiu em meados do século 20”. É por estas e por outras que o Palácio da Cidade Alta ousa impingir-nos o tal Manuel Homem. Com a Imprensa Livre do último quartel do Século XIX nasceu a Moderna Literatura Angolana. Jornalismo e Literatura gritando em conjunto pela liberdade. Nada existe de mais moderno. Antes tínhamos a fabulosa Literatura Oral que metre Óscar Ribas e o padre Carlo Estermann arrancaram do esquecimento. Fiz a minha parte. Publiquei o livro Contos Populares Angolanos.  Recolhi um conto Khoisan sobre a Criação da Humanidade. Peça única! 

Ignorar o luandense José da Silva Maia Ferreira e o seu livro “Espontaneidades da Minha Alma” (Luanda 1849) não é boa ideia. Abre a porta ao Manuel Homem. 

Ignorar o “catetista” Cordeiro da Matta (1857) é crime contra a Moderna Literatura Angolana. Ele é um farol da Cultura Kimbundu. Resgatou peças fabulosas da Literatura Oral. Foi Jornalista do inesquecível jornal nacionalista ”Pharol do Povo”. O nacionalismo na época era uma ideia moderna e vanguardista, João Melo. Em 1889, Cordeiro da Matta, publicou o livro “Delírios, Versos 1875-1887” e em 1902 a revista “Ensaios Literários”. Também é autor do livro “Philosofia Popular em Provérbios Angolenses”, uma joia preciosa da Cultura Kimbundu. Também é o autor de um dicionário de Kimbundu-Português.

Arantes Braga, angolano e negro, foi o fundador do jornal “Pharol do Povo”, subtítulo Folha Republicana onde Cordeiro da Matta era jornalista. É o primeiro jornal de Angola que em plena monarquia portuguesa, numa fase de tremenda repressão, se declarou defensor dos ideais republicanos. E da Independência Nacional. Nada mais moderno. Último quartel do Século XIX e não em meados do Século XX. 

A novela “Nga Muturi”, de Alfredo Troni, foi publicada em 1882. O jornalista do Mukuarimi e também do Jornal de Loanda (1878), com tipografia própria e sede na Rua Diogo Cão foi mesmo vanguardista. Contratou em Lisboa o jornalista Ladislau Batalha que trouxe para Angola a ideia luminosa do Socialismo. Este jornal tinha um cronista fabuloso, Pedro Félix Machado, irmão do artista plástico Julião Félix Machado que conquistou Lisboa, Paris e Rio de Janeiro com desenhos humorísticos e caricaturas.

Pedro Félix Machado deixou-nos o romance “Scenas d’África”. Era um grande poeta parnasiano. Os seus poemas foram editados no livro “Sorrisos e Desalentos” (1882). O parnasianismo é moderno, João Melo!  

Mais jornalistas e escritores modernos que iluminaram o Jornalismo e a Moderna Literatura Angolana no último quartel do Século XIX: José de Fontes Pereira, Pedro da Paixão Franco, Sant’Anna Palma e Augusto Bastos. Pedro da Paixão Franco deixou a obra em dois volumes, “História de uma Traição”. Em 1902 lançou “Luz e Crença”. 

Cordeiro da Matta, José de Fontes Pereira, Silvério Ferreira, Apolinário Van-Dúnem e Pedro Paixão Franco são os percursores e mais tarde divulgadores dos manifestos nacionalistas "A Voz de Angola Clamando no Deserto". No início do século XX, os mesmos escritores e jornalistas lançaram o Almanach-Ensaios Literários (1901). No primeiro número foram publicados os textos “Voz de Angola Clamando no Deserto - Oferecida aos Amigos da Verdade pelos Naturais”. O grito que nos levou à Independência Nacional. Modernidade mais moderna é impossível. Aconteceu ontem.

Silvério Ferreira nesse tempo de exaltação nacionalista escreveu isto: “A Humanidade desagrilhoada pode já caminhar para o progresso sem preconceitos de raça, sem dogmas de religião”. Quem escrever isto hoje está na vanguarda da modernidade.

Júlio Lobato começou a sua carreira profissional na Imprensa Livre do último quartel do século XIX. Explodiu nos primeiros anos do século XX e em 1908 fundou o jornal A Voz de Angola que tinha como legenda: Libertando pela Paz; Igualando pela Justiça; Progredindo pela Autonomia. Mais modernidade é impossível.

A Moderna Literatura Angolana tem raízes no Século XVII quando foi publicado o livro de Saturnino de Sousa Oliveira e Manuel Alves de Castro Francina “Elementos Gramaticais da Língua Nbumdu” onde estão incluídos 20 provérbios em Kimbundu. 

João Melo tem razão, em 1934 foi publicado “O Segredo da Morta” (Romance de costumes angolanos), do escritor António de Assis Júnior, fundador da Liga Nacional Africana. Também publicou “Relato dos Acontecimentos de Dala Tando e Lucala” (1917) uma obra indispensável para compreendermos a Revolução do 4 de Fevereiro e a Grande Insurreição no Norte de Angola, em 15 de Março 1961. O bisavô dos meus netos Lucas e Luna, o poeta Geraldo Bessa Victor, foi percursor da Literatura Contemporânea e do Movimento Vamos Descobrir Angola. Ma aqui já etamos a falar dos Independentistas e do MPLA.

O empregado do Riquinho, Manuel Homem, é mesmo muito atrevido. Aprendeu com o Francisco Queiroz. E quem o promove na Cidade Alta ainda vive nas Grutas do Nzenzo.

* Jornalista

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